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OTIMISMO

ONGs celebram retomada no Senado de PL que proíbe exportação de animais vivos

A Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) há anos se dedica ao combate à exportação de seres vivos, tendo inclusive levado essa batalha para a Justiça

3 de setembro de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
11 min. de leitura
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Bois embarcados no Brasil são transportados amontoados em meio aos próprios excrementos dentro de navio (Foto: Magda Regina)

O Senado irá debater um projeto de lei que proíbe a exportação de animais vivos e isso tem sido visto com otimismo por ativistas, ambientalistas e entidades de direitos animais, incluindo a Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA), que há anos se dedica ao combate à exportação de seres vivos, tendo inclusive levado essa batalha para a Justiça (relembre abaixo).

Dentre as associações que somam forças com a ANDA nessa luta, está a Mercy For Animals (MFA). A advogada Paula Cardoso, integrante da equipe jurídica da MFA, considera importante esta discussão ser levada ao Senado porque o tema que trata sobre exportação de animais vivos é prioritário.

“A decisão da Comissão de Direitos Humanos do Senado é fruto da iniciativa de uma cidadã que obteve um resultado muito expressivo por conta de milhares de pessoas”, afirmou Paula. Ela se refere à aprovação, por parte da Comissão de Direitos Humanos, de uma sugestão legislativa que visa proibir a exportação de animais vivos destinados ao consumo humano.

A SUG 30/2018, apresentada pela cidadã Norah André, do Rio de Janeiro, ao portal e-Cidadania, foi relatada pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) e agora será analisada como projeto de lei. Na sugestão, Norah argumenta que os animais sentem dor e medo, comunicam-se, têm sentimentos e consciência de sua existência. Ela lembra que a Constituição atribui ao Estado o dever de garantir a dignidade dos animais e impedir que sejam objeto de crueldade.

Relatório Live Export

Neste ano, a MFA lançou o relatório Live Export por meio do qual informou que mais de 800 mil bois vivos foram exportados por via marítima em 2019 e 2020 partindo do Brasil para países do Oriente Médio e Norte da África. Os animais estavam confinados em navios que muitas vezes não foram construídos para essa finalidade, em espaços minúsculos e em condições insalubres.

A MFA lançou um manifesto pelo fim da exportação e mantém no ar o site Exportação Vergonha (conheça aqui) com uma petição que já alcançou mais de meio milhão de assinaturas pedindo o fim desta prática.

ANDA move ações contra exportação de animais

A Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) entrou com duas ações contra a exportação de animais. A primeira, feita em conjunto com a Associação de Proteção Animal de Itanhaém (AIPA), solicitou a interrupção das operações no porto de Santos com base nas implicações ambientais e nos crimes de maus-tratos registrados durante o embarque feito pelo porto em dezembro de 2017.

O pedido das entidades foi aceito pelo desembargador Luis Fernando Nishi, que determinou a suspensão imediata das operações no porto no final de janeiro deste ano. Dias depois, entretanto, a liminar foi derrubada por um recurso impetrado pela Advocacia Geral da União (AGU) e o navio seguiu viagem.

A segunda ação, movida exclusivamente pela ANDA, foi contra os embarques de animais vivos no porto de São Sebastião. Devido à existência de outras duas ações contra tais operações no porto que tinham como foco os maus-tratos contra os animais, a ANDA optou por usar o enfoque ambiental como fundamento para se opor à exportação de animais vivos em São Sebastião.

Após a ação ter extraviado, a ONG impetrou um mandado de segurança solicitando o julgamento da liminar. O mandado foi deferido pelo juiz Dr. Guilherme Kischner que, em abril, suspendeu temporariamente os embarques no porto.

Crueldade intrínseca

A crueldade é uma prática intrínseca à exportação de animais vivos. A afirmação, frequentemente feita por ativistas, consta em um laudo técnico elaborado por uma médica veterinária que realizou uma perícia no navio NADA em fevereiro de 2018, no Porto de Santos, no litoral de São Paulo. Mais de 27 mil bois estavam confinados na embarcação.

A médica veterinária Magda Regina concluiu “que a prática de transporte marítimo de animais por longas distâncias está intrínseca e inerentemente relacionada à causação de crueldade, sofrimento, dor, indignidade e corrupção do bem-estar animal sob diversas formas”. A inspeção foi realizada após determinação da Justiça Federal.

Bois embarcados no Brasil são transportados amontoados em meio aos próprios excrementos dentro de navio (Foto: Magda Regina)

Vacas (quando param de produzir leite) e bois são transportados em caminhões lotados, forçados a entrar em um box de atordoamento, onde são baleados na cabeça para que fiquem inconscientes. Muitos, porém, têm suas gargantas cortadas ainda conscientes, já que todo processo é feito com muita rapidez e nem sempre o atordoamento funciona (Foto: Reprodução/Animal Equality)

De acordo com o parecer da especialista, os andares inferiores do navio são os que possuem pior condição de higiene, considerada precária pela especialista. Segundo Magda, a imensa quantidade de urina e excrementos produzida e acumulada no período de sete dias – desde o início do embarque, em 26 de janeiro, até o dia 1 de fevereiro, quando a inspeção foi realizada – propiciou impressionante deposição no assoalho de uma camada de dejetos lamacenta. “O odor amoniacal nesses andares era extremamente intenso tornando difícil a respiração”, afirma.

Magda relata ainda que em alguns andares da embarcação o sistema de ventilação artificial buscava atenuar o efeito do acúmulo de gases e odores, resultado também da decomposição do material orgânico bovino. Para isso, provocava poluição sonora (em decibéis), classificada pela especialista como claramente inoportuna “dado seu elevado grau de ruído”.

É descrito também pela veterinária a presença de um setor específico do navio denominado “graxaria”. No local, um equipamento tritura os animais que morrem durante a viagem. Os restos mortais são lançados ao mar – prática poluidora que acarreta graves prejuízos ao equilíbrio ambiental.

A morte de animais durante o trajeto, devido à insalubridade e aos maus-tratos, é frequente. De acordo com Magda, “o óbito de animais está intrinsecamente ligado à prática de transporte marítimo de carga viva”. Os ferimentos também são constantes. As oscilações “intrínsecas e naturais das correntes oceânicas” e os “movimentos pendulares da embarcação” podem ocasionar a perda de equilíbrio dos animais, que são de natureza terrestre e não marítima, e “causar acidentes traumáticos e sério desconforto fisiológico”. Além disso, acidentes também podem acontecer quando animais deitam no chão, reduzindo o espaço dos outros bois que estão ao seu lado, o que facilita “a ocorrência de tombos ou acidentes assemelhados”.

A superlotação não só do navio, mas dos caminhões, também é extremamente prejudicial aos animais. Segundo a veterinária, “no interior dos caminhões não há mínima possibilidade de mudança de posição do animal uma vez embarcado. No navio, embora haja possibilidade de mobilidade animal mínima em alguns bretes, para o caso de sua lotação não ser extrapolada, a mobilidade em geral é também severamente reduzida e/ou comprometida”. A ausência de espaço impede ainda que os animais descansem ou se movimentem livremente. E, segundo a especialista, quando um dos animais deita, exausto, no chão, ele não só diminui o espaço dos outros bois como também é obrigado a ter “contato íntimo com seus dejetos e os dejetos de outros animais”.

Os excrementos produzidos pelos animais são frequentemente abordados no laudo elaborado pela veterinária. Segundo ela, “a produção de dejetos (excrementos e urina) pelos animais nesses ambientes fechados, os expõe de maneira íntima e constante a um cenário de intensa insalubridade”.

Agropecuária está diretamente ligada ao desmatamento de áreas em que árvores são derrubadas para dar lugar a pastos para bois explorados para consumo (Foto: Daniel Beltrá)

Quanto à ventilação, níveis de temperatura e umidade dos locais onde são mantidos os bois, a veterinária conclui que “a embarcação realiza ventilação e exaustão dos pisos inferiores provocando severa poluição sonora e garantindo incompleta circulação e renovação dos gases lá encontrados. Decorre daí o registro de temperaturas elevadas nesses recintos assim como taxas de umidade extremas que comprometem claramente o bem-estar animal”.

Magda afirma ainda que o transporte de animais por longos períodos, seja por meio terrestre ou marítimo, sujeita os bois a uma experiência completamente alheia à sua natureza originária. “A insalubridade a que são expostos, o movimento dos veículos (tais como frenagem, balanço, variação de velocidade, manobras veiculares bruscas), o confinamento demorado, as restrições hídricas e alimentares, etc, por longos períodos e distâncias, seja por meio terrestre como por meio marítimo, sujeita estes organismos a uma experiência completamente alheia à sua natureza originária”, diz a médica veterinária.

Nas considerações finais do laudo, Magda conclui que “são abundantes os indicativos que comprovam maus-tratos e violação explícita da dignidade animal, além de ultrapassar critérios de razoabilidade elementar as cinco liberdades garantidoras do bem estar animal” (confira o parecer da médica veterinária na íntegra clicando aqui).

A crueldade da exportação de animais vivos, no entanto, não se limita ao transporte marítimo realizado pelo Brasil. Isso porque as péssimas condições as quais animais de diferentes espécies são submetidos dentro dos navios representam um padrão nesse tipo de transporte. Na Austrália, uma investigação feita pelo especialista em integridade do setor público, Philip Moss, revelou os abusos sofridos pelos animais que são exportados vivos em embarcações. Antes do relatório feito por Moss, a Animals Australia já havia feito outras denúncias, agindo nos últimos 15 anos como o principal órgão de fiscalização do setor.

“Embora seja um alívio que a verdade esteja no registro público, a grande tragédia é o número de animais que sofreram abusos extremos e prolongados nas mãos dessa indústria”, afirmou White. “Nunca devemos esquecer que as exportadoras foram preparadas para fornecer animais quem estariam prestes a enfrentar facadas, marretas, sofrimento e mortes por insolação em navios”, completou.

Na Índia, ativistas pelos direitos animais também denunciam o sofrimento de ovelhas e cabras exportadas vivas. A Federação das Organizações Indianas de Proteção aos Animais (FIAPO) escreveu uma carta ao gabinete do ministro principal de Maharashtra (CMO) falando sobre a exportação cruel de mais de 3.600 ovelhas e cabras vivas para Sharjah, através do aeroporto de Nashik.

Vacas e bois são animais dóceis, carinhosos e que devem ter seu direito à vida respeitado (Foto: Pixabay)

“A exportação de animais vivos é extremamente cruel, pois os animais sofrem negligência, sofrimento e muitos morrem a caminho do destino. Esse tratamento dos animais não condiz com nossa cultura. Essa exportação também está ocorrendo sem qualquer documentação, orientação e formalidades e sem seguir o procedimento obrigatório estabelecido pela lei indiana. É, portanto, ilegal e viola várias disposições de nossas leis”, declarou a carta da FIAPO à CMO.

“Além disso, o aeroporto Nashik não possui instalações de quarentena obrigatórias onde os animais podem ser mantidos, observados e cuidados. Eles são deixados em aberto, nenhum certificado de saúde de veterinários certificados foi fornecido e as diretrizes de transporte não foram seguidas. Todas as diretrizes citadas acima são desprezadas. Apesar de ter fortes leis de proteção animal, a exportação ao vivo da Índia é um escárnio da vida desses animais, bem como o estatuto. Pedimos que você seja sensível ao sofrimento desnecessário dos animais sendo enviados para fora do país”, completou.

Em Portugal, a PATAV – Plataforma Anti-Transporte de Animais Vivos também luta para por fim à exportação de animais vivos. Membro da Sociedade Protectora dos Animais, de Portugal, Rita Lavado expôs o sofrimento de ovelhas e vacas transportadas em navios que partem dos portos das cidades portuguesas de Setúbal e de Sines, com destino a Israel. A ativista abordou, em um artigo publicado no portal Notícias ao Minuto, a sensibilidade e inteligência das ovelhas, condenadas a tamanha crueldade.

“Além de abanarem a cauda quando estão felizes, as ovelhas utilizam diferentes expressões faciais para comunicar as suas emoções. Também conseguem captar as expressões emocionais de outras ovelhas ou de seres humanos. Formam laços fortes umas com as outras e com humanos”, explicou.

Tímidas, as ovelhas ficam facilmente amedrontadas. Como possuem audição apurada, ficam incomodadas e assustadas com ruídos altos. Essas características tornam o transporte marítimo ainda mais cruel para elas, já que a sensibilidade das ovelhas amplia o sofrimento vivenciado nos navios. O sofrimento também é imenso para as vacas, que são seres sensíveis e dóceis.

“O transporte de animais vivos é um atentado aos seus direitos e ao seu bem-estar. Nestas viagens, que têm a duração de vários dias, estes animais são tratados como objetos. São amontoados, sem espaço suficiente para se deitarem, ficam cobertos de fezes e urina, doentes, desidratados, gravemente lesionados… muitos não chegam vivos ao seu destino”, concluiu a ativista.

 

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