Semelhante a um auditório, quem assume a postura de vestir o manto que não traz manchas de sangue animal recebe olhares furiosos, invejosos, amargos e desaprovadores. Sem dizer palavra, o uniforme vegano já provoca uma onda de choque que, conforme a distância, sacode as pratarias da casa das boas famílias. Com a Internet, os olhares viram palavras furiosas ou debochadas, dirigidas a quem não está rebolando no ritmo que agrada a maioria.
Porque há quem prefira não incomodar, contar só as piadas já conhecidas, vestir o que ‘se está usando’, mimetizar-se na sociedade. Incapacidade de lidar com a reprovação de um olhar, então incorpora-se ao rebanho humano por adesão.
Então é esse povo, aí fora, que eu preciso fazer entender que os animais estão sendo explorados neste exato instante. Seja em protestos, textos, materiais distribuídos ou menos no exemplo pedagógico de ser algo que eles não são, mas podem ser. O complicado é tentar dar instrução a quem se acha, por idade, já conhecedor de todos os fluxos certos e errados da vida, das engrenagens emperradas e das que deslizam azeitadas, qual escolha facilita as coisas, e qual irá sujar os sapatos de barro.
Mas os animais vivem o terror conforme a categoria em que, azar, acabaram nascendo. ‘Com serventia’, apetitoso, para lazer, para trabalhos forçados, para testes, para sadismo, para caça, para pisar em cima ou jogar veneno, para ferver vivo, para extrair sua liberdade através das tetas cheias de leite, do útero que rende presentes fofos, do cu que fornece ingrediente para o bolo da vovó. E a eles, cabe o olhar de medo ante o humano que lhe aprisona e faz cálculos desse rendimento ao final do dia, o olhar de procura dos que foram jogados fora, e farejam a família e o lar que, até então, lhe parecia ser o mundo em que viveria para sempre.
Em cada detalhe, é necessário explicar, explicar novamente e até desenhar o que está acontecendo nas 24 horas do dia, para gente que não se interessa em adquirir conhecimento, mas, nos parcos fiapos de saber, articula uma crítica que considera devastadora a quem não aceita a exploração animal. Saem decretos sólidos de quem não está inteirado do assunto, mas é contra. Nunca ouviu falar, mas é contra. ‘Sempre viveu assim’, então é contra.
Gente que toma decisões erradas na própria vida, coleciona arrependimentos, dores de cabeça e rotas erradas, mas se considera apto não só a debater, mas ter uma posição mais lúcida, mais sensata e razoável do que aqueles que carregam algum catecismo abolicionista sempre à mão, para leitura. Do que aqueles que já descobriram que a mudança na sociedade e na cultura vai ocorrer sob responsabilidade dos preparados, instruídos e bem-intencionados.
Tudo aquilo que hoje é legal mas é imoral já foi aceito, e no futuro será ilegal. Mas a maioria prefere espernear, presa às tradições culinárias, ao cunhado que tem fazenda, ao vizinho que tem loja de sapatos. A maioria, em sua movimentação unicelular, assiste com desprezo à minoria que incomoda, que resolveu espiar por cima do muro, que experimentou sabores, que avaliou os horizontes sem consultar o índex.
E os animais aguardam, na coleira diária, na engorda programada por tabelas do Excel, na gaiola do comércio, no fordismo da indústria. A maioria não vê, pois já aprendeu a abstrair o remorso e a culpa em datas, compras, emoções embaladas para presente, bebida e cigarros, embalos e liturgias. Pisa no que não é menor mas está menor, e limpa os sapatos embarrados antes de entrar em casa, todos os dias.