Atualmente, como professor do curso de mestrado em zoologia da PUC Minas, em Belo Horizonte, Marcelo conta que na mesma época os pesquisadores Bret Whitney, José Fernando Pacheco e Luís Fábio Silveira descobriram a ave na Serra do Caraça, em Catas Altas. Todos se reuniram para descrever a nova espécie, estudo que tomou cerca de 15 anos de pesquisas em outras montanhas, análises genéticas, visitas a vários museus brasileiros e ao famoso Museu Americano de História Natural, em Nova York.
“O reconhecimento pela comunidade científica internacional de uma nova espécie é algo custoso e que demanda tempo”, explica o professor. Basicamente, é dividido em três fases: análise genética; pesquisa de exemplares em museus e publicações; e a descrição da espécie. Nesse meio tempo, a descoberta pode inclusive ser contestada por outros estudiosos, como foi o caso do tapaculo-serrano.
Alguns consideraram que a espécie já tinha sido “batizada”, em 1835, pelo naturalista francês Jean Moris Edouard Ménétriès. Porém, análises de diversos exemplares depositados em museus e das fotografias de excelente qualidade da ave coletada por Ménétriès (hoje depositada no Museu de Zoologia de São Petersburgo, na Rússia) mostraram que a espécie descrita pelo francês era o tapaculo-preto (Scytalopus speluncae), típica das montanhas mais próximas ao Oceano Atlântico.
A partir daí, e do reconhecimento de revistas especializadas, a espécie encontrada pelos pesquisadores em Minas Gerais foi considerada realmente nova, sendo descrita em junho na Revista Brasileira de Ornitologia, com o nome de Scytalopus petrophilus. Marcelo Vasconcelos explica que a denominação nasce a partir das determinações de um complicado Código Internacional de Nomenclatura Zoológica.
O nome petrophilus, do grego “amante das pedras”, refere-se ao fato de a ave viver geralmente associada aos ambientes rochosos, típicos dos topos de montanha. O nome em português, tapaculo-serrano, reconhece que a distribuição geográfica da espécie está restrita às serras, da região da Mantiqueira até os arredores de Diamantina. Ainda não há indícios de sua existência fora das montanhas de Minas Gerais.
Diferentemente de muitas aves com cores que chamam a atenção, o tapaculo-serrano não é vistoso e também não tem canto melodioso. Sua coloração geral é cinzenta, com a barriga esbranquiçada e laterais do corpo amarronzadas com barras marrom-escuras. Seu canto é monótono, consistindo de uma série repetitiva de notas, algo como um “tién-tién-tién-tién…”, ouvido principalmente nas primeiras horas das manhãs frias e nubladas, típicas das montanhas mineiras.
Segundo o professor Vasconcelos, não é possível afirmar que a espécie está ameaçada de extinção porque só foi descrita recentemente e isso ainda não foi avaliado. Diz também “que até o momento não se sabe quantos exemplares existem, mas devem ser milhares, já que a espécie é relativamente abundante nas serras mineiras. Ela alimenta de insetos e ainda não se sabe sobre sua reprodução”.
Importância
Vira e mexe, a mídia nos traz informações sobre descobertas de espécies animais, vegetais ou micro-organismos, numa prova de quanto a natureza é rica e cheia de surpresas. Uma pergunta, no entanto, se faz necessária: qual a importância do descobrimento dessas espécies e no que, efetivamente, elas contribuem para a ciência?
Para o professor Marcelo de Vasconcelos, que também é da Associação Montanhas do Espinhaço, a apresentação sinaliza para um sentido maior de preservação ambiental. “Além de despertarem interesse para a conservação delas próprias – que podem atuar como “guarda-chuva”, protegendo áreas que também têm outras espécies –, elas podem nos dar muitas informações interessantes sobre a biogeografia. Exemplo: ao se encontrar uma espécie nova que tem um parente próximo (filogeneticamente) em outra região geográfica, pode-se levantar hipóteses que expliquem este padrão, tais como conexões paleoambientais entre as áreas de distribuição destas espécies, formação de barreiras geográficas, dispersão etc.”, explica.
Outro professor, Marcos Rodrigues, do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Minas Gerais, diz que o caso do tapaculo-serrano mostra que muita coisa ainda está para ser descoberta. “E é revelador que tenha sido em Minas Gerais. Na Amazônia as descobertas naquele mundo de florestas são mais frequentes, mas aqui, ao lado de Belo Horizonte, chama muito a atenção.” Rodrigues acrescenta que o estudo de novas espécies permite que se analise o clima, as mudanças climáticas no passado e futuro e o papel que elas desempenham no ecossistema em que vivem, entre outros fatores.
Ele revela que outra nova espécie, também de Minas Gerais, está para ser anunciada. No entanto, se nega a dizer qual é, se é animal ou vegetal ou mesmo quem está conduzindo os trabalhos. “Anunciar antes de o processo ser concluído atrapalha seu andamento”, explica. A única dica que dá é quanto à data prevista: “Pois é… é para quando fevereiro chegar”.
Fonte: Pernambuco