Foi estabelecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) o dia 21 de março como o Dia Mundial dos Glaciares, que começa a ser celebrado a partir desse ano, 2025. A ideia da efeméride é aumentar a conscientização para o papel vital dos glaciares (também chamados de geleiras), da neve e do gelo no sistema climático e no ciclo hidrológico. Além de ressaltar que é preciso combater os impactos do aquecimento global no derretimento dos glaciares.
Em 1971, pesquisadores fizeram uma descoberta surpreendente ao estudar o gelo da Groenlândia: as temperaturas na ilha aumentaram muito em curtos períodos de tempo há milhares de anos. A descoberta mostrou que o aquecimento abrupto poderia ocorrer em apenas algumas décadas e mudou a forma como eles pensavam sobre a mudança climática natural.
Atualmente, o mundo está passando por outra grande mudança, desta vez devido a atividades antropogênicas, não naturais. E os cientistas estão fazendo previsões sobre como o gelo e o degelo evoluirão em breve com o aquecimento das temperaturas.
Em um estudo recente na revista científica The Cryosphere, os pesquisadores modelaram a quantidade de geleiras que irão derreter até o ano 2100. Os resultados mostram que mais gelo desaparecerá do que o previsto no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Ipcc), geralmente considerado o consenso científico sobre o estado das mudanças climáticas.
“Temos um programa de campo em um glaciar na Suíça, onde voltamos e vemos o quanto derreteu, e as mudanças são absolutamente enormes”, comenta o autor principal e glaciologista Harry Zekollari da ETH Zurich (na Suíça) e da Vrije Universiteit Brussel (Bélgica).
A grande maioria das 200 mil geleiras do mundo também está mostrando sinais claros dos efeitos do aquecimento, diminuindo entre um metro e meio por ano, em média.
Previsão sobre o futuro dos glaciares
A simples contagem das perdas anuais de gelos de cada glaciar para prever a quantidade de gelo que restará não resultaria em previsões precisas. “Devido à forma como as geleiras fluem, elas respondem ao clima de forma não linear”, diz a glaciologista Lizz Ultee, do Goddard Space Flight Center da Nasa, que não participou do estudo.
Para levar isso em conta, Zekollari e seus colegas usaram dois modelos de computador para simular a física complexa de como as geleiras se movem e mudam de massa.
Primeiro, eles executaram os modelos para os anos entre 2000 e 2019, ajustando os parâmetros para melhor corresponder às mudanças previstas na massa e às reais. Estas últimas foram documentadas pela primeira vez em um artigo publicado em 2021.
“Agora temos observações de satélite de todas as geleiras do mundo que usamos para calibrar nossos modelos”, afirma o coautor e hidrólogo Rodrigo Aguayo, também da Vrije Universiteit Brussel.
Em seguida, a equipe executou as simulações até o final do século usando cenários climáticos baseados em quão bem o mundo reduz as emissões de gases de efeito estufa.
Os resultados mostram que, globalmente, entre ¼ e ½ do volume das geleiras será perdido até o ano 2100, dependendo da quantidade de aquecimento.
Por exemplo, se as emissões líquidas zero forem atingidas por volta da metade do século, a estimativa mais baixa se aplicaria, enquanto as emissões contínuas nos níveis atuais ou em quantidades ainda maiores resultariam progressivamente nas estimativas mais altas.
Em 2024, as Nações Unidas publicaram o mais recente Relatório de Lacuna de Emissões, 2024, que sugere que o mundo está se dirigindo para algum lugar no meio das emissões, se os países não mudarem para uma energia mais limpa com rapidez suficiente.
A equipe também calculou as perdas glaciais em escalas menores, que em muitos casos eram maiores. “Algumas regiões estão comprometidas a se tornarem quase totalmente livres de gelo, mesmo com um aquecimento limitado”, explica Zekollari.
Isso inclui as geleiras localizadas no oeste do Canadá, nos Estados Unidos, no leste do sul da Ásia e na Europa central.
O que acontece quando as geleiras desaparecem?
As perdas também podem ter impactos profundos sobre as pessoas que dependem dos glaciares para obter água. Aguayo observa que as porcentagens de perda de volume de gelo não se traduzem necessariamente em quanto o abastecimento de água poderia ser reduzido.
“Poderia ser pior”, diz ele, observando que a água de degelo poderia ser significativamente reduzida durante os períodos de seca em certas bacias hidrográficas onde as comunidades dependem delas para obter água potável.
As pessoas que não vivem perto das geleiras também podem ser afetadas pelo aumento do nível do mar. As geleiras do mundo retêm cerca de 30 cm de aumento do nível do mar e já elevaram o nível do mar em cerca de 1,5 cm nos últimos 20 anos.
“Não parece muito”, comenta a glaciologista Catherine Walker, do Woods Hole Oceanographic Institution, que não participou do estudo. Mas ela acrescenta: “Se começarmos a pensar sobre as realidades físicas de um lugar com uma tempestade de mais de 3 metros, acho que preferiríamos não ter um metro a mais vindo de todas essas geleiras derretendo.”
Os resultados da equipe são semelhantes às previsões de um modelo de geleira que os pesquisadores usaram em 2023. O modelo anterior também foi ajustado usando os mesmos dados específicos da geleira nos cenários climáticos mais recentes.
“Agora temos mais confiança nos números que podemos fornecer aos formuladores de políticas”, diz Zekollari.
Outra vantagem dos novos modelos é sua capacidade de fazer previsões em diversas escalas. “O fato de eles poderem modelar tanto a escala global quanto dizer o que acontecerá com geleiras individuais é incrível”, diz Walker.
O que pode acontecer se aquecimento continuar após 2100
Zekollari diz que, embora o estudo tenha se concentrado em fazer previsões até o final do século, as geleiras podem levar muito mais tempo para reagir completamente.
“Está claro que, em um prazo mais longo, perderemos muito mais”, afirma ele. Ultee ressalta que os fiordes gelados da Groenlândia já apresentam centenas de metros de perda recente de gelo. “É realmente impressionante de se ver”, acrescenta.
E, em outros lugares, o gelo glacial desapareceu, deixando para trás cenas desoladas de detritos rochosos.
Para os glaciares, que, de outra forma, conseguiram persistir por milhares de anos por meio de um equilíbrio delicado de ganho e perda, as mudanças também são extraordinárias.
“As geleiras não são uma característica permanente da paisagem”, diz Ultee. “Elas podem mudar muito rapidamente em escalas de tempo humanas e podemos ver isso acontecendo.
Fonte: National Geographic