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Os animais têm que permanecer amarrados

3 de dezembro de 2011
3 min. de leitura
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corrente cachorro
Pois os humanos têm o estranho fascínio de conter os animais não-humanos, acorrentar, acoleirar, prender, confinar, amarrar, colocar grilhões, cabresto, para impedir a livre movimentação. Para impedir que vá embora. Para manter dentro das fronteiras de sua propriedade. Para a ave que ainda pode escolher a rota de vôo, e especificamente pode voar, há uma que vê o mundo através das gradezinhas de um aquário – uma gaiola, olho como o derradeiro fiapo de liberdade. Cardumes rodam sem mapa de navegação, mas os atuns já ganharam seu chiqueiro, para que não saiam das bordas de um proprietário, tolhidos da possibilidade de, oceano extenso, ir em frente. Mas não se permite.
Se o cachorro não está a fim de andar, a coleira resolve essa insubordinação, e seu dono-tutor-feitor sai para passear no sábado de manhã, de abrigo e óculos escuros. E dá-lhe patinhas acompanhando o passo, mais uma das coisas que não escolheu em sua vida de eletrodoméstico-que-aprendeu-a-fazer-xixi-no-jornal. O cachorro sortudo, porque o azarado vai permanecer preso no pátio até o dia que morrer, com horizontes limitados ao comprimento da corrente que – em um momento magnânimo – for comprada para ser presa a seu pescoço. São pessoas que gostam de animais.
Basta abrir os olhos durante o fluxo de trânsito – é um desafio, pois a maioria se recusa a abrir os olhos, e podem reagir com violência à insistência – para ver o cavalo preso pela boca, cabeça, pescoço e tronco, puxando uma carroça que não lhe devolve sequer comida e água em troca da perda da liberdade e do terror diário na zoeira urbana, chicote e chutes pontuando a lembrança do ‘quem é que manda em quem’. Lhe resta andar para frente, puxando o peso da inércia social e do remorso engessado em quem diz ter pena do cavalo, do carroceiro, dos filhos do carroceiro, da égua grávida que capotou no asfalto, dos meninos no sinal, dos velhinhos no asilo, etc. Que a configuração dos astros ou whatever lhe permita ser manso durante o jogo de xadrez das ruas entupidas, pois para muitos cavalos assustados com os automóveis, a solução é ter o olho esquerdo perfurado ou queimado. Ele abriu os olhos demais, enquanto outros se recusam a enxergar, presos atrás de um monitor de computador, presos à pressão do círculo social, às ordens dos pais ou do cônjuge, à vergonha de se perceber sentindo o que o vizinho não sente.
Na pecuária, o gado vai, ou vem, inclusive vem a este mundo, sob os desígnios de um cara de chapéu, chamado de doutor pelos peões – intermediários entre dono e gado, embora não percebam. Uma argola no nariz da vaca, piercing à força, e docilmente ela se dirige ao lugar correto, ou faz a pose certa para os fotógrafos, quando alguma autoridade quer fazer cafuné na cabeça dela, durante a abertura de alguma feira de agronegócio. A vitela – pauta de emails enviados por muita gente que acha um horror, mas come carne sem grilo – é o ponto máixmo do desenvolvimento da arte de prender um animal e lucrar com cada vez menos espaço, valendo tickets de supermercado cada vez maiores, lá adiante. Em todas as situações, o aferrolhamento dos não-humanos como segurança para os humanos, no financeiro, no ‘desenvolvimento econômico, social e geração de empregos e renda’, no lazer e na masturbação do paladar diário.
Levar as crianças ao zoológico é desfilar perante o conceito de que as feras ficam presas, para nossa segurança. Até há as feras gentis, mas é melhor não confiar. As que parecem gente, parece até que nos entendem, parece que sabe que estamos falando delas, parece mesmo que estão nos olhando nos olhos.

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