Um ambiente seco ou com poças bem rasas. Quando começa um ciclo de chuva, e a água fica acumulada por um longo período, semanas depois surgem pequenos peixes. Teriam caído do céu? Nao. Com um ciclo de vida que pode ser curto e, com certeza, é irrigado de resiliência em adaptação, os rivulídeos se popularizaram como peixes das nuvens por sua população voltar a aparecer com a eclosão dos ovos deixados antes da seca. Essa família é formada por centenas de espécies, encontradas desde o México até a Argentina. O Brasil reúne a maior biodiversidade deste grupo, dos quais cerca de 200 espécies ocupam os brejos, como acontece no Rio. Os rivulídeos ocorrem em todos os biomas nacionais. A Mata Atlântica abriga 42 delas, das quais 13 são endêmicas do Rio de Janeiro.
No Brasil, 130 estão ameaçadas, de acordo com a Lista Oficial das Espécies Ameaçadas de Extinção divulgada em 2022 pelo ICMBio, o dado mais recente. Isso coloca a família dos peixes das nuvens em primeiro lugar. O cenário ainda tem um respiro. Recentemente, o biólogo e doutorando em Biologia Animal na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Gustavo Henrique Soares Guedes descobriu uma das espécies em três pontos do estado do Rio. Pesquisador do Laboratório de Ecologia de Peixes (LEP), ele se dedica ao tema por meio do Programa de Bolsas do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). Um dos próximos passos é tentar encontrar os peixes, de fato, mais perto das nuvens. Guedes planeja uma excursão, para setembro, rumo à parte alta do Parque Nacional do Itatiaia.
A primeira espécie que encontrou foi ao acaso, durante um trabalho em 2019. O biólogo fazia a avaliação da fauna do terreno para abrigar uma fábrica em Seropédica, na Baixada Fluminense.
— Nosso laboratório é renomado, com mais de 30 anos, e ninguém tinha estudado esses peixes. Vi uma oportunidade, e tenho me dedicado — lembra Guedes. — A fábrica remodelou o empreendimento para que a área de ocorrência dos peixes não fosse afetada. Isso é o que tem que ser feito. Quando a gente preserva o ambiente do peixe das nuvens, acaba preservando todo o ecossistema em volta dele.
As pesquisas tiveram início no doutorado, a partir de 2022. Uma das descobertas sobre a integração dessas espécies a esses ambientes é o controle de vetores, como mosquitos, dos quais são predadores. Durante os períodos secos, pode-se achar vestígio dos peixes, como os ovos deixados antes de morrer, que sobrevivem por meses sem água e eclodem logo após as primeiras chuvas, dando início a um novo grupo de indivíduos. No Rio, as populações se concentram em brejos.
Através de amostragens entre os meses de fevereiro e dezembro de 2022, Guedes encontrou três novos locais de ocorrência de uma das espécies de peixe das nuvens ( a Notholebias minimus, que atinge, no máximo, 3 cm de comprimento): a Área de Proteção Ambiental (APA) das Brisas, na Baía de Sepetiba, e duas localizações em Seropédica, uma delas no próprio campus da UFRRJ. Também houve registro durante a pesquisa na Floresta Nacional (Flona) Mário Xavier, unidade de conservação em Seropédica, no Parque Natural Municipal Bosque da Barra e na Reserva Biológica Estadual de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio.
Dificilmente os indivíduos passam de 7 centímetros em áreas de brejo. Os machos são os que têm padrão de coloração, de tons bem vivos, para atrair as fêmeas. As cores variam de acordo com o ambiente em que estão. O pesquisador destaca que na Mata Atlântica são mais vermelhos, já ao sul, com tons mais azuis, e há espécies só pretas.
Fonte: O Globo