Grupos em redes sociais mostram a “feira livre” de animais silvestres capturados no Rio. Na última semana, uma equipe de jornalismo acompanhou a troca de mensagens entre interessados na compra e venda de animais exóticos, alguns ameaçados de extinção. O negócio tem de tudo, inclusive encomendas, promoções, documentação falsificada e até oferta de microchips para dar o ar de legalidade. Diversos anúncios de espécies exóticas são feitos com a divulgação de fotos e de preços dos animais. “Fora de época”, o valor pode aumentar, caso do papagaio, um dos animais mais buscados para compra. Os próprios vendedores alertam: por menos de R$ 900 pode ser, na verdade, uma maritaca pintada. Outros exóticos exigem um desembolso ainda maior, como o macaco mão-de-ouro por cerca de R$ 7 mil.
Nos grupos on-line de quadrilhas que traficam animais no Rio, o serviço vai da captura à venda e falsificação de documentação para que a criação do animal pareça legalizada. O esquema é, segundo a Polícia Civil, o terceiro negócio mais lucrativo para organizações criminosas — só perde para o tráfico de drogas e de armas. Dados do Comando de Polícia Ambiental (CPAm), da Polícia Militar, mostram que, no primeiro trimestre do ano, um animal foi resgatado por agentes a cada duas horas, número quase três vezes maior que o notificado no mesmo período de 2022.
A ação criminosa pôde ser vista nos grupos monitorados pelo GLOBO. Em uma publicação da última quarta-feira, um homem anuncia: “Documento de macaco”. Poucas horas depois, outro homem responde: “Se for documento bom, já vendemos 300 macacos. Temos contatos de quase todos, vai ajudar todo mundo e fazer bastante dinheiro”.
Uma mudança no perfil das quadrilhas foi o fechamento de cativeiros para se concentrem em vendas sob encomenda. Nos grupos, os interessados perguntam se algum vendedor tem indivíduo de determinada espécie. Assim, é passado o tempo para a entrega e o valor do “produto”. Muitas das vezes, até mesmo o comprador final pode ser enganado, já que as quadrilhas podem também falsificar os próprios animais.
“Há animais parecidos, como a maritaca e o papagaio. Mas a maritaca custa R$ 100 e o papagaio, R$ 3 mil. Então, eles transformam essa maritaca num papagaio. Pintam as asas e fica igual a um clone. O papagaio entra no top 10 de animais que as pessoas mais querem”, explica o delegado Wellington Vieira, titular da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA).
Estrutura do crime
Segundo investigações da Polícia Civil, as quadrilhas que traficam animais se organizam, especialmente, em quatro funções. A partir do pedido de um cliente, um caçador se desloca para regiões de mata no Rio, como a Floresta da Tijuca, na capital, onde fica entre três e quatro dias à procura de animais. Quando encontrados e capturados, os bichos são levados por um distribuidor, que pode ser, por exemplo, um motorista de caminhão de cargas. Daí em diante, um fornecedor recebe a mercadoria e repassa para o vendedor, que pode atuar presencialmente ou pela internet.
Algumas feiras livres do estado funcionam como uma vitrine para o tráfico desses animais, conforme apontam as investigações da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA). A principal delas fica no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, mas também podem ser encontradas em Belford Roxo, também na Baixada, em Honório Gurgel, na Zona Norte da capital, e em São Gonçalo, na Região Metropolitana. Nesses locais, vendedores expõem parte de suas mercadorias como uma prova de que têm produtos específicos, como preguiças e corujas, entre outros.
“Funciona como uma vitrine, uma prova de que conseguem aquele animal, para aí conquistarem clientes. Eles trocam números e a venda passa a ser feita por grupos na internet”, explica Wellington Vieira, titular da DPMA.
Em busca dos animais
Para chamar menos a atenção de autoridades, as quadrilhas, hoje, optam pela venda sob encomenda em vez de recorrer a cativeiros. Segundo Vieira, é em grupos de mensagens que os clientes pedem um animal específico, e apenas a partir desse ponto os caçadores saem em busca do produto.
“Macaco-aranha, alguém tem?”, pergunta um homem num dos grupos. A resposta do vendedor é positiva, mas afirma que precisa checar com o fornecedor para ver quando chegaria a mercadoria: “Vou ver o valor para você, ver o dia que chega. Esse é raro, temos que encomendar para te passar o dia da entrega dele, ok?”
Segundo o comandante do CPAm, coronel Luciano de Vasconcelos, áreas extensas de mata são as mais visadas por esses criminosos. Registros do Linha Verde, do Disque-Denúncia, indicam que entre os municípios onde há mais notificações de caça de animais estão Rio de Janeiro, Maricá, Magé, Nova Iguaçu e Petrópolis.
Muitas vezes a caça é feita com a ajuda de arapucas montadas por caçadores. Em uma das flagradas por equipes do CPAm na Floresta da Tijuca, na Zona Norte do Rio, um tecido foi estendido na mata, enquanto cada uma de suas quatro pontas foi presa com cordas, que eram amarradas nos galhos das árvores. No centro do tecido, um punhado de biscoitos foi deixado, para tentar atrair o animal e conseguirem amarrá-lo. Na gravação feita pelo comando, é possível observar ainda que diversos macacos estavam próximos à armadilha.
Documentos, microchip e anilhas falsificados
Para passar uma ideia de que o animal é legalizado, algumas quadrilhas falsificam anilhas, uma espécie de anel preso ao pé das aves quando há legalidade na venda. Por isso, quando as operações são de fato autorizadas, contam com uma numeração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), que é o órgão legalizador.
No caso de macacos, para haver uma venda “legal”, além de o animal ser de um criadouro legalizado, ele recebe um microchip para ser monitorado. Esse dispositivo, porém, também pode ser falsificado por criminosos, assim como as notas fiscais das compras dos animais. Isso, segundo o delegado, é usado como uma forma de encarecer o produto, já que passa por algo dentro da lei.
Com o intuito de disfarçar os animais no transporte de uma região para a outra, é empregada a crueldade. Segundo investigações, filhotes de macacos podem ser levados em garrafas PET cortadas ou em mochilas. Já as aves podem ser colocadas em canos de PVC, em meio a diversas cargas, para camuflar a sua presença. A polícia afirma que, com o manuseio indevido, cerca de 50% dos animais capturados na natureza morrem.
“Quando são presos, alguns integrantes de quadrilhas dizem até mesmo que têm um “prejuízo” de metade das mercadorias. Mas não é bem um prejuízo financeiro para eles, se pegam os animais da natureza”, diz o delegado da DPMA.
Os animais apreendidos pelas polícias Civil e Militar são levados para os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Ibama, onde são reabilitados para serem soltos em locais de ocorrência natural das espécies. Caso a readaptação não seja possível, são levados para um mantenedor de fauna habilitado pelo órgão.
Fonte: O Globo