Um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Convenção sobre a Conservação de Espécies Migratórias de Animais Selvagens confirma que a poluição plástica apresenta uma grande ameaça às espécies migratórias terrestres e de água doce.
Mamíferos, pássaros e peixes são afetados através de vários meios, incluindo enredamento, ingestão de plástico, acumulação de microplásticos na cadeia alimentar, e o uso de plástico para fazer ninhos.
O relatório ressalta que a capacidade global de lidar com a poluição plástica não está acompanhando a projeção do crescimento do mercado de plástico.
Os autores pedem por medidas que levem a uma mudança desde cima para reduzir o volume de plásticos que entram nos mercados.
Os seres humanos criaram tanto plástico que ele agora existe desde a encosta do Monte Everest até os lugares mais fundo dos oceanos. Quando consideramos os efeitos do plástico na vida selvagem, imagens de baleias presas em redes de pesca abandonadas ou de tartarugas marinhas que confundiram sacolas plásticas com águas vivas surgem à mente. Mas não é apenas a vida oceânica que está em risco. Espécies terrestres e de água doce também estão em perigo, com as espécies migratórias entre as mais vulneráveis, conclui um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
O relatório foca na região Ásia-Pacífico e identifica o impacto da poluição plástica nas espécies terrestres e de água doce protegidas pela Convenção sobre Espécies Migratórias de Animais Selvagens (CMS). A CMS é um acordo ambiental das Nações Unidas estabelecido em 1979 para proteger animais migratórios e seus habitats. O relatório delineia estudos de caso de dois grandes rios da região, o Mekong e o Ganges, os quais juntos contribuem com cerca de 200.000 toneladas de plástico no oceano Índico e pacífico todo ano.
“De longe, a maioria das pesquisas científicas sobre o impacto da poluição plástica na vida selvagem focou no ambiente marinho, primeiro observando o enredamento provindo de grandes resíduos plásticos e, no decorrer da última década, analisando mais os efeitos dos microplásticos no oceano,” Amy Fraenkel, secretária executiva da CMS, disse ao Mongabay. “Esse relatório, pela primeira vez, engloba o que sabemos sobre o impacto do plástico em animais migratórios no ambiente terrestre e de água doce.”
As conclusões do relatório são severas: enredamentos e ingestão direta de plástico estão prejudicando espécies migratórias pela região, na terra e na água. Além da mortalidade, entrar em contato com plástico afeta o comportamento dos animais, a saúde e a sobrevivência a longo termo, afirma o relatório.
Nos principais sistemas de água doce, mamíferos marinhos estão especialmente em risco de afogamento devido ao enredamento em materiais de pesca descartados. O relatório cita o golfinho (Platanista gangetica) do rio Ganges, do qual cerca de 3500 ainda permanecem, e a população de golfinhos Irrawaddy (Orcaella brevirostris) no Mekong, os quais os números são em menos de 100, como particularmente vulneráveis. No caso dos dugongos (Dugong dugon), mesmo que enredamento sejam as prováveis causas das mortes, a ingestão de plásticos causou fatalidades na Índia e Tailândia nos últimos anos. O fato de materiais de pesca descartados ter sido uma grande ameaça no sistema dos rios Mekong e Ganges aponta para a causa que necessita atenção, disse Fraenkel.
Na região da Ásia-Pacífico, as interações da vida selvagem com plástico são prevalecentes. No Sri Lanka, os elefantes asiáticos (Elephas maximus) foram observados remexendo lixeiras. Na Coreia do Sul, o colhereiro-de-cara-preta (Platalea minor) incorpora detritos de pesca ao seu ninho, resultando no enredamento dos filhotinhos. Em várias ilhas do pacífico, albatrozes que ingerem altos volumes de plástico enquanto procuram alimentos no mar foram observados repassando o plástico a seus filhotes por meio da regurgitação.
Segundo o relatório, as espécies migratórias são especialmente vulneráveis porque passam por uma série de habitats durante a migração, aumentando a possibilidade de encontrar ambientes industrializados ou altamente poluídos.
Quando combinado com as outras maneiras com as quais os seres humanos estão destruindo e poluindo o meio ambiente, como hidrelétricas, pesca predatória, extração de água, liberação de outros poluentes, e a mudança climática, os plásticos estão levando um número crescente de espécies migratórias à extinção.
O relatório da CMS também ressalta que a capacidade global de lidar com a poluição plástica não acompanha a projeção do crescimento do mercado de plástico. Dada a longevidade do plástico, a contaminação ambiental global provavelmente continuará a crescer dramaticamente pelos anos vindouros. Um estudo de 2020 na Science estimou que até 2030, mesmo com esforços ambiciosos para reduzir e controlar os resíduos plásticos mundialmente, até 53 milhões de toneladas métricas de plástico, por ano, entrarão nos rios e oceanos. Se nenhuma ação urgente for tomada, esse número pode chegar a 90 milhões de toneladas métricas anualmente.
O entendimento científico de como os microplásticos afetam a cadeia alimentar e como em contrapartida afeta a vida selvagem e a saúde humana também está atrasado, disse Fraenkel.
“Precisamos de mais pesquisas urgentemente, e precisamos tomar as ações apropriadas para lidar com a ameaça como lidaríamos com qualquer outra ameaça a nossa saúde e ao meio ambiente,” afirmou Fraenkel, acrescentando que as ações que abordam a poluição plástica global foram aquém do necessário. “O foco até agora tem sido em limpar os oceanos, mas isso já é muito tarde no processo. Precisamos focar em soluções e prevenção da poluição plástica a montante.”
O relatório chega durante a mesma semana que a conferência ministerial global para lidar com a ameaça séria do lixo marinho e poluição plástica, durante a qual uma proposta foi posta à mesa para negociar um tratado legal vinculativo sobre poluição plástica.
Embora tais ações de alto nível sejam vitais, o relatório da CMS pede por mudanças transformativas urgentes. Em adição à defesa pela redução da disponibilidade de produtos plásticos nos mercados, os autores delineiam uma série de recomendações objetivadas a limitar o número de plástico que entra no meio ambiente.
Os governos devem implementar políticas melhores de gestão de resíduos e reciclagem, e os designers de produtos devem se esforçar para reduzir a necessidade de plásticos ao buscar novas alternativas. Outras propostas incluem campanhas educacionais para aumentar a conscientização e reduzir o uso de plástico no dia-a-dia, e a incorporação de objetivos para a redução de plástico nos planos de conservação para as espécies migratórias.
“No mundo todo podemos encontrar algumas coisas positivas e inovadoras que estão sendo feitas com resíduos plásticos e por meio de leis, regulamentos e banimentos,” ressaltou Fraenkel. “Porém, eu penso que o mais importante que está faltando é a etapa a montante, que é realmente olhar para os mercados de plástico e por que são tão extensos e o quanto eles são necessários.
Ao detalhar e quantificar os impactos do plástico na vida selvagem, Fraenkel disse esperar que o relatório chame a atenção de governos e indústrias, e que eles tentem fazer melhor.
“Isso pode e deve começar agora”, ela afirmou, “com governos e indústrias conversando e colocando em prática políticas que nos levem de volta a um mercado menos voltado para o plástico.”