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BANCO DE DADOS

Pantanal ganha programa inédito de bioacústica para identificar biodiversidade animal

29 de junho de 2024
4 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Diferenciar o som de uma arara-vermelha de um tuiuiú pode parecer uma tarefa fácil, mas quando eles se misturam aos milhares de outros sons do Pantanal sul-mato-grossense, como onças-pintadas, sapo cururu, tucano, jacaré e o macaco boca d’água, o desafio fica maior. Identificar, então, anfíbios e peixes pelo som, soa ainda mais complicado.

Pensando em montar uma biblioteca de sons com a biodiversidade da região da Serra do Amolar, no norte do Mato Grosso do Sul, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP), começou a instalar câmeras e equipamentos de bioacústica que captam sons e imagens de bichos.

O foco desta primeira fase do trabalho, conforme explica a bióloga do IHP e doutora em Ecologia e Conservação Grasiela Porfírio, está em coletar informações sobre peixes, anfíbios, aves e primatas. Mas ela imagina que o projeto pode escalar e se estender a outras espécies pantaneiras.

As aves são um caso à parte, pois a região é um reconhecido ponto de observação de pássaros e recebe turistas nacionais e internacionais que buscam aves raras, como meia-lua-de-coleira-dupla, cara-suja-do-pantanal e papa-taoca-do-pantanal.

Os equipamentos para o projeto foram adquiridos pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, como parte de um edital específico para o Pantanal. Uma pesquisadora brasileira na Cornell, Larissa Moreira Sayuri Sugai, tem incentivado pesquisas no bioma brasileiro por ser uma das regiões biodiversas cujos sons da fauna ainda são pouco mapeados pela ciência.

Wener Hugo Arruda Moreno conta que um grupo de pesquisadores da universidade americana visitou Corumbá (MS) em março para mostrar como o projeto funciona. “E em abril nós fizemos uma semana de treinamentos para aprender a usar o hardware, que é o gravador, e também os softwares que fazem o reconhecimento dos sons e montam o banco de dados. Também identificamos as possibilidades de trabalho com a bioacústica”, conta.

Moreno lembra que o estudo de anfíbios e até de peixes sempre foi um desafio no Pantanal, porque, no caso dos anfíbios, seus hábitos noturnos dificultam o trabalho no campo. “Há perigo em sair à noite no Pantanal, como a presença de onças, cobras e outros animais, além da questão logística, que também não é fácil, até durante o dia, em alguns casos”, diz. No caso dos peixes, o rio, especialmente o Paraguai, o principal de Mato Grosso do Sul, é povoado por piranhas, sucuris e também ariranhas, estas últimas chamadas de “onça d’água”, animais que também podem dificultar a instalação — curiosos, eles eventualmente tentam mexer ou até ‘mordiscar’ o gravador de som.

“A bioacústica é mais uma forma de detectar a biodiversidade, complementar a amostragens que já fazemos no Pantanal desde 2009, com ‘camera trapping’ [armadilhas fotográficas]”, comenta Porfírio. “Com o uso de tecnologias de reconhecimento e inteligência artificial, é possível identificar ainda mais facilmente os sons”, acrescenta.

Nesta semana, foram instalados dois gravadores de bioacústica em áreas diferentes da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RRPN) Acurizal. Um terceiro, subaquático, chamado de HydroMoth, foi colocado junto com uma câmara também subaquática, em uma pequena lagoa também na região. Neste caso, o experimento na água durou 24 horas e o objetivo, segundo Porfírio, foi fazer um experimento controlado para identificar espécies aquáticas, como peixes, anfíbios e répteis – até jacarés.

“O monitoramento acústico passivo é um método de pesquisa que captura muito mais informação do que os tradicionais métodos, tais como camera trapping e a coleta de material biológico. Ele permite que pesquisadores cataloguem todos os sons de um ecossistema de uma vez só, economizando tempo e recursos”, comenta Lucas Fink, estudante de Ecologia da Cornell e um dos envolvidos no projeto do Pantanal.

Fink acrescenta que o monitoramento acústico tem ainda a vantagem de poder coletar dados continuamente e em qualquer tipo de clima e região, inclusive, áreas de difícil acesso e mais remotas.

Outro diferencial é poder coletar dados de vários níveis, como no nível individual, de um exemplar da espécie, ou de um grupo da mesma espécie e de mais de um grupo. “Isso permite, por exemplo, que pesquisadores estudem a interação dentro de uma mesma espécie, entre de diferentes espécies, interação com o homem e o meio ambiente e os diferentes comportamentos. Os métodos tradicionais só permitem responder perguntas em um nível”, comenta Fink.

Um quarto gravador será instalado na RPPN Engenheiro Eliezer Batista, também sob gestão do IHP. A instalação ainda não ocorreu pelo alto risco de incêndio da área nos próximos meses.

O projeto ainda está em fase piloto, mas os pesquisadores acreditam que pode contribuir, no médio e longo prazos, inclusive para entender o comportamento da fauna pantaneira antes e depois da passagem do fogo, elemento cada vez mais comum no Pantanal, e também as implicações das mudanças climáticas no comportamento dos bichos.

Fonte: Um Só Planeta

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