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Pesquisadores alertam para impactos de turbinas eólicas sobre morcegos

Artigo assinado por 12 pesquisadores de 9 países e territórios aborda efeitos das turbinas sobre morcegos ao redor do mundo, lista medidas de prevenção e pede maiores regulações

14 de abril de 2024
Gabriel Tussini
5 min. de leitura
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Foto: Marília Barros

Com o mundo em busca de soluções para a diminuição nas emissões de carbono, a energia eólica vive um momento de forte crescimento. Segundo o Global Wind Energy Council, o mundo gerou 842 gigawatts (GW) de energia eólica onshore (excluindo turbinas em alto-mar) em 2022, sendo quase 10% (78 GW) fruto de novas fontes, instaladas naquele ano. Só no Brasil, a modalidade registrou aumento de 4,9 GW em 2023. Mas, apesar da energia eólica ser uma fonte renovável, ela não é ambientalmente neutra, mostra um artigo produzido por pesquisadores de Brasil, Alemanha, Austrália, Estados Unidos, França, Porto Rico, Quênia, Taiwan e Reino Unido publicado na revista científica BioScience.

Segundo o estudo, quando as turbinas são instaladas sem preocupações com a biodiversidade, causam grandes impactos ambientais. Os morcegos, foco do artigo, são as maiores vítimas entre os vertebrados em todo o mundo, sofrendo consequências como a perda de habitat – no caso dos que vivem em baixas altitudes e vegetação densa – e a morte por colisão com as pás – risco maior para espécies que se alimentam de insetos e frutas, que voam no nível das hélices. O artigo estima que 30 mil morcegos morram vítimas de turbinas por ano no Reino Unido, 50 mil no Canadá, 200 mil na Alemanha e mais de 500 mil nos EUA. “Fatalidades podem ser ainda maiores nos trópicos, onde a abundância de morcegos e riqueza de espécies são maiores”, diz um trecho do artigo.

“Os morcegos colidem com as pás das turbinas se voarem muito perto delas”, explica Christian Voigt, especialista em morcegos e chefe do Departamento de Ecologia Evolutiva do Instituto Leibniz de Pesquisa, na Alemanha. “Além disso, há uma perda direta de habitat nos locais de construção das turbinas, bem como uma perda indireta, já que algumas espécies de morcegos evitam as turbinas e, portanto, são afastadas do seu habitat tradicional”, completa o pesquisador.

A perda das populações de morcegos pode resultar em problemas também para os humanos. Segundo os pesquisadores, dezenas de estudos ao redor do planeta comprovam o alto benefício econômico proporcionado pelos morcegos. Eles são responsáveis pelo controle de espécies de insetos que podem virar pragas agrícolas, por exemplo, ou até vetores de doenças para rebanhos e humanos, além de polinizar sementes de centenas de espécies de plantas, inclusive de interesse comercial. “A conciliação da produção de energia eólica e a proteção dos morcegos – e dos serviços que eles prestam gratuitamente – é possível e deveria, portanto, ser do interesse da população e tomadores de decisão”, afirmam os responsáveis pelo estudo.

Para prevenir os impactos, os pesquisadores sugerem uma série de ações. A mais eficiente é também a mais simples: não construir turbinas eólicas em locais ecologicamente valiosos e sensíveis, como florestas e suas bordas, próximas de corpos d’água e corredores de migração de aves e morcegos. O artigo propõe que as turbinas devam ser instaladas a pelo menos 500 metros de distância dessas áreas, distância que pode chegar a pelo menos 5 km no caso de grandes colônias de morcegos, com centenas de milhares de indivíduos.

De acordo com o estudo, muitos corredores de migração e deslocamento dos morcegos estão localizados ao longo de vales de rios e da costa, locais muito utilizados para a produção de energia eólica. “Embora existam oportunidades para potencialmente reduzir a mortalidade de morcegos em turbinas eólicas por meio de sensibilidade na instalação, os locais são geralmente escolhidos de acordo com outros critérios, como o acesso a linhas de transmissão, regulações locais e preços de aluguel do terreno”, diz o artigo. “Critérios de biodiversidade deveriam ser tão importantes quanto os de infraestrutura na localização de turbinas eólicas”, avaliam os pesquisadores.

Além disso, outras medidas também são necessárias, já que uma mudança nos locais de instalação de turbinas, por si só, não seria suficiente para que as mortes cheguem a um nível próximo a zero, dizem os pesquisadores. Para ajudar nesse objetivo, os pesquisadores citam uma importante medida de mitigação de impactos: o chamado “curtailment” durante a noite, quando os morcegos estão mais ativos. Essa medida consiste na redução da velocidade das pás, com redução na produção de energia. O estudo estima que a perda de rendimento com essa medida seja baixa – de 1% a 4% –, mas com grandes efeitos, com a redução nas mortes de morcegos podendo chegar a mais de 80%.

Já a restauração e criação de novos habitats para morcegos como medida de compensação podem ser um “componente útil” para gerir os impactos das turbinas, mas por si só são insuficientes para compensar a mortalidade direta causada por elas.

Medidas de proteção aplicadas voluntariamente, porém, são “virtualmente não existentes” ao redor do mundo atualmente, diz o estudo. “O livre-mercado não recompensa os maiores custos associados à conservação da biodiversidade”, afirmam os pesquisadores, dizendo ainda que medidas de proteção a morcegos são “criticadas como obstáculos” na indústria. Por isso, eles pedem que governos, agências reguladoras e financiadores dos parques eólicos – como o BNDES no Brasil, por exemplo – apliquem parâmetros de conservação mais rigorosos no licenciamento da atividade.

Para Enrico Bernard, professor da UFPE e um dos autores do artigo, empresas que atuam no Sul Global acabam se beneficiando de regulações mais permissivas do que no Norte. “Um licenciamento mais rigoroso é muito necessário no Sul Global, especialmente por parte de empresas internacionais que operam parques eólicos na Europa ou na América do Norte. Eles deveriam adotar na América do Sul e Central os mesmos padrões mais rigorosos para o licenciamento ambiental de seus países, por exemplo”, afirmou.

O artigo alerta ainda para a necessidade de mais estudos para um maior conhecimento dos hábitos dos morcegos em certas regiões do mundo, especialmente nos trópicos, para a elaboração de medidas plenamente eficientes para a conservação. “Faltam-nos conhecimentos sobre o número de mortes, os picos sazonais de atividade e se as medidas que são consideradas eficazes na Europa Central e na América do Norte também funcionariam nas regiões tropicais ou subtropicais”, disse Christian Voigt.

Fonte: ((o))eco

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