A invasão e retirada de animais do Instituto Royal, em São Roque (SP), colocou em evidência o debate sobre a necessidade de se usar bichos em testes de laboratório. A oposição dos ativistas é ainda mais forte em relação aos experimentos voltados à pesquisa de produtos cosméticos, já que estes não têm a finalidade de melhorar a saúde.
Porém, quem busca alternativas de produtos cosméticos que não tenham sido testados em animais tem tido dificuldade de encontrar informações confiáveis sobre o assunto. A bancária Adriana Antoniolli Iatauro, de 41 anos, conta que sempre procura saber se os produtos que usa são testados em cobaias, mas não consegue encontrar todas as informações que procura. “Assim como tem o selo dos orgânicos, poderia ter um selo dos produtos não testados em animais. Sem dúvida, seria minha preferência”, diz.
A assistente administrativa Tauani Scansani do Nascimento, de 27 anos, conta que também se preocupa com essa questão. “Seria bom que houvesse uma regulamentação para que as empresas informassem se usam ou não animais”, diz Tauani. Ela acrescenta que, depois do episódio do Instituto Royal, as pessoas começaram a discutir mais sobre o assunto e ela ouviu dizer que algumas das marcas que usava eram testadas em cobaias. “Fiquei muito chateada, mas vou abrir mão de usar esses produtos”.
Tanto Tauani quanto Adriana buscam informações sobre o tema nos sites das organizações de defesa dos animais. Enquanto essas instituições criam listas de empresas que desenvolvem seus produtos sem cobaias, a indústria afirma que praticamente não recorre mais aos testes com animais.
Indústria x organizações
De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), João Carlos Basilio, a indústria brasileira de cosméticos não realiza testes em animais há muitos anos e também não contrata o serviço de outras instituições que realizem esse tipo de trabalho.
“O que ocorre é que muitas matérias primas que ainda hoje são usadas, lá atrás provavelmente foram testadas em animais e assim ficou comprovada sua segurança”, diz Basílio. A Abihpec representa 94% das indústrias de higiene e cosméticos do Brasil.
Para o biólogo Frank Alarcón, representante no Brasil da organização Cruelty-Free International, essa informação carece de provas e “vai na contramão daquilo que se discute amplamente em todo o globo”. “Esse comentário dá a entender que ou o Brasil está décadas à frente da indústria cosmética internacional ao não usar animais, ou que as empresas daqui obtêm seus ingredientes cosméticos de empresas no exterior que testam em animais”. A organização luta pelo banimento dos testes com animais na área de cosméticos.
Segundo Basílio, a segurança dos produtos brasileiros é constatada por testes “in vitro” e por testes “in vivo”, em voluntários humanos. Informações de testes feitos anteriormente também são utilizadas para garantir que determinada substância não será prejudicial.
Selos de organizações
Como não existem selos oficiais que garantam que determinado produto não tenha sido testado em animais, organizações internacionais como a Cruelty-free International ou a Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) desenvolveram seus próprios mecanismos de identificar empresas que produzem cosméticos sem o uso de cobaias.
A Cruelty-free criou o selo “Leaping Bunny” (“coelho saltitante”, em inglês), que concede a empresas que se comprometem a não realizar testes em animais e não comprar ingredientes de fornecedores que tenham essa prática. Segundo Alarcón, cada empresa passa por uma auditoria independente para verificar se está de acordo com as normas da organização. Os nomes das companhias podem ser consultados no site da ONG.
Marcas que aparecem na lista de aprovadas pela Peta concordaram em assinar uma declaração de que nem elas, nem seus fornecedores, conduzem ou encomendam testes em animais para avaliar a qualidade dos ingredientes ou da formulação final do produto. A organização desenvolve uma campanha chamada “Beauty without bunnies” (Beleza sem coelhos).
A ONG Projeto Esperança Animal (PEA) também criou uma lista própria de empresas brasileiras que não utilizam animais. As que aparecem na lista da PEA enviaram uma declaração à ONG em que garantem não utilizar cobaias.
Algumas empresas declaram espontaneamente que não fazem testes em animais para a produção de seus cosméticos. Porém, como não há uma norma que regulamente esse tipo de afirmação, isso pode ter significados diferentes, de acordo com Alarcón.
Esse tipo de declaração em produtos pode significar, por exemplo, que a empresa não testa o produto final em animais, mas compra de outras indústrias ingredientes que passaram por testes em cobaias. Ou pode significar que todos os componentes foram desenvolvidos, desde a origem, sem o uso de animais.
De acordo com Basílio, da Abihpec, o próprio setor não tem interesse em criar um selo para certificar que determinada marca não testa seus produtos em animais. “Poderia até ter essa informação na embalagem, mas nós não entendemos que seria um diferencial que poderia trazer mais vendas porque ninguém faz esses testes”.
Métodos substitutitvos
Testes que buscam identificar a ação de cosméticos na pele ou nos olhos já possuem métodos validados que substituem o uso de animais.
Apesar dessa limitação, segundo Alarcón, há um grande banco de dados de mais de 20 mil produtos que já têm sua segurança comprovada e que podem ser usados na composição de novos cosméticos de modo que os produtos não precisem de mais testes.
Para o médico veterinário Marcelo Weinstein Teixeira, membro da Comissão de Ética,Bioética e Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), seria importante que houvesse um selo oficial para marcas de cosméticos que não realizam testes em animais. “O público leigo tem que ter acesso a informações confiáveis nos rótulos”, afirma.
Leis diferentes
Em março deste ano, a União Europeia determinou o banimento total do uso de testes em animais para produtos cosméticos comercializados na região. Desde março de 2009, os experimentos com cobaias para esses produtos já eram banidos, com exceção de alguns testes que ainda não apresentavam alternativas às cobaias. As empresas terão cinco anos para se adaptar.
Já na China, a situação é contrária. Por lei, o país não pode produzir nem importar produtos cosméticos que não tenham sido testados em animais. O país entende que só dessa forma a segurança de um produto é garantida. Por esse motivo, empresas que têm interesse no mercado consumidor chinês resistem a abandonar os testes com cobaias.
No Brasil, os testes em animais para produção de cosméticos não são proibidos, mas também não são obrigatórios, como na China. “No âmbito da Anvisa, não há exigência expressa para o uso de animais em testes, mas sim da apresentação de dados que comprovem a segurança dos diversos produtos registrados na agência. Métodos alternativos são aceitos desde que sejam capazes de comprovar a segurança do produto”, afirma a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em nota.
Segundo a Abihpec, porém, existe ainda um produto que a Anvisa exige que seja testado em animais. De acordo com a Portaria nº 1.480, de 31 de dezembro de 1990, do Ministério da Saúde, os componentes utilizados nos absorventes higiênicos devem passar por testes em coelhos. Desde 2005, algumas indústrias obtiveram autorização da Anvisa para não realizarem esse tipo de procedimento.
Fonte: G1