O jornal Denver Post publicou neste mês de junho uma galeria do fotojornalista Ulet Ifansasti, que na cidade de Jacarta, Indonésia, esteve acompanhando os macacos treinados que fazem truques na rua. São, talvez, algumas das mais perturbadoras imagens que já vi na minha vida de jornalista e ativista pró-animais. Sujeira, miséria e degradação – social e moral, deixemos bem claro – de um país que, volta e meia, entra no pacote da ‘sabedoria oriental’, que tantos incautos angaria aqui no Ocidente. Nas fotos, eu apenas vi humanos presos às ratoeiras das consequências de sua própria superpopulação, o que entope esgotos – onde estes existem, vejo que é luxo, ainda – urbanos, arranca com mais voracidade tudo que está em preparação no rural e entorpece a maioria das pessoas, que são tocadas como gado por uma minoria ‘dois neurônio’ mais esperta. E para botar um pouco de luz, de cor e de alegria tênue nessa vida de tijolo vivo, basta treinar animais não-humanos para dançarem e vestirem roupas que os fazem parecer uma pessoa. Uma pessoa desajeitada, sem motivo para seguir em frente, exceto o castigo lá adiante, que não sabe se caminha de quatro ou em pé, que fala uma língua espasmódica, e tudo isso deve provocar diversão e lazer para os que estão acima, claro, dessa condição de animal pateta. O palhaço que escorrega para todos rirem, o personagem desafortunado da piada que vai de boca a boca, levando a baba da tradição oral inculta pelos tempos. A repetição do dia anterior, outorga para tudo que é feito cotidianamente.
E assim os macacos apresentam o show de sua vida sobre o concreto feio e sujo, música urbana. As roupas mimetizam glamour e decadência, aparência de importância e solenidade com uma existência qualquer-nota, e o que alguns aplaudem e dão moedas é o mesmo que outros percebem como a estrutura-raiz da humanidade. Subjugar o que está a seu alcance, enquanto pode. Confesso não imaginar os detalhes das técnicas para treinamento desses ‘truques’. Quando não treinados, permanecem na coleira, junto a um pote de esmolas. Mas o showbizz não para.
E muitas vezes quem luta pelos direitos animais escuta o mantra ‘vocês estão humanizando os animais’, como se houvesse degraus/castas bem definidos onde cada um deve ficar, e este aqui, por ser parecido comigo – mas não me chame de macaco que é ofensa! – vai ser um bobo-da-corte porque assim eu quero. Colocar roupas, cabelo, máscara de boneca em um animal, fazê-lo andar ereto, pilotar uma bicicletinha em meio às baganas de cigarro da calçada – eis o ‘humanizar’, da forma doente que a visão de dominação dita. E a antropomorfização serviu apenas para que o pai e mãe, que ali param para proporcionar aos filhos um instante de brilho em meio à caixa-de-gordura-entupida de suas vidas, eduquem seus rebentos a ver o animal não-humano como um alvo, um cabide, um acessório, uma engrenagem, um ralo para a humanidade.
E ensinam a não ver que há uma corrente bem presa no pescoço de cada um deles, e a ver que não há uma corrente bem presa no pescoço do macaco, pois assim a mágica parece verdadeira, e a vida, mágica.
Me parece que o detalhe cruel da máscara de boneca, antes de qualquer adorno circense-ilusionista, foi a saída que o humano-que-segura-a-corrente encontrou para tapar e tampar a expressão facial do animal-atração que ali se descobriu na tediosa e estressante sala de espera de sua própria morte.
As fotos estão em http://blogs.denverpost.com/captured/2011/06/02/in-focus-performing-street-monkeys/4478.