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CUIDADOS ESPECIAIS

Particularidades no atendimento emergencial de animais feridos em ferrovias

Protocolos específicos, uso de tecnologias adequadas, engajamento de colaboradores e apoio de instituições parceiras, são fundamentais.

28 de novembro de 2024
Tatiane Bressan Moreira
8 min. de leitura
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A maioria dos animais atropelados em ferrovias não sobrevive – Foto: Rumo

As ocorrências envolvendo fauna, independentemente do modal de transporte, exigem processos bem estruturados que integrem colaboradores próprios e terceiros das concessionárias, usuários da via, lindeiros e instituições especializadas, como clínicas veterinárias, hospitais e centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras).

No contexto rodoviário, o atendimento emergencial a animais feridos conta com vantagens claras. A acessibilidade ao longo de toda a via por veículos convencionais permite que as equipes cheguem rapidamente aos pontos de ocorrência.

Além disso, a dinâmica das rodovias favorece a identificação de incidentes, mesmo com animais de pequeno porte, devido à visibilidade das vias, tamanho dos veículos e à colaboração dos usuários, que frequentemente reportam colisões ou situações de risco. Esses fatores possibilitam uma resposta mais ágil, com mais chances de sucesso nas ações de resgate de fauna.

Ocorrências com fauna em ferrovias

Mas quando se trata do modal ferroviário, quais são as particularidades e desafios no atendimento a animais feridos?

A colisão, muitas vezes, não é percebida

A Rumo Logística, maior concessionária de ferrovias do Brasil, realizou uma pesquisa interna com quase 500 maquinistas e constatou que a grande maioria não consegue perceber o atropelamento de um animal, principalmente se este for de pequeno e médio porte. Isso ocorre devido à posição elevada do profissional na cabine e também ao grande porte das locomotivas, que faz com que muitas colisões não sejam vistas ou “sentidas”.

Colisões com animais de maior porte são mais perceptíveis e reportadas com mais frequência, porém a estrutura robusta do trem raramente sofre danos nesse tipo de ocorrência. Em rodovias, por outro lado, as colisões representam sérios riscos aos usuários.

Comunicação da ocorrência

Em muitos locais e por longos trechos, não há qualquer tipo de sinal telefônico ou postos e cabines para chamadas de emergência, como ocorre em algumas concessões de rodovias. A única forma de comunicação nesses casos é via satélite, por meio do acionamento do computador de bordo da locomotiva (CBL) e o Centro de Controle de Operações (CCO).

Complexidade para parar um trem

Por razões de logística e de segurança operacional e patrimonial, as composições de carga não podem parar em qualquer local. Além dos riscos de furto e roubo de carga, o acionamento dos freios em modo emergência pode aumentar a probabilidade de acidentes por descarrilamento ou tombamento de vagões. Além disso, a parada do trem pode acontecer em locais inapropriados, como passagens em nível, causando obstrução e impedimento do fluxo de veículos rodoviários, com consequências para a comunidade do entorno.

Para composições carregadas, parar em locais com forte aclive (rampas com mais de 1% de inclinação) é operacionalmente desaconselhada devido à insuficiência de tração para demarragem (retirada do trem da inércia), o que requer a mobilização de uma locomotiva adicional de apoio (helper). Além disso, o arranque do trem em regiões de aclive, além de aumentar a emissão de poluentes, aumenta a chance de deterioração da via, principalmente em função do risco de flambagem (dilatação e desalinhamento dos trilhos).

E dependendo da carga e velocidade da composição, após o acionamento dos freios. o trem pode percorrer cerca de mil metros até parar por completo. Portanto, apenas para verificar as condições do animal, o maquinista precisaria descer do trem (deixando a composição totalmente exposta a vandalismos) e caminhar mais de mil metros em direção oposta em busca do animal atropelado (que provavelmente estará embaixo da composição, visto que um trem de carga pode ter mais de dois quilômetros de comprimento) e depois mais mil metros para retorno à locomotiva.

Um ponto importante é que uma composição parada na via causa o atraso das demais composições que estão no entorno. Além do impacto em transit time (tempo entre o carregamento da carga e chegada ao destino), qualquer paralisação não programada pode causar a extrapolação da jornada de trabalho segura dos maquinistas.

Restrições de acesso rodoviário

Diferentemente das rodovias, muitas áreas da ferrovia não contam com acessos viários convencionais, tornando o resgate de animais ainda mais complexo. Nesses casos, são necessários veículos especializados, como autos de linha ou rodoferroviários, que demandam autorização prévia do Centro de Controle de Operações (CCO) e condutores treinados.

Baixa taxa de sobrevivência dos animais

Em rodovias, a taxa de sobrevivência de animais vítimas de atropelamento é extremamente baixa. Em ferrovias, com composições que chegam a 2.200 metros de comprimento e 15.500 toneladas, a transferência de energia durante a colisão com um animal é altíssima e os danos causados são extremamente graves.  Esses eventos, na maioria das vezes, resultam na morte imediata dos animais vitimados.

Como viabilizar o atendimento a animais vitimados nas ferrovias?

O sucesso no atendimento a animais feridos em ferrovias depende do estabelecimento de processos claros, bem definidos e, principalmente, exequíveis. A implementação de um plano específico para ferrovias é desafiadora e deve considerar uma série de ações, como:

Criação de método para comunicação da ocorrência: se a forma mais confiável de comunicação é via satélite, então as ocorrências deverão ser reportadas por esse meio. Os envolvidos no processo deverão entender o funcionamento do sistema e envolver programadores e técnicos para criar um método de registro específico para informar a presença de “animal ferido na via”.

Engajamento, comunicação e treinamento dos colaboradores envolvidos: todos os colaboradores envolvidos no processo devem ser devidamente capacitados. Quanto mais crítico for o papel do colaborador no plano de atendimento, mais detalhada e específica deverá ser sua formação. Por exemplo, inspetores de via e condutores de veículos rodoferroviários precisam estar preparados e equipados para realizar o primeiro atendimento, sabendo quem acionar e para onde encaminhar o animal. Já os maquinistas devem estar treinados para utilizar corretamente a ferramenta de reporte de ocorrências e seguir os protocolos estabelecidos.

Criação de protocolos: após compreender as particularidades e as restrições do trecho ferroviário em questão, inicia-se o desenvolvimento do protocolo. Esses protocolos devem cobrir todos os aspectos do processo, desde a identificação e comunicação da ocorrência até o encaminhamento do animal. Todas as possíveis situações devem ser consideradas e, assim como em um plano de atendimento a emergências, é fundamental identificar os riscos, mapear as respostas apropriadas, determinar os recursos necessários e definir os procedimentos de registro e acompanhamento. O objetivo é garantir uma resposta eficaz, coordenada e segura em todas as fases do atendimento.

Estabelecer parcerias com instituições de apoio: firmar parcerias com centros de triagem e reabilitação de fauna (Cetras) e clínicas e hospitais veterinários é essencial para garantir um atendimento rápido e especializado aos animais vitimados. Essas instituições desempenham um papel crucial no processo de recuperação, oferecendo cuidados veterinários de urgência, realização de exames e, quando necessário, intervenções cirúrgicas. Para otimizar a resposta, é importante mapear essas instituições ao longo do traçado ferroviário, garantindo que estejam estrategicamente localizadas em pontos mais próximos da via. A capacitação oferecida aos colaboradores da via pode ser estendida aos funcionários das clínicas parceiras. Essa parceria permite uma rede de apoio eficiente, assegurando que o animal receba o tratamento adequado o mais rápido possível, o que pode ser determinante para sua sobrevivência e recuperação. Além disso, a concessionária deve contar com veterinários próprios para atendimento de ocorrências, realização de treinamentos, elaboração de relatórios e outras atividades relativas ao plano.

Análise e criação de indicadores: a análise e criação de indicadores são fundamentais para monitorar a eficácia do plano de atendimento a animais vitimados nas ferrovias. Esses indicadores permitem avaliar a performance das ações implementadas, identificar áreas de melhoria e garantir agilidade e eficiência no processo de resposta a emergências. A definição de métricas claras, como tempo de resposta, número de ocorrências registradas, taxa de sucesso no resgate e recuperação dos animais, entre outros, possibilita uma visão precisa do desempenho das equipes e dos recursos envolvidos. Além disso, esses indicadores devem ser acompanhados regularmente para promover ajustes contínuos e aprimoramento do processo. A análise dos dados gerados não só contribui para a otimização do atendimento, mas também auxilia na tomada de decisões estratégicas e no planejamento de ações preventivas, garantindo que o atendimento à fauna seja sempre eficiente e bem estruturado.

O atendimento emergencial de animais feridos no modal ferroviário apresenta desafios complexos e únicos, que exigem soluções inovadoras e planejadas. Enquanto o modal rodoviário se beneficia de acessibilidade e visibilidade facilitadas, as ferrovias enfrentam restrições significativas relacionadas a comunicação, acessibilidade e dinâmica operacional das composições. No entanto, esses desafios podem ser mitigados por meio da implementação de processos claros, comunicação eficaz, capacitações e parcerias estratégicas.

A criação de protocolos específicos, aliada ao uso de tecnologias adequadas, ao engajamento de colaboradores e ao apoio de instituições parceiras, são decisivos para garantir respostas mais rápidas. Além disso, o monitoramento contínuo e a análise de indicadores permitem ajustar e melhorar o plano, contribuindo para o fortalecimento das ações de proteção à fauna.

Esse compromisso demonstra que, mesmo em um cenário desafiador como o ferroviário, é possível promover o atendimento à fauna de maneira estruturada, alinhando eficiência operacional e responsabilidade ambiental.

Fonte: Fauna News

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