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Os animais nos programas de auditório e variedades – parte 1

4 de março de 2011
5 min. de leitura
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A presença dos animais nos programas de entretenimento na TV aberta é algo constante e muitas vezes preconceituoso. Poderia citar diversos casos aqui, porém foram escolhidos dois vídeos que ilustram bem a forma com que os animais são retratados nos programas de entretenimento. Esta categoria é dividida em diversos gêneros; agora serão citados os de auditório e variedades. Os vídeos são das duas emissoras mais influentes da TV aberta: Rede Globo e Rede Record.

De acordo com o site do Hoje em Dia, da Rede Record, o programa possui o gênero de Variedades e tem o objetivo de divulgar “notícias, prestação de serviços e entretenimento na medida certa, que dão o ritmo deste programa concebido a partir do mais nobre compromisso da comunicação: informar e formar a opinião pública, sem perder de vista a opção de lazer que muitos buscam na telinha”.

Esse misto de formatos é uma das características do gênero de Variedades. Atualmente estes gêneros dispensaram a plateia (exemplo destes programas diários matinais) e trazem informações atuais, dicas para o telespectador, além da culinária. Assim, o Hoje em Dia traz diversos conteúdos para o público. No caso dos animais, muitas vezes, é apresentado o animal como ser inferior ao humano. Essa inferioridade aparece de forma sucinta como o emprego da palavra dono e a necessidade imposta aos animais como se fosse uma real necessidade dos animais.

Um exemplo disso é a matéria divulgada no dia 5 de março de 2010 intitulada de “Animais procuram namorados pela internet” (http://noticias.r7.com/videos/animais-procuram-namorados-pela-internet/idmedia/817df76044c73a4a544d198f817d468d.html). Diversos animais (inclusive silvestres como um gorila e um avestruz) são apresentados e suas histórias contadas mostrando do porquê de eles estarem procurando um amor. Vale ressaltar que esta análise não falará dos animais silvestres, no entanto é bom lembrar que animais em zoológicos, animais de criação e em outras formas de utilização para fins humanos (alimentação, diversão…) não demonstrarão seu comportamento normal já que estão presos. Um animal enjaulado pode parecer menos deprimido se um parceiro, ou parceira, estiver com ele. Porém ele não será mais feliz com esta atitude. Talvez uma ave silvestre, por exemplo, pareça mais contente (esta noção de contente é relativa, já que tem como base a felicidade humana que não é igual à dos animais) vivendo com outra ave do gênero oposto ao seu. No entanto, os proprietários (neste caso pode ser usado a definição de propriedade já que estes bichos não passam de coisas para os criadores) não conhecem como aquele animal reage quando está realmente feliz (de acordo com a própria espécie).

Na parte final do vídeo é apresentado uma pessoa que criou um site de relacionamento para cães. A criadora do site afirma que teve a ideia de elaborar esta página já que não existia nada neste segmento e queria arrumar um namorado para sua cachorra. A matéria, além disso, mostra que Nina, sua tutora é a criadora do site, arrumou um namorado e que outra cachorra também está a procura de um pretendente. A apresentação da matéria mantém as mesmas estruturas de uma matéria normal. No entanto, a escolha da própria matéria já é algo a ser questionado. Os animais namoram, eles possuem esta necessidade de namorar? O conceito de namoro, tem aqui o significado que possui destinado aos humanos. Em primeiro lugar, os animais só mantêm relação sexual quando estão no cio. Eles podem conviver no mesmo local, brincar, correr…, mas esse não é o significado de namoro que a matéria atribui. Este namoro pode ser definido como o cruzamento entre duas espécies. Consequentemente a geração de novos animais. Estes novos bichos serão vendidos e as mães, grande parte delas, são mantidas como produtoras de novos animais para geração de lucro. Ou seja, uma pequena atitude de divulgação de site de namoro de cães resulta na divulgação de uma cruel indústria: do comércio de animais.

Somente o aspecto da compra de animais já é algo a ser analisado. Primeiro vem a questão de quem produz esses animais. Pode-se chamar de produção já que eles são vendidos, ou seja, são encarados como produtos. Existem exceções, mas grande parte das pessoas que compram animais estão comprando um objeto, uma propriedade. Assim, quando aquele objeto não tiver mais valor será jogado fora. Outra questão está relacionada aos maus-tratos. Algumas pessoas ficam com os bichos, mas não alimentam, não cuidam da saúde e do bem-estar deles. Outras, machucam, batem, queimam e diversas atitudes cruéis que não precisam ser citadas aqui.

A venda de animais está relacionada diretamente ao número crescente de abandono e de maus-tratos. Essas informações foram citadas nesta parte para ser avaliada a repercussão que uma reportagem deste tipo num programa de variedades (onde o público é muito diverso) pode ocasionar. Algumas pessoas podem pensar: “Ah, tenho dois cães de raça e estou sem dinheiro, então vou cruzá-los e ter o meu próprio dinheiro sem sair de casa”. Essa é apenas uma suposição, mas com certeza bem atual.

O conteúdo mostrado no pequeno trecho que fala sobre o site de relacionamento de animais mostra como os recursos utilizados (união das imagens, texto da repórter e trilha sonora) fazem com que aquela atitude possa ser algo considerado natural. A própria trilha remete a um tom de descontração, de diversão. A venda de animais é algo comum, porém não é algo moralmente válido. E a matéria não mostra este lado. Fala sobre o namoro de cães e mostra o site para que os interessados procurem a página.

Como afirma Marcondes Filho (1988), a televisão reforça algo que já existe nas pessoas, na sociedade. A cultura da venda de animais é algo histórico no Brasil. No entanto, existe o outro lado. A venda de animais representa uma triste indústria que também traz consequências diretas para a população: os bichos soltos nas ruas, as doenças transmitidas por eles,… A matéria divulga uma atitude normal na sociedade, mas caberia também mostrar o outro lado.

O programa Hoje em Dia também divulgou, dias antes da veiculação desta matéria, no dia 1° de março de 2010 o problema do abandono de animais em Belo Horizonte. Não é objetivo analisar este vídeo, no entanto vale ressaltar que na matéria não se falou sobre a venda de animais. Um assunto está relacionado ao outro, porém mesmo sendo divulgado em datas próximas uma informação não foi ligada a outra dando a entender que são assuntos bem diferentes.

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