Tamanho, como se sabe, não é documento — mas tamanho relativo pode muito bem ser, ao menos quando se trata do papel que bichos grandes, ou não tão grandes, podem ter no ambiente em que vivem. É o que defende uma dupla de pesquisadores, formada por um brasileiro e um americano, na edição desta semana da revista especializada “Science”. De acordo com eles, animais de tamanho modesto, dependendo do ecossistema, podem ser tão importantes para a saúde de seu habitat quanto os elefantes são para a savana africana. E fazê-los sumir é uma receita para o desastre.
Em síntese, Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro, e Dennis M. Hansen, da Universidade Stanford, estão pedindo uma revisão no conceito de megafauna — termo que, entre os ecólogos, é usado para designar qualquer animal com mais de 44 kg. Na linguagem corrente, o termo é mais usado para se referir à megafauna extinta — monstros como mastodontes e preguiças-gigantes, com toneladas de peso, que vagavam pelo interior do Brasil até uns 10 mil atrás. (Outras regiões do mundo também perderam membros de sua megafauna mais ou menos na mesma época). Galetti diz que é hora de “virar o disco” sobre o tema.
“As pessoas tendem a só falar sobre como a megafauna foi extinta, se foi o homem ou se foram as mudanças no clima”, afirmou Galetti ao G1. “Essa discussão acontece desde a época de Darwin. Não é que ela não seja interessante e importante, mas nós achamos que é hora de mudar o foco. Temos de ver o que acontece com os ambientes quando a megafauna desaparece, porque as repercussões são muitas”, avalia o pesquisador.
Ordem na casa
Alguém poderia imaginar que o sumiço dos animais mais avantajados não tem grandes efeitos sobre as outras espécies de um habitat, mas o fato é que a megafauna é essencial para por “ordem na casa” em qualquer ecossistema. “O mero fato de um elefante caminhar altera a composição de espécies de plantas. A presença dele aumenta a diversidade de espécies e controla a população das plantas”, diz Galetti.
Outro fator importante envolve a frugivoria — o hábito de devorar frutos, em bom português. Ao longo do processo evolutivo, plantas e animais fizeram uma espécie de “acordo”, obviamente não-consciente: eu, planta, produzo frutos saborosos, enquanto você, animal, os come e aproveita para levar as sementes para longe, fertilizando-as com suas fezes. Acontece que apenas os membros da megafauna conseguem dispersar com eficiência as sementes de vários frutos grandalhões. Resultado: se os bichos grandes somem, a tendência é as plantas ficarem “órfãs” deles.
“Nós mostramos esse processo com mais de 100 espécies de plantas brasileiras cujos frutos provavelmente eram dispersados pela megafauna extinta, como o pequi e o jatobá”, conta Galetti. Essas plantas ainda não se extinguiram, apesar da ausência de seus dispersores, mas há indícios de que a diversidade genética delas encolheu, o que não é nada bom.
Pequena grande megafauna
Além disso, é importante olhar o contexto de cada habitat, diz o pesquisador da Unesp. No continente sul-americano, o maior frugívoro que sobrou foi a anta, que pesa 300 kg (os mastodontes, hoje extintos, tinham 7,5 toneladas). Mas em locais como as ilhas Maurício, no oceano Índico, com o sumiço das tartarugas-gigantes que chegavam a 100 kg, restou um morcego de pouco mais de meio quilo — uma redução que, em termos relativos, é muito mais brutal, e provavelmente tem efeitos bem mais sérios na maneira como o ecossistema das ilhas funciona.
E aí é que entra a importância da proposta dos pesquisadores para a conservação ambiental. Seja em ilhas, seja no continente, salvar a pele dos membros da megafauna, ou mesmo da mesofauna — bichos menores que ainda conseguem ter um impacto ambiental similar ao da megafauna –, é imperativo se a humanidade quiser garantir a saúde dos ecossistemas do futuro. Se as antas — e todos os demais frugívoros ameaçados de extinção no Brasil — desaparecessem do mapa, o maior frugívoro que sobraria seria uma espécie de bugio, com apenas 9 kg, ou seja, 700 vezes menor do que os membros originais da megafauna sul-americana. Inúmeras plantas provavelmente sumiriam caso isso acontecesse mesmo.
Diante da importância da megafauna, há quem fale até em reintroduzir “similares” das espécies desaparecidas — coisas como trazer elefantes para o cerrado, por exemplo. “É claro que isso é superpolêmico e precisa ser feito com muito cuidado, após muitos estudos, mas não é absurdo em princípio”, diz Galetti. Tartarugas-gigantes estão sendo reintroduzidas em ilhas perto das Maurício. E, no Pantanal, onde o porco doméstico se tornou selvagem de novo e virou o chamado porco-monteiro, a situação até que não é ruim. “Parece que o porco achou um nicho ecológico vago por lá”, afirma Galetti. “A presença dele tira a pressão de caça das espécies nativas, e ele é um dispersor de sementes mais eficaz que as próprias antas.”
Fonte: G1