Por Monika Schorr (da Redação)
Peixes-boi estavam classificados como espécie em extinção desde 1973. Graças às restrições impostas ao tráfego de embarcações motorizadas nas regiões habitadas por esses animais e aos programas de resgate, tratamento e devolução desses mamíferos ao seu habitat natural, constatou-se um significativo aumento no número de indivíduos. Há 30 anos, havia apenas 1000 peixes-boi e hoje, estima-se que existam cerca de 5000 animais desta espécie. Em função disso, há poucos anos atrás, a U.S. Fish and Wildlife Service, agência do governo americano voltada à preservação da vida selvagem, chegou a cogitar a mudança da classificação dos peixes-boi de espécie em extinção para espécie ameaçada de extinção.
Restrições orçamentárias e outros projetos tornaram-se prioritários e os esforços para a preservação do peixe-boi foram postergados. Como consequência, um número alarmante de peixes-boi vêm morrendo nos últimos anos. Em 2010, 282 animais sucumbiram devido às temperaturas excepcionalmente baixas. Em setembro último, o ressurgimento da maré vermelha, que lança na água grande quantidade de toxinas, foi responsável pela morte de 272 peixes-boi. Neste período, a recorrente floração dessas algas foi pior do que habitualmente acontece no sudoeste da Flórida, cobrindo uma extensão de 130.000 acres (aproximadamente 52.609 hectares).
Além disso, restrições no tráfego de barcos a motor não garantem a segurança dos peixes-boi. Entre 80 e 100 animais morrem todos os anos devido à colisão com essas embarcações.
Cerca de 100 peixes-boi têm morrido a cada mês, durante este ano
Passados pouco mais de seis meses deste ano, calcula-se que em torno de 600 peixes-boi já morreram até agora, em contraste com os 392 óbitos registrados durante o ano de 2012.
Um cientista ligado ao governo identificou a proliferação das algas tóxicas no estuário Indian River Lagoon, Flórida, como fator associado às mortes de 151 peixes-boi, assim como as dos 51 golfinhos e 300 pelicanos. A floração dessas algas destrói as plantas marinhas que são a base da alimentação dos peixes-boi que acabam ingerindo as próprias algas junto com as toxinas que produzem e que se mostraram mortais para esses mamíferos aquáticos.
De fato, alguns peixes-boi mortos foram encontrados com alimento ainda na boca e trato digestivo. Pesquisadores descobriram que eles estavam comendo um tipo de alga (macroalgae) que é uma espécie de planta marinha. Apesar de não ser comumente tóxica para esses animais, os cientistas suspeitam da existência de alguma substância no sedimento da laguna ou até mesmo inerente à própria alga que a tornaria potencialmente letal para eles.
Os golfinhos e pelicanos parecem estar morrendo de inanição. De acordo com Megan Stolen, bióloga do instituto de pesquisa Hubbs-Sea World Research Institute, 85% dos corpos dos golfinhos encontrados por ela e sua equipe eram apenas “pele e osso”. Cientistas levantaram algumas hipóteses para tentar explicar o fenômeno, tais como uma possível escassez de peixes ou adoecimento devido a ataques de parasitas ou ingestão de toxinas.
Analisando a questão da misteriosa mortandade de peixes-boi e golfinhos sob outro enfoque, verificou-se que alguns outros animais que também se alimentam de plantas aquáticas, como as tartarugas marinhas, não foram afetados. Tampouco foram afetados os tubarões-touro que buscam restos de carne nas carcaças dos golfinhos.
De que maneira as lagunas da Flórida transformaram-se em reservatórios de algas tóxicas?
O Indian River Lagoon foi designado, em 1990, pela EPA (US Environmental Protection Agency), agência americana de proteção ambiental, como um “estuário de importância nacional”. Sua extensão atinge 156 milhas (251 km) ao longo da costa leste da Flórida e, apesar de suas águas rasas com profundidade de pouco menos de dois metros, é o lar de cerca de 3.500 espécies de animais selvagens e plantas. Como observou a revista digital Wired.com, o complexo cercado de ilhas de areia gera uma receita anual de mais de 3,7 bilhões de dólares, através da citricultura, turismo, geração de emprego, entre outras atividades.
Cientistas ainda estão tentando descobrir de que maneira as toxinas invadiram o estuário Indian River Lagoon. Autoridades estão se comprometendo com um plano plurianual de 3,7 milhões de dólares para a proteção do estuário, num esforço em deter a contínua degradação desse ecossistema único, berço de uma biodiversidade extraordinária, e que tende a se transformar num inóspito local dominado pelas algas.
Os culpados dessa situação parecem ser muito familiares: o “progresso” e o desenvolvimento econômico que, ao longo de décadas, transformaram o estuário em “um esgoto a céu aberto, usado como uma “poça” para o escoamento de fossas sépticas, de líquidos poluídos e de águas pluviais contaminadas por nutrientes de fertilizantes químicos”. Como não existem marés que possam “limpar e jogar fora essas águas contaminadas”, poluentes e sedimentos acumularam-se no estuário.
Enquanto isso, outra laguna da Flórida, a Mosquito Lagoon, está coberta por uma camada de algas marrons. Conforme as denúncias de ambientalistas e de jornais desse estado, tais algas são mais uma evidência que a Flórida, até agora, foi omissa em promulgar leis ambientais mais rígidas para proteger seus estuários. Estima-se que a proliferação das algas acarretará prejuízos econômicos entre 230 e 470 milhões de dólares. Mesmo assim, o governador da Flórida, Rick Scott, vetou uma subvenção de dois milhões de dólares para o instituto de pesquisas oceanográficas, Harbor Branch Oceanographic Institute, para que pudesse detectar as causas das águas da Mosquito Lagoon estarem da cor de um saco de papel.
Escusado dizer que, infelizmente, a agência governamental Fish and Wildlife Service acertou em nunca chegar a mudar o status dos peixes-boi para ameaçados de extinção, mantendo-o como espécie já em extinção. Se as autoridades não agirem muito rapidamente para recuperar, proteger e preservar os estuários da Flórida e deter a atual situação decorrente de danos que vêm sendo perpetrados há muito tempo contra os ecossistemas marinhos, os peixes-boi que reapareceram ao longo das últimas três décadas estarão com os dias contados.