“Eu quero o seguinte: eu quero uma fazenda no Pantanal em que tenha onça e que eu possa caçar. Porque eu quero me aposentar caçando.” A declaração foi gravada em uma conversa telefônica, com autorização da Justiça, em Mato Grosso do Sul.
As escutas deram pistas para que os policiais chegassem à fazenda no Pantanal onde estava acontecendo um safári. O flagrante foi na semana passada. Onze homens foram presos.
Um fim inesperado para o paraguaio e os quatro argentinos que esperavam se divertir caçando no Brasil. Eliseu Sicoli e Marco Antônio Melo vendiam o pacote de caça à onça. De preferência a pintada, mais rara. Na falta dela, a parda. As duas na lista de animais em extinção no Brasil.
A agenda dos caçadores estava sempre cheia. Entre os clientes, muitos estrangeiros. A quadrilha ganhava por animal morto. Para matar uma onça pintada, por exemplo, cada caçador desembolsava cerca de US$ 1500.
Onças com filhotes eram abatidas
O grupo caçava em três estados, no Pantanal em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná. Os caçadores usavam armas caras, novas e potentes.
“Esse aqui é o revólver calibre 38, para você ter uma noção do tamanho das munições. São munições de altíssima potência”, afirma o agente federal Paulo André Norte. Ele conta que essa arma é capaz de derrubar qualquer animal.
As onças eram abatidas sem perdão. Mesmo que tivessem filhotes, como mostram algumas fotos. Todas guardadas como registros cruéis.
“Não existe explicação para um prazer mórbido deste de abater o animal por abater. Eles tiravam centenas de fotos e na maioria das vezes tiravam o couro para guardar como troféu”, diz o delegado da Polícia Federal, Alexandre do Nascimento.
Em uma das ligações, o cliente aponta defeitos no couro curtido. O negociador pede calma, garante que vai substituir e explica como. “Na verdade é o seguinte, tem duas fêmeas, uma que morreu, e a outra que está viva. Eu pensei até em dar um jeito de ela morrer no meio do transporte”, diz um caçador.
Cães de caça
No terreno onde estão os cães que foram apreendidos com os caçadores, perguntou-se a Gilberto Costa, chefe do Ibama-MS, de que raça são os animais: “Estes cães são da raça foxhound americano, que é empregada justamente para fazer este tipo de caça”.
Os cães eram treinados por Marco Antônio, preso na operação. Ele é filho de um personagem-chave nessa história: um certo “Tonho da Onça”, hoje procurado pela polícia. Era apresentado pelo filho como funcionário do Ibama. O que seria uma garantia de que os clientes poderiam caçar sem ser importunados pelas autoridades.
Suspeito se diziam ambientalista
Mas Tonho da Onça nunca trabalhou para o Ibama. Para o público em geral, ele costumava se apresentar como um ex-caçador que mudou de lado. Dizia ajudar ambientalistas a capturar onças e colocar um equipamento capaz de dar a localização exata do animal, como na reportagem, gravada há 14 anos.
Um ano depois da reportagem, a onça protegida foi morta por caçadores. O colar emite sinais de rádio que são recebidos e armazenados nos computadores dos ambientalistas. A polícia não acredita que Tonho tivesse acesso a estas informações. Mesmo assim, no ano passado, três onças com o equipamento foram mortas por caçadores.
“Eu diria que o personagem saiu do quadrinho e veio para a realidade. Esse é o verdadeiro amigo da onça”, diz o chefe do Ibama-MS.
Pela gravidade dos crimes, os onze presos não têm data para sair da cadeia. As buscas por Tonho da Onça continuam. “Ele está escondido no Pantanal, região em que ele mais atuava, e estamos à procura dele”, afirma um policial.
Mesmo com as prisões, os ambientalistas acham que ainda não é o fim das caçadas. “Na questão do Pantanal, existe uma tradição de caça de onças. A gente tem esperança que, antes que acabe o bicho, a gente consiga mudar alguns padrões tradicionais”, diz o coordenador executivo da ONG pró-carnívoros, Ricardo Bulhosa.
Assista ao vídeo da reportagem:
Fonte: G1