Uma espécie popularmente conhecida no Brasil como gravatazeiro (Rhopornis ardesiacus), uma das aves mais raras das Américas, corre o risco de desaparecer, caso medidas efetivas não sejam tomadas a tempo. Por isso, o anúncio da criação e ampliação de 60 mil hectares de áreas de proteção federal na Bahia — entre elas a do Parque Nacional de Boa Nova, habitat natural dos gravatazeiros — está sendo recebida com alívio pelos ambientalistas. A cerimônia que oficializa as unidades de conservação está marcada para amanhã, em Salvador.
Gravatazeiro: uma das 122 espécies de aves ameaçadas no Brasil
Segundo o secretário do Meio Ambiente da Bahia, Eugênio Spengler, a medida garante a manutenção da flora e da fauna locais, incluindo as aves. “Com isso, passaremos a ter uma política de conservação clara e segura, o que nos permitirá, por meio de planos de manejo, fazer todos os investimentos necessários”, destaca. O secretário explica que Boa Nova é um dos municípios mais pobres da Bahia. “O local é um grande atrativo para turistas, mas isso não mudou em nada a vida daquela população. A criação do parque, inclusive, permitirá que a prefeitura organize a situação e conserve o patrimônio natural”, enfatiza. Além da área em Boa Nova, serão criados os parques nacionais de Serra das Lontras, do Alto do Cariri, do Pau-brasil e do Descobrimento.
Levantamento realizado pela Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil (Save Brasil), representante no país da entidade BirdLife International, já havia alertado para a situação das aves e consequentemente de toda a biodiversidade em algumas dessas áreas. Os especialistas se basearam em um método de priorização para classificar as áreas de conservação das espécies, as chamadas Áreas Importantes para a Conservação de Aves (Ibas, na sigla em inglês). Segundo o biólogo Pedro Develey, diretor de Conservação da Save Brasil, foram identificadas 8 mil Ibas no mundo todo. “No Brasil, priorizamos 237”, destaca.
Segundo Develey, alguns dados relativos às áreas de proteção do país são alarmantes. “A conclusão é que das 237 Ibas levantadas pelo nosso estudo, num total de 94 milhões de hectares de terra, somente 27 milhões estão sendo efetivamente preservadas. Ou seja, hoje existem 67 milhões de áreas prioritárias sem garantias de manutenção”, alerta.
A entidade considera que a criação do parque em Boa Nova é um marco nos esforços para a proteção da biodiversidade da região. Localizada no nordeste do Planalto da Conquista, a região é de grande importância para as aves por ficar entre a Mata Atlântica e a caatinga. “Numa linha de 10 km, é possível sair da caatinga, passar pela Mata de Cipó e chegar à Mata Atlântica. Em Boa Nova, foram contabilizadas 396 espécies de aves, sendo que 14 estão globalmente ameaçadas. Por esse motivo, a criação de um parque é o melhor dos cenários”, afirma Develey, lembrando que a Serra das Lontras também merece cuidados. O local possui 330 espécies de aves, sendo 16 delas globalmente ameaçadas.
No Brasil, existem ao todo 1.834 espécies de aves, das quais 122 se encontram globalmente ameaçadas de extinção, de acordo com o biólogo. “O país está entre os três primeiros do mundo com maior número de espécies. Porém, em termos de ameaça de extinção, ele está em primeiro lugar”, destaca. A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), segundo Develey, é uma espécie característica da caatinga que desapareceu da natureza. “Na Mata Atlântica nordestina, entre Pernambuco e Alagoas, há o maior registro de bichos ameaçados. Uma das aves que corre mais risco é a limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi)”, aponta o especialista.
O mapeamento da Save começou há cerca de 10 anos. Ao todo foram analisadas 450 áreas e 700 espécies. O material publicado pela entidade traz conclusões a respeito da situação das aves nos seis biomas brasileiros (Mata Atlântica, caatinga, Pantanal, Amazônia, pampa e cerrado). Para o biólogo do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), o pequisador Mario Cohn-Haft, o trabalho dos biólogos e especialistas que comandam estudos como o da Save Brasil é fundamental para a tomada de decisões dos governantes. “Atualmente, as aves têm sofrido diversas ameaças, como a caça, por exemplo. Acredito que a criação de áreas protegidas seja importantes, mas esse é o primeiro passo para um trabalho de tempo indefinido”, diz.
Ouça trecho da entrevista com o biólogo Pedro Develey, da Save Brasil.
Fonte: Correio Braziliense.