Em um ano de acordos climáticos e ambientais frustrados, representantes de 196 países mais a União Europeia reúnem-se em Riad, na Arábia Saudita, para a COP16, a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD). No centro da pauta está a busca de soluções de adaptação a um mundo cada vez mais seco. A publicação de dois relatórios no evento, que encerra no dia 13, mostra o tamanho do desafio: hoje, 40% da cobertura terrestre global está degradada, afetando metade da humanidade.
Segundo o Atlas da Seca, divulgado ontem, o fenômeno deve se tornar mais frequente e severo, com aumento de 29% comparado à década de 2000, devido às mudanças climáticas e ao uso insustentável da terra. “Se as tendências continuarem, será necessário restaurar 1,5 bilhão de hectares em 2030 para se alcançar um mundo neutro de degradação terrestre”, diz o documento, que cita as secas na Bacia Amazônica em 2023 e 2024 como eventos extremos recentes.
Há dois anos, a COP15, na Costa do Marfim, os participantes da UNCCD concordaram em “acelerar a restauração de bilhões de hectares de terras degradadas” pela atividade humana até 2030. Agora, os países têm de definir como isso será feito. “As atividades humanas estão impulsionando ou exacerbando as secas e seus impactos na sociedade. Por meio da nossa gestão da terra e da água, temos a capacidade de reduzir os impactos e aumentar a resiliência dos nossos sistemas”, disse Marthe Wens, pesquisadora do Instituto Ambientais da Universidade Vrije de Amsterdam, na Holanda, e um dos autores do Atlas da Seca.
Investimentos
Segundo o documento, até 2050, três em cada quatro pessoas serão afetadas pelas secas. Os autores ressaltam que, embora seja possível aumentar a resiliência, “muitos países e setores ainda não conseguiram se preparar devido à falta de ações, políticas, investimentos e incentivos adequados”. Discussões sobre financiamentos travaram as duas últimas COP de convenções da ONU — a da biodiversidade, em Cali, na Colômbia, foi suspensa, no início de novembro, por falta de acordo, e a das mudanças climáticas, em Baku, no Azerbaijão, frustrou países do Sul Global com a aprovação de valores três vezes mais baixos do que o estimado para o fundo mundial.
“O Atlas Mundial da Seca desafia governos, líderes empresariais e decisores políticos em todos os níveis a repensar radicalmente como tomam decisões e gerem o risco de seca”, disse, na abertura do evento, o secretário-executivo da UNCCD, Ibrahim Thiaw. “Apelo a todas as nações, e em particular às partes da UNCCD, para levarem a sério as conclusões do Atlas. Na COP16, elas poderiam mudar o curso da história no sentido da resiliência à seca. Aproveitemos o momento sabendo que o Atlas proporciona um caminho para um futuro mais resiliente para todos.” Thiaw também observou que o enfrentamento à seca exige uma “abordagem abrangente que leve em consideração as ligações estreitas entre desertificação, perda de biodiversidade e mudança climática”.
Limites
Outro documento lançado na COP da desertificação foi o Limites Planetários: Transformando a Gestão da Terra, que mostra como sete de nove sistemas críticos para a estabilidade planetária já foram impactados pelo mau uso da terra. “Estamos num precipício e temos de decidir se recuamos e tomamos medidas transformadoras ou se continuamos num caminho de mudança ambiental irreversível”, disse, em uma coletiva de imprensa on-line, Johan Rockström, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático e principal autor do estudo que introduziu o conceito, em 2009.
Os limites planetários definem nove limiares críticos essenciais para manter a estabilidade da Terra. Como a humanidade utiliza ou abusa do recurso tem impacto direto em sete deles, incluindo as alterações climáticas, a perda de espécies e a viabilidade dos ecossistemas, os sistemas de água doce, e a circulação de elementos naturais, nitrogênio e fósforo. A mudança no uso da terra também é uma fronteira planetária.
Segundo Rockström, seis limites já foram ultrapassados até hoje, e mais dois estão próximos dos seus limiares: a acidificação dos oceanos e a concentração de aerossóis na atmosfera. Apenas o ozono estratosférico — objeto de um tratado de 1989 para reduzir os produtos químicos que destroem a camada de ozono — está dentro do seu “espaço operacional seguro”. “O objetivo do quadro de limites planetários é fornecer uma medida para alcançar o bem-estar humano dentro dos limites ecológicos da Terra”, explicou o cientista.
Segundo o relatório, os impactos da degradação dos solos atingem desproporcionalmente os países tropicais e em desenvolvimento, tanto porque têm menos resiliência como porque estão concentrados nessas regiões. “As mulheres, os jovens, os povos indígenas e as comunidades locais também suportam o peso do declínio ambiental. As mulheres enfrentam cargas de trabalho adicionais e riscos para a saúde, enquanto as crianças sofrem de subnutrição e de retrocessos educativos”, diz a publicação.
Alertas da COP16
– Sete de nove limites planetários (processos ambientais que regulam a estabilidade e a resiliência da Terra) já foram impactados pelo uso da terra
– 60% é a cobertura florestal global remanescente – bem abaixo do limite seguro de 75%.
– 15 milhões de km² é a área de terra degradada, maior que o tamanho da Antártida, expandindo-se anualmente em 1 milhão de km²
– 20% da superfície terrestre é coberta por savanas, agora sob ameaça da expansão das terras agrícolas e da florestação mal concebida
– 46% é a área terrestre global classificada como terras áridas, onde vive um terço da humanidade; 75% da África é composta por terras áridas
– 90% é a parcela da desflorestação recente causada diretamente pela agricultura – dominada pela expansão das terras agrícolas na África/Ásia e pelo pastoreio de gado na América do Sul
– 80% é a contribuição da agricultura para o desmatamento global
– 23%: das emissões de gases de efeito estufa são provenientes da agricultura, silvicultura e uso da terra.
– 50% vs. 6% é a parcela de emissões agrícolas provenientes do desmatamento em países de renda mais baixa versus países de rendimento mais elevado
– Um terço do CO2 antropogênico é absorvido anualmente pelos ecossistemas terrestres
– 25% é a parcela da biodiversidade global encontrada no solo
– 20% é o declínio na capacidade de absorção de CO2 das árvores e do solo desde 2015, atribuído às alterações climáticas
– 3% é parcela de água doce da água da Terra, principalmente retida nas calotas polares e nas águas subterrâneas
Fonte: Correio Braziliense