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Paul Waldau: “Os direitos animais tratam de conectar-se com o sentido da vida”

21 de dezembro de 2017
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Waldau: “É extremamente necessária a vontade de reconhecer que o debate sobre os ‘direitos animais’ é aquele em que os valores fundamentais estão sendo elaborados” (Acervo: Paul Waldau)

Paul Waldau é um professor e pesquisador que dedicou décadas à antrozoologia, ou seja, a ciência que estuda a interação entre pessoas e animais. Ao longo dos anos, ele ministrou palestras no programa de legislação animal da Universidade Harvard e da Universidade Yale. De 2001 a 2013, publicou importantes livros que deram sua contribuição à discussão dos direitos animais, como “The Specter of Speciesism: Budhist and Christian Views of Animals”, de 2001; “A Communion of Subjects: Animals in Religion, Science, and Ethics”, de 2006; “An Elephant in the Room: The Science and Well-being of Elephants in Captivity”, de 2008; “Animal Rights: What Everyone Needs to Know”, de 2011; e “Animal Studies: An Introduction”, de 2013.

No seu livro “Direitos Animais: O Que Todo Mundo Precisa Saber”, lançado pela editora da Universidade de Oxford, umas das mais importantes bases acadêmicas de estudos sobre direitos animais no Reino Unido, uma das principais referências de Waldau foram as muitas pessoas com quem ele teve a oportunidade de conversar sobre direitos animais. Claro, não apenas profissionais ligados à filosofia ou à ciência, mas também pessoas que ele encontrou ocasionalmente em diversas partes do mundo, mas que tinham uma opinião sobre a questão.

Assim, ele sedimentou um grande e diversificado referencial que o permitiu analisar preocupações que envolvem os chamados “animais de companhia” – como cães e gatos, animais selvagens, animais usados em pesquisas científicas e laboratórios, animais criados com finalidade alimentícia e como fontes de matéria-prima para produtos. A princípio, Waldau parte da perspectiva filosófica, científica e legal que fundamenta os direitos animais, permitindo a compreensão da história da proteção animal, seus erros e acertos, e a realidade social que os animais enfrentam hoje principalmente como desdobramento da inexistência de sólidas políticas públicas.

O livro está dividido nos capítulos “Os Próprios Animais”, “Argumentos Filosóficos”, “História e Cultura”, “Leis”, “Realidades Políticas”, “Realidades Sociais”, “Educação, Profissões e Artes”, “Ciências Contemporâneas – Natural e Social”, “Principais Figuras e Organizações no Movimento dos Direitos Animais” e o “Futuro dos Direitos Animais.” Waldau abre o livro perguntando como responder a pergunta “O que as pessoas precisam saber sobre a importante, mas controversa noção de direitos animais.”

“Passei anos em Oxford, na Inglaterra, estudando o lado acadêmico de várias questões, e então passei uma década lecionando em uma faculdade de veterinária. Ao mesmo tempo, lecionei no programa de legislação animal em alguns das melhores faculdades dos Estados Unidos. […] Olhei centenas de livros, artigos impressos e sites que usam a frase ‘direitos animais’ porque eu queria saber sobre o que as pessoas estavam falando. Com base em todos esses antecedentes e pesquisas, cheguei à conclusão de quais são as questões mais importantes, portanto, ‘o que todos precisam saber’ sobre direitos animais”, narra.

De acordo com Paul Waldau, o termo “direitos animais” é empregado na maioria das vezes para descrever os direitos morais e os valores sociais a favor da compaixão e contra a crueldade envolvendo animais. Porém, o termo se expandiu com o tempo, assim como a possibilidade de conquista de direitos legais para alguns ou todos os animais não humanos. Waldau relata que atualmente há um ativo debate sobre a frequência e até que ponto nossas diferenças nas sociedades humanas podem permitir específicos direitos legais e outras formas de proteção aos animais.

O pesquisador cita que pessoas influentes no que diz respeito aos direitos animais têm interpretações com diferenças bem pontuais em relação ao termo como uma luta pela conquista de direitos legais. Na perspectiva do autor, ainda é predominante uma concepção genérica de “proteção animal” como “direitos animais”. Por isso, no livro “Animal Rights: What Everyone Needs To Know”, ele busca explicar por que os direitos animais no sentido de direitos morais é, na sua ótica, a maior e mais fundamental questão, já que específicos direitos legais para indivíduos não humanos em muitos casos não abrangem todos os direitos dos animais como direitos morais.

“O debate sobre os direitos animais geralmente é polarizado, mas apenas em alguns círculos. Nesses lugares em que a polarização afeta a forma como as pessoas conversam e ouvem umas as outras, defensores e ativistas em oposição podem alimentar ainda mais essa polarização”, avalia. Por outro lado, o pesquisador aponta que os direitos animais permitem que as pessoas criem uma grande conexão entre elas.

Outra observação feita é que muitas pessoas reconhecem os direitos animais como sendo também pró-pessoas, uma conclusão que pode parecer contraintuitiva para alguns ou até mesmo falsa para outros: “Se você explorar os debates sobre os direitos animais em profundidade, notará que há aqueles que defendem que os direitos animais podem ser pró-humanos de várias maneiras. Alguns argumentam que isso se deve ao fato dos seres humanos serem ‘animais’. Outros argumentam que os direitos dos animais são uma reafirmação da vida, o que, claro, tem decididamente características pró-humanas.”

Contudo, há também aqueles que argumentam que em primeiro lugar deve estar sempre a preocupação em proteger a vida de seres de outras espécies, porque esse posicionamento reforça a nossa natureza ética. “Proteção para outros seres vivos” e “Devemos ouvir a voz dos animais” são algumas das significâncias mais comuns encontradas e justificadas pelas fontes de Paul Waldau em relação ao conceito dos direitos animais: “Estudantes de veterinária frequentemente me dizem que os “direitos animais” são um “termo valioso” mas quando eles o utilizam, correm o risco de serem condenados por alguns colegas de classe e, tragicamente, por membros de sua faculdade de veterinária.”

Muitas pessoas sentem que os direitos animais são inegavelmente atrativos, mas, segundo o autor, essa percepção pode ser comprometida quando ativistas pelos direitos animais usam a violência em nome da causa. “[…] A proteção animal é um movimento social mundial. […] Cidadãos ativos neste movimento desafiam práticas de longa data e valores [que mesmo nocivos aos não humanos são] profundamente apreciados. […] É extremamente necessária a vontade de reconhecer que o debate sobre os ‘direitos animais’ é aquele em que os valores fundamentais estão sendo elaborados. Sem dúvida, algumas pessoas decididamente sentem que a simples menção do termo é um repúdio aos humanos e, portanto, profundamente imoral. Mas descobri que muitas pessoas sentem que esse pensamento profundamente focado nos seres humanos não atende as possibilidades éticas dos seres humanos”, analisa.

A partir do seu trabalho, Waldau percebeu que muitas pessoas encontram múltiplas conexões com o mundo a partir do reconhecimento dos direitos animais. “Porque o termo [direitos animais] funciona para tantos não como um repúdio dos seres humanos, mas como uma afirmação das habilidades especiais dos humanos em se preocuparem com os outros. O termo [direitos animais] abre a porta para um mundo rico, mais do que humano, que está além da nossa espécie”, afirma. Sendo assim, a noção e a crença nos direitos animais não é um exemplo de desconexão com o mundo, como vaticinado, por exemplo, por um senso comum equivocado, mas sim o oposto disso. Ou seja, uma gama de conexões.

O pesquisador cita o historiador inglês Marc Gold que em 1995 escreveu que o termo direitos animais é um tipo útil de taquigrafia para um movimento baseado no reconhecimento de que animais não humanos vivem vidas com propósitos emocionais e são capazes de sofrer como os seres humanos: “Bondade e tolerância para aqueles que são diferentes e mais fracos do que nós estão entre as mais altas aspirações humanas possíveis.”

A conexão com os direitos animais também permite que as pessoas criem uma conexão coletiva e particular com os seres humanos e o mundo ecológico – seja o próprio quintal ou um espaço muito mais amplo. Waldau cita também o caso de crianças que muito cedo manifestam voluntariamente um anseio de que seus pais partilhem com elas a consideração pelos animais. “Essas conexões nem sempre são explícitas. No entanto, mesmo quando essas conexões são apenas implícitas, são reais, pessoais e motivadoras. Tanto os adultos quanto as crianças consideram que os direitos animais são uma maneira de honrar o mundo”, destaca.

O pesquisador sugere que a polarização não seja uma característica dominante no debate sobre os direitos animais. Para ele, há uma questão mais comum que deve ser considerada: “Qual é o sentido da vida?” “Pessoas reconhecem que as ações diárias, as escolhas e o trabalho podem dar vazão à imaginação humana e nossas consideráveis habilidades em cuidar dos outros, e eles sabem que nós prosperamos quando nos conectamos a um projeto maior que começou antes de nossa própria vida e que continuará depois disso. As preocupações éticas com outros seres vivos, humanos ou não, proporcionam tais possibilidades.”

A conclusão que Paul Waldau chegou depois que concluiu o livro “Direitos Animais: O Que Todo Mundo Precisa Saber”, é que muitas pessoas descobriram que a preocupação com os direitos animais não apenas promove virtudes, mas, na prática, contribui para sustentar a propriedade da imaginação humana. Usando também sua experiência como referência, o pesquisador revelou que estudar, investigar e se preocupar também com a vida não humana promove formas saudáveis de pensamento e racionalidade. “Essa experiência de ultrapassar o eu permite que os seres humanos se tornem tão humanos quanto possível. Isto é, humano no contexto de um mundo biologicamente rico e cheio de outros seres vivos interessantes. […] Ao escrever este livro cheguei a entender que os direitos animais, como a maioria das pessoas me descreviam, tratam de conectar-se com o significado da vida”, ponderou.

Saiba Mais

Paul Waldau foi diretor legal do Great Ape Project (GAP), uma organização fundada em 1993 por Peter Singer e Paola Cavalieri que reúne primatologistas, antropologistas e eticistas que visam assegurar direitos para chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos.

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