EnglishEspañolPortuguês

SEM HABITAT

Por causa de desmatamento, mineração e incêndios, 32 animais silvestres são resgatados por dia nas cidades de MG

6 de setembro de 2022
6 min. de leitura
A-
A+
No último mês de julho, onça foi vista em condomínio de Nova Lima; em maio, outra onça foi encontrada em um vestiário na mesma cidade — Foto: Pixabay/Divulgação

A cada dia, 32 animais silvestres são capturados pelo Corpo de Bombeiros em áreas urbanas de Minas Gerais, sendo pelo menos três na região metropolitana de Belo Horizonte. Somente de janeiro a junho deste ano, 5.781 bichos selvagens, ou seja, que não estão adaptados ao meio urbano, fugiram de áreas verdes do Estado, sendo 583 ao redor da capital. A fuga generalizada é resultado de um desequilíbrio nas florestas, causado, principalmente, pela ação do homem. Desmatamento, aquecimento global, atuação de mineradoras e incêndios são parte da explicação para a migração dos animais para as cidades.

No topo da lista, estão as serpentes e as aves, mas outros bichos, como as onças, também estão cada vez mais próximos da população. No último mês de julho, uma onça-parda foi flagrada em um condomínio em Nova Lima, na Grande BH. Dois meses antes, em maio, uma onça foi encontrada em um vestiário no mesmo município.

Os animais, afirmam especialistas ouvidos por O TEMPO, geralmente estão assustados e com medo dos seres humanos, mas têm vindo cada vez mais para perto como último recurso. Com o desmatamento, aquecimento global, mineração, incêndios, entre outros desafios, eles muitas vezes precisam “sair de casa” na luta pela sobrevivência. Entretanto, em diversas ocasiões, eles perdem essa batalha. No futuro, inclusive, podem não estar mais próximos de nós, mas desaparecem, segundo especialistas.

Os dados divulgados pelo Corpo de Bombeiros mostram que o número de animais resgatados na região metropolitana de Belo Horizonte subiu 5,9%  de 2021 para este ano. Enquanto neste primeiro semestre foram 538, no mesmo período do ano passado foram 508. Em toda Minas Gerais, nos primeiros seis meses de 2022, a alta foi de 7,7%, uma vez que neste ano foram 5.781, contra 5.367 no primeiro semestre de 2021.

Veterinária especialista em animais silvestres, Marcela Ortiz salienta que, quando um bicho perde território em uma mata onde foi construído um condomínio, por exemplo, geralmente ele não consegue ir para outro matagal próximo, pois já existe um animal dominante por lá.

Portanto, os bichos começam a procurar outros locais para viver e, nessa busca pela sobrevivência, acabam adentrando as cidades. A maioria, porém, sequer sobrevive. Muitos são atropelados, outros não encontram água, e há aqueles que tentam reproduzir hábitos que têm na natureza, mas são impedidos pela rotina humana.

“Os répteis, por exemplo, gostam de tomar sol e procuram pedras quentes. Na cidade, eles vão para o asfalto, que fica quentinho, e se esticam no local para tomar sol. Com isso, acabam sendo atropelados, já que as cidades não foram feitas para eles”, diz.

Além da morte dos animais, essa não sobrevivência dos bichos pode levar a um quadro ainda mais assustador. Professor do departamento de genética, ecologia e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geraldo Fernandes afirma que o avanço da ação humana e a “fuga” dos animais das matas pode levá-los à extinção. A conta, diz ele, já está chegando, e todos vamos pagar por ela.

“Vivemos tempos conturbados, com eventos climáticos extremos e coisas que já se tornaram corriqueiras. É preciso que esse assunto seja levado em consideração de maneira mais séria. Estamos destruindo o meio ambiente, e isso é um tiro no pé. Esse é o único mundo que nós temos”, afirma ele.

Consequências

Tanto a vinda dos animais silvestres para as cidades quanto a extinção deles afeta não somente os animais, mas os seres humanos de maneira profunda, conforme explicam os especialistas. Professor do departamento de genética, ecologia e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geraldo Fernandes afirma que os animais podem acabar pegando doenças ao adentrarem espaços dominados pelos seres humanos. Além disso, também podem transmitir enfermidades.

Veterinária especialista em animais silvestres, Marcela Ortiz lembra que tudo na natureza tem uma função e que existe toda uma cadeia extremamente delicada. Até as minhocas, ressalta ela, tão pequenas, impactariam a vida na Terra de uma maneira ímpar se deixassem de existir de um dia para o outro. A falta de outros animais também pode levar a um desequilíbrio enorme, culminando até mesmo na alimentação (ou falta dela) humana.

“Todo bicho tem uma função muito importante, e é preciso que o ser humano aprenda a respeitá-los. Os predadores, por exemplo, têm a função de controlar as espécies herbívoras, para que se tenham as matas. Quando faltam os predadores, os herbívoros se multiplicam, acabam com as matas. Com a tendência de irem mais perto das cidades, eles vão para plantações, interferindo na alimentação humana”, afirma.

Soluções imediatas e para o futuro

Apesar de o cenário ser preocupante, especialistas afirmam que pode ser difícil revertê-lo. Conforme salienta a veterinária especialista em animais silvestres, Marcela Ortiz, a tendência é que os espaços verdes diminuam cada vez mais, em um quadro bastante contraditório: ao mesmo tempo em que as pessoas constroem casas para viverem na natureza, elas acabam por destruí-la ao erguer residenciais.

“Nunca vi um projeto para derrubar condomínios e fazer florestas. Se a gente quiser que esses bichos continuem vivendo, a tendência é que eles aprendam a conviver conosco”, afirma ela.

Diante desse cenário, destaca Marcela Ortiz, o ser humano teria de readaptar as cidades para receber os animais. Um exemplo disso é construir estradas com túneis embaixo para os bichos poderem atravessar; outro exemplo é construir pontes para micos, gambás, entre outros animais, atravessarem pelo alto, diz ela.

Além disso, quando se deparar com animais, é importante saber tratá-los. Marcela Ortiz ressalta que quando uma onça vai para uma área habitada por humanos e é vista, geralmente ela fica bastante assustada. Ela não atacaria um ser humano em “condições normais”, já que não fazemos parte da dieta desses animais. No entanto, pode ir para cima caso se sinta ameaçada e entenda que não consegue fugir.

A capitão do Corpo de Bombeiros Thaise Rocha salienta que, ao se deparar com um animal silvestre, é importante acionar a corporação para as medidas cabíveis. Conforme ela afirma, os bombeiros capturam o animal e o devolvem para a natureza caso não esteja ferido. Já se o bicho estiver machucado, é levado para atendimento veterinário antes de ser recolocado em seu habitat natural.

“A gente orienta a não tentar pegar os animais, que podem ter algum tipo de veneno ou estarem acuados, com medo. Tente se afastar deles, veja se existe alguma possibilidade de saída voluntária (como abrindo portas e janelas) e acione o Corpo de Bombeiros”, orienta.

A capitão ainda salienta para as pessoas não jogarem água nos animais e nem atirar objetos neles. Em casos de tentar pegar uma cobra com um pau, por exemplo, ela pode acabar se enrolando no objeto e assustando quem estiver manipulando-a. “No desespero de fazer algo, as pessoas podem acabar tornando a situação um risco”, afirma.

 

Fonte: O Tempo

Você viu?

Ir para o topo