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Ovelha

6 de fevereiro de 2009
2 min. de leitura
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Esses dias, remexendo jornal guardado para forrar o banheirinho dos gatos, li a seção de cartas de um periódico, onde um leitor indignado reclamava do transporte feito pela FAB de 300 pinguins que haviam se perdido e tinham desembarcado na Bahia, sendo então trazidos aqui para o Rio Grande do Sul. Ou algo assim. Dizia que, frente às filas do SUS e blablablá, “era uma afronta ao cidadão brasileiro”.

Fiquei pensando sobre a natureza ter dado todo o sustento a esse sujeito – e a todos nós, aqui reunidos em seu nome – em termos de alimentação, vestuário, moradia, água, luz, ar, matéria-prima e tudo mais. Mas, na troca, nada pode ser dado. Antigamente, pelo menos alguns espelhinhos eram dados aos índios antes de eles verem “um mundo doente”, como cantava Renato Russo.

Além disso, parece que qualquer centavo gasto com um animal automaticamente é uma colher de comida sendo tirada da boca de um faminto. Humano, claro. Como se o não-gasto com o avião da FAB fosse resolver uma porcentagem do problema do SUS, do INSS ou qualquer outro nó que depende da morte de alguns animais para ser desatado. Na verdade, é sempre uma vontade de confrontar humanos com não-humanos, passar uma peneira que filtraria os reais merecedores da atenção e das verbas públicas. Ao resto, apenas a saída de serviço.

Claro que os pinguins tiveram sorte, digamos assim, de cair no gosto popular, como animais que parecem ter saído de um desenho animado. Não são agressivos, espinhudos, melequentos, cheios de pernas e antenas, nem habitam a fantasia como seres que podem causar males reais ou imaginários aos nossos familiares indefesos. Como os ursos pandas, por exemplo, naquele pique de ‘bichinho-de-pelúcia-que-se-mexe-de-verdade-olha-mãe!’. Atraem a simpatia do telespectador televisivo, e o feedback é justamente um salvaguarda para as situações de aperto. Com direito a avião da FAB.

Curioso é como a ovelha ‘passou para o lado de lá’, e de animal dócil e potencialmente fofo passou a ser visto apenas como lucro sobre quatro patas. O transporte de ovelhas da Austrália para o resto do mundo, em navios, parece mais obra de ficção do que realidade, tal a forma arquitetada para se fazer chegar esses animais nos portos de outros continentes. Qual foi o escorregão histórico que fez a ovelha perder um status especial – e, portanto, defensável – e tornar-se mais um escravo, entre tantos? Quem jogou os dados e decidiu que haveria castas, diferenças, dominadores e dominados, animais protegidos e animais-alvo?

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