No verão de 1957, em Liverpool, um estudante de 15 anos ingressa no conjunto recém-formado por John Lennon, os Quarrymen, que se propunha a tocar rock and roll e rhitm´n blues em bailes e festas de escola, com direito a roupas apertadas, topetes e brilhantina. O garoto chamava-se Paul McCartney, que assumiu o contrabaixo para dar início àquela que seria, pouco mais tarde, a mais importante parceria musical do século XX: Lennon e McCartney. Não demorou muito para que o grupo integrasse outro adolescente, George Harrison, uma grata promessa na guitarra solo. No início dos anos 60, tendo como baterista Pete Best, o conjunto já se chamava Silver Beatles, logo simplificado para Beatles, passando a se apresentar no lendário Cavern Club. Em 1962, agora com Ringo Starr na bateria, a formação da banda torna-se definitiva e o sucesso não tarda a estourar, para a alegria dos quatro rapazes de Liverpool.
Músicas geniais de Paul foram compostas na inesquecível década de 60. Como não se render à belíssima linha do contrabaixo em “All My Loving”? E ao inocente romantismo de “And I Love Her’? Como não se encantar com a primorosa harmonia de “Here There and Everywhere”? E com o grito visceral que emergia de “Oh Darling”? Como esquecer de “Yesterday”, “Blackbird” e “The Long and Winding Road”? E dos acordes sobrepostos em “Lady Madonna”? E dos violinos de “Eleanor Rigby”? Como não se emocionar com o vigoroso refrão de “Golden Slumbers”? E com “Hey Jude”, que fez a juventude se levantar em um coro uníssono pelo amor e pela paz? É impossível esquecer. O apelo de “Let It Be” mostrava ao mundo que o sonho não acabaria jamais. Porque aqueles anos marcados por guerras, violência e opressão foram, paradoxalmente, mágicos e musicais. Os Beatles perpetuaram seu legado de esperança e o transmitiram às gerações seguintes. Paul McCartney nunca desistiu desse sonho.
Enquanto isso, do outro lado do oceano, mais precisamente em Nova York, uma menina nascida em família rica e inserida em um ambiente de requintada intelectualidade, passa a se interessar pelo estilo de vida simples, abstendo-se das aspirações materiais relacionadas a status e poder. Seu nome era Linda Eastman, que desde cedo demonstrou uma profunda devoção pela natureza e pelos animais. Intuitiva, espontânea e sonhadora, ela não tardou em trocar o conforto da casa paterna pela vida frugal que buscava para si, reflexo do olhar sensível que a tornaria, em pouco tempo, renomada fotógrafa norte-americana. Por esse caminho é que Linda se tornou conhecida, ao registrar com suas lentes imagens do cotidiano, da natureza, de shows, de músicos e de artistas Foi assim que, em 1968, Linda e Paul se conheceram e se tornaram amigos. Mas logo os céus se misturaram à terra e o espírito de Deus passou a se mover sobre a face da águas as águas.
Já não importava que os Beatles se separaram. Paul e Linda estavam juntos, em sua tenra cumplicidade, olhando sempre na mesma direção. No início dos anos 70 fundaram a banda The Wings, com Linda e Paul dividindo o palco. E surgiam, a partir de então, mais composições significativas na carreira de Paul, como “Band on the Run”, “Venus and Mars”, “Live and Let Die”, “Let Me Roll It”, “Maybe I’m Amazed”, entre outras igualmente belas. Nesse período de renovada inspiração musical, Paul compôs uma das mais sensíveis melodias de todos os tempos, em homenagem a Linda: “My Love”. E Linda certamente fez por merecer. Foi ela que mostrou a Paul o sentido último do amor. O amor incondicional por todas as criaturas. Linda era vegetariana pelos animais e levou Paul a aderir à causa. A propósito deste fato, há uma célebre frase atribuída ao casal McCartney: “Se os matadouros tivessem paredes de vidro, seríamos todos vegetarianos”. E assim se passaram muitos e muitos anos felizes. Paul e Linda. Linda e Paul.
Até que na manhã de 17 de abril de 1998, em uma casa de campo na região do Arizona, Linda morreu. Ao seu lado, além do marido, estavam os filhos Heather, Mary, Stella e James. Quatro dias após o falecimento da mulher – conta o biógrafo Barry Miles (in Paul McCartney – Many years from now, trad. Mário Vilela, DBA: São Paulo, 2000) -, o ex-beatle sentou-se à mesa da cozinha e ali mesmo, durante a madrugada, silenciosamente, escreveu uma carta. Uma carta para aquela que partiu para sempre. Um canto de amor e de despedida. Um lamento sob a tênue luz da noite cravejada de estrelas:
Linda foi, e ainda é, o amor da minha vida. Nossos lindos filhos nos deram uma força indescritível e Linda continua a viver em todos eles. A coragem que ela demonstrou na defesa do vegetarianismo e dos animais foi inacreditável. Eu pergunto: quantas mulheres enfrentariam sozinhas oponentes como as autoridades responsáveis pelo gado e pelos abatedouros, arriscando-se a ser motivo de piada, e ainda assim venceram?
Foi a mulher mais bondosa que já conheci, a mais pura. Para ela, todos os animais eram como personagens Disney e mereciam amor e respeito. Tive o privilégio de amá-la durante trinta anos, e nesse tempo todo, com exceção de uma ausência forçada, nunca passamos uma noite separados. Como mãe, foi a melhor. Nós dois sempre dissemos que tudo que queríamos para nossos filhos era que tivessem bom coração, e eles têm.
A homenagem que Linda teria mais gostado seria que as pessoas se tornassem vegetarianas, o que, dada a enorme variedade de alimentos disponíveis hoje em dia, é bem mais fácil do que muitos pensam. Linda entrou no ramo alimentício por uma única razão: salvar os animais do tratamento cruel que nossa sociedade e nossas tradições lhes impõem. Eu não conseguiria imaginar ninguém com menos tendência para ser mulher de negócios e, no entanto, ela trabalhou incansavelmente pelos direitos dos animais.
Era uma pessoa sem igual, e tê-la conhecido fez do mundo um lugar melhor para mim. Sua mensagem de amor continuará a viver em nossos corações. Eu te amo, Linda. Paul.