Ninguém precisa ser sociólogo ou filósofo para entender o que se passa hoje no mundo ocidental em relação aos animais.
Não incluo o mundo árabe, o mundo africano e o mundo asiático, porque são mundos, em sua maior parte, parados no tempo em que bicho era lixo. São planetas separados do planeta Terra, a anos luz do século vinte e um. Se bobear, se explodem e levam junto a Terra toda, em nome da religião ou da economia. Só gostam dos animais, de cachorros a escorpiões e macacos, quando estão temperadinhos no prato, para serem devorados.
Neste cantinho do planeta, o nosso, as ideias libertárias podem ao menos se expressar e, com um pouco de sorte e esforço, virarem realidade.
Então, apostando na esperança, observamos uma grande onda tomando a consciência dos bípedes humanos e apontando sim uma nova postura, uma nova era de aquários, aquela do paz e amor, bicho!
Meio ingênua, meio equivocada, meio desajeitada, a era da década de setenta, a dos hippies, apostou na poesia, no sonho, e influenciou todas as décadas seguintes. Novas formas de amar, se alimentar, se vestir, meditar, consumir, estar, incluir, surgiram ali e perduram até hoje. O vegetarianismo, a igualdade entre os sexos e etnias, o pacifismo, a integração com a natureza, sementes que germinaram e deram frutos que colhemos agora.
Claro que, como sempre, o Deus Mercado pega os frutos para vender. Conhecem algum banco que não diga que é auto-sustentável, ambientalista, muito gente, embora seja um predador? Acredite se quiser e for otário.
Mas voltemos ao tema dos animais e das mudanças possíveis.
Existem três forças em jogo, as mesmas de toda história humana: os mudadores, os conservadores e os indiferentes.
Os mudadores, minoria, querem e agem para que as coisas mudem para melhor. E esperneiam, e provocam, e cutucam, tipo os protetores dos animais.
Os conservadores, também minoria, praticam o que sabem e interessa a eles fazer: barrar o novo, defender o status quo para continuarem lucrando com isso.
Os indiferentes, a maioria, serão decisivos para decidir a parada.
Isso tem ficado evidente em exemplos prosaicos.
Vou citar dois, do quais participei, aqui em Sampa (canta sua aldeia e estarás cantando o mundo, dizia Tolstoi- acredito nisso como escritor e cidadão).
A passeata pelo fim da crueldade contra os animais aglutinou milhares de pessoas. Mudadores (ou seja, protetores e voluntários de defesa dos animais), e Indiferentes (traduzindo: a classe mérdia que ficou chocada com os últimos escândalos de tortura de cães e gatos). Os Conservadores só assistiram de arquibancada.
A marcha contra a corrupção, realizada no aniversário da cidade de São Paulo, evidenciou o rosto da sociedade brasileira. Os Mudadores (não mais de cem pessoas) tentando ter voz, os Conservadores (as otoridades) impedindo a ocupação da Avenida Paulista, e os Indiferentes loucos para passarem com seus carros rumo ao jogo do Corinthians ou suas casas e impacientes por aquela gentinha bloquear o caminho.
Uma gentinha estranha e barulhenta, incluindo um bando de índios! Um ou outro motorista deve ter percebido, pelas faixas e palavras gritadas em coro, que ninguém reinvidicava um Brasil justo só para si, mas para todos.
Não há porque nos iludirmos: sem a adesão dos Indiferentes não vamos conseguir avançar.
Nos consola e incentiva a prosseguir, é um Gandhi, sozinho, fraco e pobre, indo buscar o sal que o império britânico proibia sua colônia, a Índia, de colher sem pagar. Em sua longa caminhada, Gandhi recebeu o apoio de uma multidão de indiferentes e fez o que fez. Mudou a história de seu país.
Também um Jesus que, embora borrabotas lá dos confins de judas, sem eira nem beira, enfrentou o império romano e, dois mil anos depois, conseguiu botar na cachola dos cabeças de vento que somos todos irmãos, fdps ou não. Os indiferentes só o seguiram muito, muito tempo depois.
Ou Buda que, quase três mil anos atrás, mostrou que o desapego é o caminho da cultura da paz, e foi o primeiro a lembrar que somos totalmente responsáveis pelo destino dos seres vivos, sejam plantas ou animais. Transformar ódio em paz, até alguns indiferentes já concordam com isso.
Então, não vamos esmorecer nem desanimar.
A História está do nosso lado. Dos mudadores. E os animais torcem por nós, com certeza. O destino deles é o nosso. Os indiferentes, um dia, despertarão e agirão para o fato de que somos todos responsáveis pelos que não podem falar.
Se falassem, seria apenas sobre amor, harmonia, convivência, justiça.
Fazer a diferença é não continuar sendo indiferente.
Ulisses Tavares tem um único orgulho, seu pecado e perdão: defender os animais, dentro de suas modestas limitações e possibilidades. Coisas de poeta.