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UNIÃO DE FORÇAS

‘Os direitos animais farão parte do nosso DNA’: entrevista com a vereadora de Bogotá Andrea Padilla

8 de novembro de 2021
John Edward Myers (Mongabay) | Tradução de Gabriela Souza
13 min. de leitura
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Foto: Divulgação

Após quase duas décadas na linha de frente da defesa dos direitos animais, a nativa de Bogotá Andrea Padilla ganhou uma cadeira no Conselho Municipal da capital colombiana.

Padilla foi impulsionada para a vitória em outubro passado graças a milhares de votos de ativistas dos direitos dos animais de Bogotá, muitos deles também vegetarianos.

Menos de um ano no cargo, Padilla registrou uma série de vitórias legislativas, mas continua sendo um para-raios de críticas, inclusive de conservacionistas.

Em uma entrevista exclusiva ao Mongabay, Padilla falou sobre suas origens como ativista, o momento em que parou de comer carne, sua jornada para a Câmara Municipal, o que fazer com os hipopótamos de Pablo Escobar e como ela planeja implantar seu poder político.

Andrea Padilla é uma vereadora de Bogotá de 42 anos. Ela tem Ph.D. em Direito, dois mestrados em Criminologia e Filosofia e um diploma de graduação em Psicologia. Sua tese de doutorado defende que os animais na América Latina não são simplesmente objetos, mas sim seres sensíveis cujos direitos devem ser protegidos por lei.

Padilla conversou com o Mongabay recentemente de sua casa em Bogotá, onde ela descreveu ser um lugar geralmente cheio de animais, porque ela é uma salvadora de gatos. Além de autoridade eleita, Padilla coordena a CER Gatos, organização voluntária que trabalha para capturar, castrar, resgatar e devolver gatos sem lar. Padilla também é professora universitária, vegana e escritora. Seu primeiro livro de não ficção será lançado dentro de um ano.

Mongabay: Como você se descreveria? Quem é Andrea Padilla?

Andrea Padilla: Eu sou um ativista em defesa dos direitos animais que deu o salto para a política eleitoral. Digo política eleitoral e não política, porque a vida já era política. Tudo o que alguém faz como parte de uma causa ou movimento é político. Acredito que, uma vez que alguém estabelece um papel de liderança e tem um profundo compromisso com uma questão, essa pessoa deve participar do processo de tomada de decisão e parar de delegar esse poder a outros.

Comecei como uma das pessoas seminuas nas ruas, marchando, atuando. Organizei manifestações. Os políticos fecharam a porta na minha cara quando os abordei pedindo ajuda. Isso foi anos atrás, quando rimos de nós, não tínhamos nenhum grau de seriedade ou importância. Comecei, como muitos, a acolher cães, gatos, a fazer trabalho voluntário aos fins-de-semana num abrigo.

Mongabay: Conte-nos mais sobre essas primeiras experiências formativas.

Andrea Padilla: Ter todas aquelas portas fechadas na minha cara foi uma experiência formativa. Ver que a maioria dos políticos não luta por causas, isso foi educativo. É fácil sentir nojo da política em um país como a Colômbia, com tanta corrupção e clientelismo.

Um dia, um gato entrou na minha vida. Nós a chamamos de Mayo, porque ela chegou em maio. Eu nunca tive um gato. Sempre tive cachorros. E esse gato mudou minha vida. Esse gato foi uma revelação, pois um dia estava cozinhando um frango e Mayo estava do meu lado no balcão. E enquanto segurava este frango, senti sua garra. E eu pensei comigo mesmo, este pé de galinha parece com o pé de Mayo, os mesmos ossos, os mesmos músculos, este é o mesmo animal, o mesmo ser. Naquele dia, tornei-me vegetariana.

Posteriormente me envolvi com a PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais). A PETA me mandava pacotes pelo correio com fitas VHS, panfletos, placas. Isso foi muito antes do surgimento da internet, mas eu só me lembro de ver esses vídeos e pensar comigo mesma “o dia que as pessoas virem isso, elas vão mudar de consciência!”

Mongabay: Quais imagens mais chocaram você?

Andrea Padilla: Os matadouros e os laboratórios onde testam cosméticos em animais.

Mongabay: E agora você é membro da Câmara Municipal de Bogotá?

Andrea Padilla: Correto. Fui eleita democraticamente em 2020 com 23.749 votos. E gastei menos de U$ 4.000 na campanha. Acredito que seja uma das campanhas mais baratas da história.

Mongabay: Como uma defensora dos direitos animais que virou política, quem são seus eleitores?

Andrea Padilla: Eu diria que cerca de 80% são tutores de animais domésticos e provavelmente perto disso, talvez menos, são vegetarianos. Acabei de ver um estudo que diz que 70% dos lares em Bogotá têm pelo menos um animal não humano. Isso é incrível. Outra tendência importante é que muitos jovens não estão interessados ​​em ter filhos. Eles consideram seu cônjuge ou companheiro e seu animal doméstico como sua verdadeira família. Agora temos famílias multiespécies.

Mongabay: O que você acredita estar no cerne do movimento pela defesa dos direitos animais, por que você se juntou a ele?

Andrea Padilla: Quando excluímos os animais e os discriminamos por pertencerem a uma espécie diferente, e pensamos que é normal sujeitá-los à crueldade e ao sofrimento, porque não falam como nós, raciocinam como nós, sentem, pensam, se comunicam, andam ou vivem como nós, geramos exclusão e malícia através da dor e do sofrimento. Fiquei interessada nesta causa por que acredito que é a base da bondade e da compaixão no mundo.

Mongabay: Você é muito criticada por quase todo mundo. Os ativistas em defesa dos direitos animais criticam você por não ser radical o suficiente. Muitos ambientalistas ou conservacionistas tradicionais criticam você por se preocupar muito com animais domésticos e não o suficiente com a fauna nativa e a vida selvagem. Por exemplo, o que vamos fazer a respeito do fato de que tanto os gatos selvagens quanto os domésticos matam bilhões de pássaros selvagens a cada ano?

Andrea Padilla: Dentro do movimento sou criticada por não ser radical o suficiente. E reconheço que às vezes sou pragmática, calculadamente pragmática, terrivelmente pragmática. Mas a vida é curta, os recursos são escassos e os problemas são numerosos. Veja as touradas em Bogotá. As pessoas ficaram chateadas por que as touradas não são totalmente proibidas. Não está dentro da nossa autoridade proibir as touradas, mas podemos regulamentá-las. Encurtamos a temporada de oito datas para três. Aumentamos seus impostos. Proibimos várias práticas cruéis usadas para atiçar e cutucar os animais. Tornamos ilegal a matança de touros na praça. E exigimos que os organizadores incluam informações sobre o sofrimento animal ao divulgarem os eventos. Isso para mim é uma vitória. Tornamos este espetáculo mais caro, menos atraente e, em termos de pragmatismo, quase o eliminamos.

Muitos ambientalistas me criticam por me preocupar apenas com os indivíduos e não com as espécies, populações ou ecossistemas. Isso também é falso. Preocupo-me com os ecossistemas e com a proteção de espécies e populações nativas e selvagens. No caso de gatos domésticos matando pássaros, o que acredito ser um grande problema, temos que garantir que nossos gatos sejam animais quase que completamente domésticos. Todos nós precisamos fazer sacrifícios e este é um que podemos fazer. Os gatos precisam viver principalmente dentro de casa. Se estiverem do lado de fora, devem estar em um ambiente gerenciado e sob supervisão muito próxima. No caso dos cães e gatos que vivem em zonas úmidas, como fazem aqui em Bogotá, eles devem ser retirados.

Com os gatos selvagens também existe uma solução. Em Barcelona e em outros lugares, as populações selvagens são castradas e depois liberadas em recintos com enriquecimento. Os espaços são administrados pelas autoridades municipais em colaboração com organizações sem fins lucrativos e outras entidades.

Mongabay: Outro assunto polêmico que atualmente recebe muita cobertura na Colômbia e em todo o mundo é este negócio dos hipopótamos de Pablo Escobar e seu impacto na biodiversidade nativa da Colômbia. Como chegamos aqui e por que os ativistas dos direitos animais e ambientalistas estão lutando por isso?

Andrea Padilla: A situação é que durante a década de 1980, o narcotraficante Pablo Escobar trouxe quatro hipopótamos para a Colômbia, obviamente com toda a cumplicidade do estado imaginável, porque de que outra forma você conseguiria trazer quatro hipopótamos para a Colômbia? Se as autoridades soubessem o que estavam fazendo desde o início, poderiam ter castrado o macho, e os hipopótamos nunca teriam se reproduzido. Mas como eles decidiram não se importar, como sempre fazem, em meados dos anos 90 havia cerca de 16 animais e acredito que três conseguiram escapar. Hoje estima-se que existam 80 indivíduos, provavelmente mais, porque é provável que as pessoas estejam criando hipopótamos em suas fazendas, em cativeiro.

Mongabay: E os conservacionistas, biólogos e ecologistas querem que os hipopótamos sejam exterminados porque estão causando estragos na biodiversidade aquática e nos ecossistemas nativos do rio Magdalena?

Andrea Padilla: Uma das coisas que aconteceram como parte dessa saga é que em 2009, o Ministério do Meio Ambiente e a autoridade de gestão ambiental regional CorMacarena emitiram licenças para caçadores de uma fundação local – ironicamente chamada de Fundação Vida Selvagem – para “capturar” os hipopótamos fugidos, o que, é claro, significava que esses caras iriam lá e simplesmente começariam a atirar neles.

Então, eles vão lá e matam este enorme hipopótamo chamado Pepe. Depois de matá-lo, ocorre a esses caras que eles deveriam tirar uma foto posando com Pepe para mostrar seu feito heroico. Isso gerou todo tipo de indignação pública. E isso me fez perceber: “Uau, talvez na Colômbia haja um pouco mais de empatia do que eu pensava”. No mínimo, há uma certa rejeição a essa atitude atrevida que diz que não há problema em posar com um animal morto como troféu. Essa indignação resultou em uma decisão legal de impedir o que, de outra forma, seria um extermínio em massa dos animais.

Eu entendo e compartilho as preocupações das pessoas sobre a importância dos ecossistemas e das espécies nativas. A conservação da natureza merece toda a atenção de todos. O que considero moralmente inaceitável é que não houve sequer uma discussão. Uma das coisas boas sobre todo o inferno que criamos em nome dos direitos animais é que isso fez com que os ambientalistas – os que gritavam “matem os hipopótamos!” – moderassem seu grito de guerra e sentassem-se à mesa. E isso é uma vitória. Não vamos ter um assassinato em massa, vamos ter uma discussão e uma solução mista.

Mongabay: Qual é a solução mista?

Andrea Padilla: Estamos falando agora de três opções, uma combinação delas eu acredito que funcionará. Primeiro, castração. Cirúrgica e química. Visto que o produto químico precisa ser readministrado, a solução cirúrgica é a melhor solução a longo prazo. Em segundo lugar, é algum tipo de espaço natural fechado.

Mongabay: Um parque de hipopótamos?

Andrea Padilla: Sim, poderia ser uma espécie de parque de hipopótamos. E terceiro, teremos que sacrificar alguns. Esta solução mista permite controlar a sua reprodução e natalidade, controlar a sua distribuição geográfica e reduzir o sofrimento aos animais e aos humanos, porque não se esqueça que existe uma população humana que se beneficia destes animais através do turismo. Mas sim, alguns terão que ser mortos. Esperançosamente, o mínimo possível, e depois que todas as outras opções viáveis ​​tiverem sido exauridas, mas em alguns casos, isso deve ser feito. Todos nós temos que fazer concessões.

Mongabay: Embora você desperte a ira de muitos ambientalistas, suas vitórias e propostas legislativas estão diminuindo o comércio de vida selvagem e abordando as mudanças climáticas, isso está correto?

Andrea Padilla: Sim. Em janeiro deste ano, aprovamos uma medida que proíbe a venda de animais vivos, o que inclui pássaros enjaulados, em todos os cinco mercados públicos da cidade. Durante anos, fui atormentada pelas condições horrendas desses mercados, devido aos riscos que eles geram para a saúde humana e o bem-estar animal.

Também vale a pena ressaltar que dentro de um ano, a venda de pássaros engaiolados em Bogotá será proibida em todos os lugares da cidade. E que também aumentamos o financiamento e melhoramos as instalações para a reabilitação da vida selvagem em Bogotá.

Sobre o clima, no final do ano passado, aprovamos um projeto para declarar uma emergência climática em Bogotá. Além disso, passamos a frota de Transmilenio (ônibus) para veículos elétricos e tomamos outras medidas, falamos: “e o consumo de carne?” Essa nós recebemos resistência. E antes que eu percebesse, estávamos falando sobre soluções diluídas: usar canudos de papel; tomar banhos mais curtos; não tirar o carro com tanta frequência, etc, etc. Todas essas coisas são ótimas, mas vamos lá. A agricultura de base animal e o consumo de carne são os principais motores das mudanças climáticas e do desmatamento. Como uma capital, com milhões de pessoas tomando milhões de decisões por dia, podemos fazer algo a respeito.

Então, inserimos dois artigos no acordo climático. A primeira é para o desenvolvimento de um programa de cardápio ético, saudável e sustentável para todos os entes públicos. O programa reduz o consumo de carne ao fornecer uma alternativa vegetariana e vegana em todas as funções e entidades públicas (como escolas e penitenciárias) no distrito. Também introduz um currículo nas escolas para que as crianças aprendam sobre as emissões de carbono e os impactos ambientais da criação de animais para consumo humano. E que, sim, no processo de criação, transporte e abate, esses animais sofrem.

O segundo é um programa chamado “segundas-feiras sem carne”. A ideia é que o bairro gere campanhas para que as pessoas se conscientizem mais dessas questões, que comer animais impulsiona mudanças climáticas, desmatamento, perda de biodiversidade e causa sofrimento.

Mongabay: E é uma decisão voluntária que as pessoas podem tomar quanto a comer ou não carne às segundas-feiras, ou você vai mandar as pessoas para a cadeia se o fizerem?

Andrea Padilla: Cem por cento voluntária. Não estamos proibindo o consumo de carne às segundas-feiras nem mandando ninguém para a prisão. Estamos educando as pessoas sobre os benefícios de desistir de comer carne uma vez por semana e, se quiserem, a decisão é delas.

Mongabay: Você e os ativistas em defesa dos direitos animais na Colômbia agora são uma força política a ser considerada. Como você implantará essa força nas próximas eleições presidenciais e além?

Andrea Padilla: No momento estamos aguardando uma decisão judicial sobre o desenvolvimento da proteção animal em nível nacional. Isso é algo estabelecido no Plano de Desenvolvimento Nacional do presidente Iván Duque. Mas, como esses caras andam fazendo besteiras há dois anos, nada aconteceu. Portanto, tivemos que entrar com uma queixa contra eles e estamos aguardando a resposta.

No que diz respeito às eleições, pertenço à Alianza Verde (Aliança Verde). Eu vejo como meu papel desenvolver a agenda dos direitos animais do partido.

Mongabay: A Aliança Verde terá uma agenda de direitos dos animais?

Andrea Padilla: É nossa obrigação. Como podemos ser a Aliança Verde sem uma agenda de direitos  animais? Até agora, a discussão em nível nacional tem sido muito fraca. Eu vejo como meu dever mudar isso. Os direitos animais farão parte do nosso DNA. Os direitos animais são importantes para o eleitor, a mídia está prestando atenção e nossa relevância política cresce a cada dia.

Mongabay: Obrigado por seu tempo. Mais alguma coisa que você gostaria de compartilhar?

Andrea Padilla: Só gostaria de dizer obrigada e que tudo isso realmente se trata de entender que todos têm um lugar neste mundo. Que todos nós queremos muitas das mesmas coisas. Ter comida, água, ar, sol, um lugar para morar, estar com nossos entes queridos, nossas famílias, para estarmos seguros. Saber que nossas vidas são importantes.

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