O Brasil já perdeu cerca de 1/3 de sua cobertura natural. Essa rápida e drástica transformação na cobertura e uso da terra deixou o país mais vulnerável à crise climática, colocando em risco nossa segurança alimentar (impacto na agricultura), hídrica e energética (redução da superfície de água).
Mesmo com um quadro regulatório que permite vislumbrar o fim do desmatamento no Brasil até o final desta década, precisamos acelerar o fim de todo o desmatamento — inclusive de vegetação secundária — e, ao mesmo tempo, a conservação desse ativo precisa ir além. Já não basta parar de desmatar: é preciso começar a recuperar parte do que foi destruído. E rever a forma como nos relacionamos com as áreas naturais.
Terras Indígenas e Unidades de Conservação podem ajudar no planejamento do território para estratégias de mitigação das mudanças climáticas. A recuperação de áreas degradadas para reduzir a pressão na fronteira agropecuária é igualmente urgente. Mas dificilmente alcançaremos a necessária transição ecológica sem a efetividade do novo Código Florestal Brasileiro e a regularização dos Cadastros Ambientais Rurais.
Da mesma forma, a destinação de florestas públicas é urgente para estancar uma das principais frentes de destruição ambiental do país. São fundamentais também os incentivos públicos e privados para manter a conservação das áreas naturais e técnicas mais sustentáveis de agricultura em propriedades privadas.
Ciência aberta e colaborativa
Esse início de texto pode parecer mais subjetivo do que um texto assinado por uma pesquisadora. Mas, sem ciência, ele não poderia ter sido escrito. Dados científicos abertos e disponibilizados gratuitamente para a sociedade, gerados por uma ciência colaborativa pela rede MapBiomas, nos permitem ter uma visão mais ampla, profunda e atualizada da relação do Brasil com seu território.
A ciência colaborativa nunca foi tão importante como neste século, em que a humanidade enfrenta desafios planetários ao mesmo tempo em que convive com avanços tecnológicos impensáveis meros 100 anos atrás.
Graças ao compartilhamento de dados e conhecimentos, hoje conseguimos analisar, a partir do espaço, o que acontece na Terra em áreas menores de 0,1 hectare. Mais ainda: conseguimos transformar essas imagens registradas pelos satélites em preciosas séries temporais, mostrando as transformações ao longo do tempo. E, embora nem sempre o resultado seja animador, ele é uma base sólida e segura para orientar ações.
De forma colaborativa, especialistas nos diversos biomas e tipos de uso da terra têm trabalhado na classificação das imagens de satélite disponíveis, que voltam no tempo até o ano de 1985. Isso permitiu mapear as transformações das paisagens no território brasileiro, criando um retrato do Brasil ano após ano nessas quase quatro décadas de dados. E, com esses retratos, mostrar a dinâmica de ocupação territorial do país – uma história que está chegando a um ponto de inflexão, o que exige tomadas de decisão urgentes sobre o futuro que queremos.
Perda da cobertura natural
Até 1985, início da série histórica do mapeamento feito pela rede multi-institucional do MapBiomas, a perda histórica de áreas naturais no Brasil totalizava 20% do território. De lá até 2023 (ou seja, em menos de quatro décadas), essa perda avançou para outros 13% do território.
Nesse processo, chama a atenção não só a extensão da conversão para agropecuária (quase um terço do território nacional), mas também a rapidez com a qual áreas naturais — ou seja, áreas de vegetação nativa, como florestas, savanas e campos naturais, de superfície de água e áreas naturais não vegetadas, como praias e dunas — estão sendo antropizadas (ou seja, modificadas por ação humana).
Além da extensão e da rapidez, há outro fator: a regionalização. Metade da conversão ocorrida nos últimos 39 anos se deu na Amazônia, importante sumidouro de carbono e regulador do clima no continente.
E, embora o papel da floresta amazônica seja mais reconhecido atualmente, o papel do Cerrado precisa ser enfatizado — tanto para a estabilidade climática, como para a segurança hídrica do Brasil. Com metade de sua área convertida para outros usos, este é talvez o bioma em maior risco no país, seguido pelo Pampa (com a maior perda de vegetação nativa proporcionalmente) e pelo Pantanal, que passa por uma seca prolongada.
Não podemos esquecer também da Mata Atlântica, o bioma com maior perda de florestas do Brasil, além da Caatinga, com regiões em processo de desertificação.
No período analisado, já tivemos anos em que o avanço sobre áreas naturais foi mais intenso do que temos visto recentemente. Em 1995, por exemplo, o desmatamento da Amazônia superou os 29 mil quilômetros quadrados. Nesse ano, porém, a concentração de CO2 na atmosfera era de 361 partes por milhão (ppm). No ano passado, era de 421 ppm e as consequências já são sentidas no clima, com ampliação do período seco e concentração de chuva causando inundações. Ou seja: o clima já não é mais o mesmo e mudou muito rapidamente.
Cada hectare conta
O desmatamento no Brasil é parte da causa. Somos o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, sendo que quase três quartos desse total provêm de atividades relacionadas à terra: desmatamento, queimadas e agropecuária. Por isso, cada hectare de vegetação natural hoje importa.
O Brasil ainda tem 64,5% de seu território coberto por vegetação nativa. Para um leigo, pode parecer muito, mas por trás deste número estão grandes porções de vegetação degradada. De acordo com a plataforma MapBiomas Degradação, o Brasil tem entre 11% e 25% de vegetação nativa suscetível à degradação, considerando efeito de borda, tamanho e distribuição de fragmentos, fogo e vegetação secundária.
Outro aspecto importante que leva ao aumento da susceptibilidade à degradação é a alteração do clima. Ela favorece a perda de vegetação nativa, como estamos vendo agora em 2024: a seca deixa a vegetação mais suscetível a queimadas, com enormes perdas à biodiversidade e prejuízos bilionários para as pessoas afetadas e a economia do país.
Estamos diante de uma encruzilhada: as decisões tomadas agora determinarão nosso futuro. Em um ano 1,5oC mais quente e mais intenso em eventos climáticos extremos, não há dúvidas sobre a urgência dessas decisões. A ciência está fazendo a sua parte; agora precisamos que a política e a economia cumpram seus papéis.
Fonte: The Conversation