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Pierrot

4 de março de 2011
3 min. de leitura
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Quem é aquela criatura mascarada que se diverte no salão? Personagem surgida dos palcos da Commedia Dell´Arte ou mera imaginação dos dramaturgos tomados pelo espírito de Momo? Talvez uma caricatura melancólica dos clowns de Shakespeare, quem sabe um príncipe burlesco sem reino nem coroa. Quem é ele, que traz desenhada na face uma lágrima de dor?  Alegre e deprimido, cômico e grave, popular e solitário, como compreender e decifrar sua figura tão paradoxal?  Melhor nem tentar.  Porque neste momento não há espaço para perguntas e nem para convenções. Tudo é sensação. O que importa agora é o som das cornetas a anunciar mais uma marchinha, sob o brilho dos confetes e o vôo das serpentinas. Abre alas para quem quiser passar.  Por isso é que ele baila, assim tão leve, assim tão despojado, assim tão solto.  É carnaval…

Esse ousado Pierrot, que afronta a tradição teatral, não veste roupas largas de seda branca, nem calças de cetim, nem pantufas coloridas, nem lenços ou chapéus, nem nada de nada.  Traz apenas uma máscara no rosto, nada mais do que isso, uma máscara negra a lhe ocultar a lágrima impressa e definitiva. Pierrot desnudado no baile da libertação. Aurora, Balancê, Pastorinhas, Mamãe eu quero, Cabeleira do Zezé, Com que roupa? Até que uma nova marchinha se faz ouvir. Por alguns momentos ele fecha os olhos e põe-se a girar.  O mundo em sentido contrário não é mais o mundo dos homens, nem o braço da intolerância, nem o agir da crueldade, nem a voz da injustiça. Arlequim desfaz-se na bruma e o sol se faz promessa. Quanto riso, quanta alegria… Longe dali, em silêncio, repousa toda a amargura.

Imerso no espírito carnavalesco das noites de folia, Pierrot já não sabe se é, ou não, humano. Seria ele um autômato dançante?  Um ser inútil? Talvez um projeto de gente? Ou, então, um fiapo rasgado e caído no chão? Seria ele um cravo esmagado, uma rosa despetalada ou uma camélia sem perfume? Nada disso, durante a festa ele já não é o animal ferido pelo caçador, nem a criatura renegada pela lua ou pela água das cachoeiras.  Também já não é um fantoche, desses que se brinca, se farta e depois se joga fora.  Pierrot tem sangue vermelho a correr nas veias e um coração sincero a lhe bater no peito.  Seus olhos compreendem o olhar aflito dos animais, pacto antigo este, uma espécie de solidariedade entre condenados. Seus gestos, agora, podem tocar e confortar. Seu canto, fazer adormecer.

Pierrot dança incansável, com os ouvidos atentos ao ritmo musical e os olhos no relógio do céu. Ele sabe que a madrugada se escoa e o tempo é inflexível. Porque depois da quarta-feira de cinzas tudo voltará a ser como sempre foi. Eles tornarão a ofendê-lo e a humilhá-lo pela sua recusa em aderir ao banquete antropocêntrico. Eles irão novamente prender, degolar, cozinhar e, enfim, servir à mesa os corpos das suas vítimas.  Eles vão decidir o que é certo e o que é errado e, depois, desqualificar os refratários. E o mundo retomará o seu curso, como tem sido por séculos e séculos.

Por isso, Pierrot, fica aqui um conselho amigo: aproveita a última marcha carnavalesca, acho que é aquela que fala do amor da Colombina. E ri, ainda uma vez, no teatro das perdidas ilusões.  Assim o baile se apaga, lentamente, até que a primeira luz da manhã acende a janela. A festa acabou. No meio do salão resta um silêncio de orquestras e um palhaço nu. Todo carnaval tem seu fim.

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