As mudanças climáticas previstas para os próximos anos devem diminuir as zonas frias e úmidas das regiões de montanha no Brasil, ameaçando espécies de mamíferos que dependem das condições desses habitats para sobreviver. Isso é o que mostra o artigo O papel das mudanças climáticas no passado, presente e futuro de duas espécies de ratos neotropicais de montanha do gênero Juliomys, publicado na revista internacional Mammalian Biology. Conduzida pela bióloga Gabriela Mendonça, sob orientação dos professores do Departamento de Ciências Biológicas Ana Carolina Loss e Yuri Leite, a pesquisa foi realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas/Biologia Animal (PPGBAN) da Ufes.
Por meio de simulações a partir de dados sobre as mudanças climáticas desde o Último Glacial Máximo (há cerca de 21 mil anos) e usando projeções até o ano de 2070, os pesquisadores analisaram os impactos das mudanças climáticas para duas espécies de camundongos de focinho e garupa alaranjados que habitam a Mata Atlântica no leste do Brasil: Juliomys ossitenuis – roedor endêmico no Brasil, encontrado nos estados das regiões Sudeste e Sul – e Juliomys pictipes (foto acima) – que tem maior ocorrência do sul do Espírito Santo até o norte do Rio Grande do Sul.
Os resultados mostram que a espécie J. pictipes, encontrada desde o nível do mar até 2 mil metros de altitude, consegue tolerar melhor as mudanças no clima, perdendo menos áreas climaticamente adequadas ao seu modo de vida. Já a espécie J. ossitenuis, que vive apenas em áreas acima de 800 metros de altitude, está mais vulnerável a riscos com o avanço do aquecimento global.
“Isso mostra que, apesar de compartilharem características parecidas, cada espécie responde de forma diferente às mudanças no clima por conta da faixa de altitude em que vivem e, consequentemente, das variações de temperatura e precipitação que toleram. Entender essas diferenças é essencial para pensar estratégias de proteção e conservação desses mamíferos únicos das montanhas brasileiras”, afirma o professor Leite.
Espécies ameaçadas
Ampliando o foco da pesquisa no seu doutorado, novamente sob orientação dos professores Leite e Loss, Gabriela Mendonça buscou caracterizar as montanhas do Brasil em relação à variedade de mamíferos que ali vivem, o quanto essas áreas estão protegidas e os fatores naturais que influenciam a diversidade das espécies do grupo. O resultado está na tese Diversidade e vulnerabilidade de mamíferos de montanha frente às mudanças climáticas, que revela a ocorrência de 116 espécies de mamíferos não voadores nas montanhas brasileiras, sendo que 11 são exclusivas dessas regiões e oito são consideradas típicas de regiões montanhosas.
“Um dado preocupante é que cerca de um terço dessas espécies está incluída em alguma categoria de ameaça, e mais da metade das espécies exclusivas das montanhas estão em risco de extinção ou nem sequer há informações suficientes para que esse risco seja avaliado. Áreas mais bem estudadas, como a Mata Atlântica, apresentam maior riqueza de espécies. Em contraste, regiões de montanha do Cerrado e da Amazônia ainda possuem poucos dados disponíveis, dificultando um retrato completo da fauna de montanha”, afirmou Mendonça.
Para fazer o mapeamento, Mendonça utilizou um banco de dados global que reúne informações sobre montanhas de todo o mundo. Fatores como altitude, variação do relevo, volume de chuvas e temperatura foram apontados como aqueles que influenciam diretamente a presença e a diversidade de mamíferos nessas regiões. Já as atividades humanas, como agricultura, e mudanças intensas no clima ao longo do ano tiveram efeitos negativos sobre a diversidade de mamíferos dessas áreas.
Embora a cobertura florestal ainda predomine nas montanhas brasileiras, apenas cerca de 9% das regiões de montanha mais ricas em biodiversidade estão protegidas por unidades de conservação ambiental. Além disso, só 30% dessas áreas coincidem com regiões consideradas prioritárias para a conservação.