Uma nova tecnologia poderá acabar com os testes em animais no futuro. Trata-se dos chamados organ-on-a-chip (órgãos em chip, em tradução livre), dispositivos feitos de materiais sintéticos que imitam a estrutura e o funcionamento de órgãos humanos.
Embora ainda seja incipiente, ela vem ganhando importância no mundo todo e a novidade já começa a ser empregada por farmacêuticas, em ensaios preliminares. No Brasil, está sendo usada por algumas universidades e instituições de pesquisa em estudos sobre toxicologia e doenças.
“Além de eles serem eticamente mais aceitáveis, os testes em animais muitas vezes não replicam perfeitamente a biologia humana, algo muito importante em áreas como a toxicologia e o desenvolvimento de novos medicamentos, onde a previsibilidade e relevância dos modelos são cruciais para a eficácia do tratamento”, explica Lionel Gamarra, pesquisador do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein.
Como funcionam os órgãos em chip
Os organ-on-a-chip são pequenas placas contendo minúsculos canais, que simulam vasos revestidos com células humanas do órgão que se deseja estudar – por exemplo, células cardíacas, hepáticas ou pulmonares. Por meio de várias técnicas, elas são depositadas ali de forma que cresçam e se organizem imitando a arquitetura e o ambiente físico do tecido real.
Através desses microcanais é possível controlar, por exemplo, o aporte de nutrientes e medicamentos, replicando o fluxo sanguíneo e a dinâmica dos fluidos corporais. As células também são submetidas a estímulos mecânicos e químicos que imitam as forças presentes no corpo humano, como a pressão sanguínea ou a expansão e contração dos pulmões. Sensores monitoram as respostas celulares, fornecendo dados em tempo real sobre processos como a troca de gases, a resposta a medicamentos e a interação celular.
“Essa abordagem permite que as células se comportem de maneira muito semelhante ao que fariam em um organismo vivo, facilitando a observação de funções fisiológicas complexas e a replicação de doenças em um ambiente controlado e observável”, explica Gamarra. “Isso permite aos pesquisadores observar as respostas celulares em condições controladas, oferecendo uma alternativa ao uso de animais em testes de medicamentos e estudos de doenças.”
Desse modo, a técnica pode ser usada em testes de eficácia e toxicidade, reduzindo custos e o tempo de desenvolvimento, bem como para avaliar a toxicologia e segurança de produtos químicos e cosméticos, entre outros. “Assim, esses dispositivos oferecem uma plataforma mais ética e, muitas vezes, mais relevante para o estudo de doenças humanas e a avaliação de novos tratamentos.”
Além disso, essa tecnologia possibilita estudar doenças criando modelos específicos para patologias como o câncer ou as neurodegenerativas, e ainda abre caminhos para a medicina personalizada, já que se pode criar modelos baseados nas células de um paciente específico para entender sua resposta ao tratamento e à toxicidade dos remédios.
Gargalos
No entanto, o uso desses dispositivos esbarra em algumas limitações. “Apesar dos avanços, ainda não conseguimos replicar completamente a complexidade de todos os órgãos e as interações entre diferentes órgãos ou sistemas do corpo. Há também dificuldades em interpretar resultados complexos, especialmente quando se tenta correlacionar esses dados com o esperado em humanos.”
Outro problema é a ausência de padronização de protocolos para a execução dos estudos, semelhante ao que já existe para modelos com animais, o que pode resultar em variações nos resultados devido, em grande parte, às lacunas na legislação e à falta de diretrizes regulatórias. Há também os elevados custos associados aos modelos.
“Mas a tecnologia está sendo vista com crescente interesse e tem grande potencial de expansão, e há um esforço contínuo para superar essas barreiras e ampliar sua aplicação. À medida que se torna mais refinada e acessível, e com o desenvolvimento de diretrizes regulatórias, espera-se que seu uso se torne mais rotineiro”, diz Gamarra.
Fonte: Metrópoles