Casos de maus-tratos a animais estão virando algo comum, assim como a visível falta de responsabilidade de muitos que se “comprometem” a cuidar deles. A Delegacia Ambiental de Bauru começou a investigar ontem uma denúncia de que dois cachorros estariam sendo mantidos em condições impróprias em uma casa no Parque das Nações.
Segundo o delegado titular Dinair José da Silva, se ao final das investigações for comprovado todo o teor da denúncia, o responsável pelos animais ficará sujeito às penalidades previstas no artigo 32 da Lei n.º 9.605/98, que dispõe sobre crimes ambientais.
Mas ontem mesmo, o principal motivo que levou um munícipe a denunciar o caso pôde ser verificado pela equipe da delegacia especializada no local: uma fêmea pit bull e um macho da raça cocker spaniel passam o dia acorrentados no quintal da residência, próximos às suas fezes. O denunciante diz, ainda, que nem sempre água e ração estão disponíveis aos animais e que no espaço onde ficam os cães há muita sujeira.
O Jornal da Cidade esteve no local, mas a responsável pelos animais negou as acusações. Os dois cachorros, de acordo com ela, estavam presos porque a residência não tinha um portão que fechasse o quintal. Com a instalação recente do portão, ela alegou que deixa os animais, por vezes, soltos e que procura mantê-los bem alimentados.
No entanto, o denunciante aponta que “a situação é caso de risco de saúde para todos, pois a sujeira do quintal pode propiciar a leishmaniose. Gostaria muito que essa situação pudesse ser resolvida antes que os cães adoeçam de forma irreversível, pois esse será o destino deles se essa rotina perdurar”, cita a denúncia.
Em depoimento prestado ao delegado Dinair da Silva no final da tarde de ontem, o proprietário da casa também negou a acusação de maus-tratos. À reportagem, disse que durante o dia eles ficam presos pela falta de muro e portão na frente do imóvel, e que à noite eles ficariam soltos no quintal, onde foi instalado o portão. O homem também negou que falte comida e água para os animais.
Determinações
O delegado informou que, ontem mesmo, foi determinado ao proprietário da casa que ele passe, imediatamente, a manter os cães soltos e que sejam tomados os devidos cuidados em relação à alimentação.
“Nós registramos a abertura de um termo circunstanciado e vamos continuar investigando o caso. Se o responsável pelos animais descumprir as exigências que foram colocadas hoje (ontem), ficará sujeito às sanções da lei. O mesmo ocorrerá se, ao longo das investigações que ainda serão feitas, ficar provada a prática de maus-tratos, que configura crime ambiental”, diz Dinair.
O Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) foi acionado e informou, ontem, que também enviará uma equipe para investigar a denúncia no local.
“A informação sobre maus-tratos é insuficiente e não chega com eficácia até pessoas que ainda precisam ser informadas a respeito do Código de Proteção aos Animais e deveres do tutor”, ressaltou o denunciante à reportagem. “A guarda consciente de animais está restrita a cidadãos mais bem informados, e entendo que é necessário e urgente treinar agentes de saúde para esclarecer a população, distribuir panfletos, realizar palestras em igrejas, escolas e clubes”, enfatiza a denúncia encaminhada à Delegacia Ambiental.
Ambiente hostil pode causar depressão
Os casos de maus-tratos, além de serem considerados crimes, geram doenças nos animais. Conforme expõe o veterinário Luciano Fazzani Bortotto, é comum receber em sua clínica cães com problemas de depressão, que se automutilaram por sofrer situações de violência, entre outros casos. “Recebo animais com enfermidades de ordem psicossomática, que envolvem casos de autodestruição (quando o próprio animal se fere), estresse, depressão, agressividade”, conta Bortotto.
Assim como o ser humano, o animal também pode sofrer traumas e ser vítima de doenças se for criado num ambiente hostil. “Um cachorro, por exemplo, se espelha em seu tutor. Se ele tem um tutor agressivo, violento, provavelmente vai ser assim também”, informa o veterinário.
“Mas há casos em que o animal de estimação pode desenvolver até quadros de depressão se ficar, por exemplo, preso durante períodos seguidos”, salienta. “Ele vai ainda fazer algo para se expressar, chamar a atenção, para que alguém possa ajudá-lo. Muitos cães cavam buracos, ficam mais agitados, ou até acabam se ferindo na tentativa de chamar a atenção do tutor”, indica Bortotto.
Lei é considerada branda
Quem trata com descaso os animais, por maldade ou não, pode ser penalizado. A lei nº 9.605, de 1998, prevê detenção de 3 meses a 1 ano, além de multa, para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena é aumentada de um sexto a um terço se ocorrer a morte do animal.
Entretanto, a legislação específica é considerada por vários especialistas uma pena branda. Assim, é comum ver criminosos que não chegam a cumprir sua detenção. O que ocorre, na maioria dos casos, é o que se chama de transação penal, sendo possível substituir a pena de detenção por uma multa, que pode ser convertida em pagamento de cesta básica ou prestação de serviços à comunidade.
“Já que a preocupação com crimes ambientais atinge atualmente proporções nacionais e até mundiais, concordo que as penas poderiam ser mais rigorosas”, disse o delegado titular da Delegacia Ambiental de Bauru, Dinair José da Silva. Na visão dele, seria necessário estipular maior tempo de detenção, medida que poderia se tornar um fator inibidor, que contribuiria no combate a novos crimes.
Ele detalha que a delegacia, inaugurada junto ao Núcleo Especial Criminal (Necrim), tem recebido de duas a três denúncias de maus-tratos contra animais por semana. Elas são feitas diretamente no órgão policial ou através dos telefones 181 e 197.
“De imediato, damos início às investigações, que se desenrolam através de depoimentos de testemunhas, laudos, diligências, entre outros procedimentos”, informa. “E, se o animal estiver em estado deplorável, entramos com pedido de mandado de busca e apreensão”, frisa Silva. Para quem tem medo de informar situações de maus-tratos, o delegado frisa que a denúncia é de fundamental importância para o trabalho da polícia e que pode ser anômima. “A identidade da pessoa será mantida em sigilo”, garante.
Fonte: JCNet