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Pontos cegos

16 de setembro de 2011
4 min. de leitura
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Para todas as pessoas (sejam veganas, espíritas, ativistas pelos direitos humanos, ambientalistas etc) que acham que já subiram todos os degraus da vida e que já ocupam um patamar de excelência moral, vale lembrar que a cada degrau que se sobe segue outro, e depois desse outro, mais um, e assim deveria caminhar a humanidade.

Se já atingimos uma compreensão sobre algo, isto significa apenas que estamos prontos para darmos o próximo passo em direção ao próximo aprendizado.

A arrogância é quando, ao assimilarmos algo, enchemos o peito de um orgulho ridículo, e nos consideramos tão acima dos outros que paramos pelo caminho – fazendo e pensando mais do mesmo.

Bem, mas o arrogante se esquece de que no que ele ainda não sabe, ele permanece pequeno diante de muitos seres que já compreendem o que ele ainda é incapaz de ver.

A compreensão se dirige ao infinito, portanto jamais poderemos achar que sabemos muito da vida, pois o todo é inquantificável. E diante de algo que não sabemos o tamanho, é impossível situar-se em termos de muito ou de pouco. Uma reta contém infinitos pontos e, por conceito, não tem início nem fim – se tiver, é um segmento, um pedaço de reta, e não uma reta por definição. Da mesma forma, é o infinito de aprendizados que temos pela frente: há sempre o impulso que nos move para um ponto desconhecido, não temos que achar que somos mais ou menos que os outros, pois jamais saberemos em que ponto da reta estamos, e ainda que soubéssemos, não haveria referencial algum para situar nosso grau de “evolução”.

A mesma pessoa que salva um cão abandonado do frio e da fome nas ruas pode ainda não ser capaz de ver que o pedaço de carne no prato dela vem também do sofrimento de um animal inocente que, como o cão que ela salvou, apenas gostaria de viver e ser amado.

Isso não a torna inferior. Isso apenas mostra que ela, de alguma forma, parou pelo caminho, mesmo estando pronta para o próximo passo. O caminho natural desse processo seria estender a compreensão compassiva para todas as outras espécies vivas, além do cão que ajudou a salvar.

A mesma analogia vale para um vegano que não consome nenhum tipo de derivados animais, mas que, ao tragar o seu cigarro, compartilha da podridão escravizante que move a indústria do tabaco.

Podemos fazer inúmeras combinações, infinitas talvez: o espírita que veste couro ou que nutre fofocas; o ambientalista que trata mal outros seres humanos ou que consome carne; o ativista pelos direitos humanos que utiliza carro para fazer todo tipo de deslocamento, inclusive para ir à padaria que fica a duas quadras de sua casa, alimentando desta forma a indústria sórdida do transporte – responsável por detonar o planeta com emissão de gases tóxicos, aumentar a desigualdade social, e contribuir para que a natureza se converta em espaços mortos e esfumaçados, que privilegiam apenas as máquinas motorizadas.

Essas pessoas, por um lado, não aceitam fazer parte da sórdida indústria da carne, ovos, leite, cigarro, transportes etc, mas cada uma delas alimenta alguma sordidez situada em seu ponto cego.

Cada uma dessas pessoas vê, de um ângulo diferente, um pedaço de tudo que constitui o universo, e, cada uma delas, em contrapartida, tem seu respectivo ponto cego. Para cada pedaço que enxerga, existe um outro que fica na sombra. E o que uma pessoa vê, a outra ignora.

Cada um de nós inegavelmente tem inúmeros pontos cegos. Lugares ainda inacessíveis à nossa compreensão. Mas a boa notícia é que esse estado não é permanente, já que muito do que compreendemos hoje, um dia pertenceu ao nosso conjunto de pontos cegos.

A natureza humana é dotada dessa fantástica capacidade: transformar a si mesma. Não é uma questão de escolha caminhar para frente, mas de orientação natural. Uma árvore não sobe pra baixo, assim como o vento não chove, assim como a cigarra grita e canta enquanto a formiga trabalha. E assim flui a vida.

Podemos escolher nos desnaturalizar até a última instância da existência, e talvez nem estejamos tão distantes disso, mas uma coisa é certa: fluir com a vida é sempre o melhor caminho para que a paz floresça nas nossas raízes. E quanto menos pontos cegos tivermos, mais livres seremos para agir em consonância com a música da vida.

Para colocar em prática

As seguintes obras nos inspiram e convidam a ver o mundo sob outros ângulos. Talvez em algum(ns) desses ângulos esteja um de seus pontos cegos:

A Carne é Fraca (Documentário/Vegetarianismo/Indústria da carne)
O Fim da Inocência (Artigo abolicionista/Veganismo)
Fumando Espero (Documentário/Indústria do tabaco)
Apocalipse Motorizado (E-book/Indústria do transporte)
O Veneno Está na Mesa (Documentário/Indústria dos agrotóxicos)

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