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ONG apresenta Habeas Corpus a favor da chimpanzé do Zoológico de Mendoza, Argentina

17 de junho de 2015
8 min. de leitura
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Por Loren Claire Boppré Canales (da Redação)

Cecília, prisioneira do Zoo de Mendoza (Foto: AFADA)
Cecília, prisioneira do Zoo de Mendoza (Foto: AFADA)

A Associação de Funcionários e Advogados pelos Direitos dos Animais (AFADA), através do seu presidente Dr.Pablo N. Buompadre, e com o apoio do Dr. Santiago Rauek, apresentou na última quinta-feira, dia 11 de junho de 2015, uma Ação Judicial de Habeas Corpus a favor da chimpanzé Cecília, que se encontra em cativeiro e vivendo em absoluta solidão no Zoológico de Mendoza (Argentina) há quase três décadas.
A  AFADA obteve reconhecimento internacional logo após uma longa batalha judicial no país vizinho a favor dos Grandes Símios e outros Animais Não-Humanos. No dia 18 de dezembro de 2014 a Sala II da Câmara Federal de Decisão Penal da Argentina reconheceu a orangotango Sandra, em cativeiro no Zoológico de Buenos Aires, como a primeira primata Sujeito Não-Humano, Titular de Direitos no mundo.
Oragotango Sandra
O Supremo Tribunal Federal Penal disse naquela ocasião que: ¨Partindo de uma interpretação jurídica dinâmica e não estática, é preciso reconhecer ao animal o caráter de sujeito de direitos, pois os sujeitos não-humanos (animais) são titulares de direitos, pelo que se impõe sua proteção no âmbito das competências correspondentes¨. Uma decisão que abriu precedentes para casos futuros (Leading Case) e que nunca havia sido conquistada por nenhuma outra ONG, pondo em xeque todos os zoológicos que ainda mantêm animais em cativeiro para o ¨entretenimento humano¨.
Reconhecidos constitucionalistas argentinos como Daniel Sabsay, Mario Midón, e Andrés Gil Dominguez destacaram publicamente a ressonante decisão judicial do Tribunal Superior.
Sobre essa decisão, o jurista Mario Midón, expressou que ¨Os tribunais, de agora em diante, não terão mais desculpas para rejeitar os julgamentos de Habeas Corpus que sejam promovidos com o propósito de obter a liberdade ambulatória dos que foram confinados em zoológicos e outros lugares alheios aos seus habitats… A inovação sepulta diretrizes que consideravam todos os animais como coisas. Agora, esta classe de expoentes goza de um singular estado e estes seres deverão ser libertados em espaços compatíveis com essa nova qualidade. O direito, enquanto ferramenta de convivência, não é uma disciplina de compartimentos não integrados onde tudo está feito; é um marco aberto de possibilidades como é a própria vida e por essa razão não pode ficar atado a dogmas, ignorar o avanço da ciência ou divorciar-se dos padrões morais da sua época ¨.
Por sua vez, o distinguido Prof. Daniel Sabsay afirmou que ¨parecia apropriado o caminho empreendido pela ONG AFADA de se valer de uma Ação de Habeas Corpus para alcançar o reconhecimento dos direitos básicos dos grandes símios, a vida, a liberdade, e a não ser torturados nem maltratados física nem psicologicamente¨. Acrescentando que ¨Nossa Corte já havia manifestado, há muito tempo, que onde haja um direito afetado, deve existir uma ação para garantir seu pleno gozo, independente do seu reconhecimento explícito na Constituição ou na Lei. O papel que os juízes devem desempenhar deve ser o de interpretar as normas de maneira dinâmica, ou seja, da conformidade com as circunstâncias mutáveis que vão modificando a realidade…¨, precedente que foi seguido por outros juízes argentinos, como Gustavo Letner, da capital Buenos Aires, que em 29 de abril de 2015 em outra decisão de destaque, entendeu que ¨esta organização poderia ser o demandante nas causas onde são representados os direitos dos animais, entendendo que a orangotango Sandra é um ser senciente, incapaz de fato, cuja representação legal se faz necessária¨.
Da mesma forma, o mentor dessas iniciativas judiciais na Argentina, Pablo Buompadre, destacou que o ¨Precedente Sandra entendeu que os animais são sujeitos de direito, e que esse novo reconhecimento judicial, os habilitaria legalmente para a utilização de instrumentos jurídicos vigentes como o habeas corpus, para a tutela efetiva desses direitos, principalmente naqueles casos em que os Não-Humanos estão injusta e arbitrariamente privados de liberdade em zoológicos, circos, centros de experimentação, aquários, e outros lugares de exploração. A partir de agora, nas causas judiciais ou de outra natureza em que se vejam envolvidos interesses próprios ou intrínsecos dos animais não-humanos, os tribunais argentinos ou inclusive de outros países que reconheçam a jurisprudência estrangeira no direito interno, deverão expôr fundados e sérios argumentos para desconhecer aqueles direitos básicos fundamentais.
De outro modo, não bastará negar-lhes a utilização de ferramentas jurídicas como o Amparo (mandato de segurança) ou o Habeas Corpus, as que possam ter acesso, nesta aqui, sua nova posição perante o direito; em todo o caso, poderão fazê-lo por uma questão de falta de legitimação ativa ou passiva dos acionantes que os representem em juízo, mas não por razões de fundo. A transcendental decisão judicial, implicitamente, nos está marcando como o ¨modelo da sociedade¨ no qual o homem deve escolher continuar vivendo junto aos seres vivos de outras espécies; ou seja, em uma sociedade que continue perpetuando a exploração de milhares de seres inocentes, ou em uma sociedade que respeite e proteja seus interesses intrínsecos fundamentais, de um modo real e efetivo, e não meramente simbólico. O precedente ¨Sandra¨constitui talvez a mais importante sentença judicial dos últimos anos a nível mundial, deslocando os animais não-humanos (como seres sencientes) da categoria coisas semoventes, para colocá-los no pedestal de sujeitos de direitos; é deixado de lado o ¨paradigma antropocêntrico¨ ( que custou a vida de milhões de animais somente por existirem em tal condição) para começar a transitar o caminho de um ¨paradigma sensocêntrico¨, em que o homem deve interagir em sua relação com os animais ¨.
O direito a propriedade privada cede diante do direito básico a vida, a liberdade e a não serem maltratados nem física nem psicologicamente.
Chimpanzé Cecília
Logo após o ressonante caso ¨Sandra¨, a ONG escolheu defender a chimpanzé Cecília, do Zoológico de Mendoza, na Argentina, mediante uma apresentação similar em que questiona a privação de liberdade desta primata, sustentando a sua ilegitimidade e o reconhecimento dela como uma pessoa não-humana, que deve ter garantida a proteção dos seus ¨direitos fundamentais¨ como a vida, a liberdade e o de não ser torturada nem maltratada física nem psicologicamente.
O Habeas Corpus, concretamente aponta para que a Justiça de Mendoza liberte a chimpanzé Cecília e a transfira a um Santuário de Primatas especializado nesta espécie a fim de que o animal possa viver com seus congêneres em seus últimos anos de vida e ser atendida por verdadeiros idôneos no assunto.
Entre seus argumentos a ONG alega que a chimpanzé se encontra vivendo em condições absolutamente deploráveis, em uma jaula com piso e muros de cimento, extremamente pequena para um animal não-humano dessa espécie, com um habitáculo muito reduzido ( que não conta sequer com mantas ou palha para se deitar) na qual possa se proteger das inclemências do tempo, ou ruídos e gritos das constantes visitas escolares e público em geral que visitam o zoológico e dos objetos que atiram para ela, como se Cecília se tratasse de um mero ¨alvo de chacotas¨; um lugar onde a luz chega durante poucas horas do dia e onde a primata se encontra exposta a altas temperaturas (que no verão superam os 40 graus, aquecendo o piso e as paredes de cimento; e no inverno as temperaturas chegam a valores negativos, em que congelam a superfície) e com uma total falta de higiene e segurança para o animal e visitantes.
O vídeo abaixo mostra as deploráveis condições das instalações dos chimpanzés do Zoo de Mendoza:

A chimpanzé Cecília vivia há menos de 1 ano junto aos chimpanzés Charly e Xuxa, o primeiro deles (Charly) faleceu após uma parada cardíaca em julho do ano passado segundo informações prestadas pelas autoridades daquele zoológico, por sua vez, Xuxa faleceu em janeiro deste ano de ¨causas naturais¨, o que levou Cecília a viver em absoluta solidão desde o início deste ano, em uma jaula de cimento, sem enriquecimento ambiental, passando por uma situação de profundo estresse que está colocando em risco não só a sua saúde psíquica e física, mas a sua vida, sem que as autoridades do zoológico façam algo de fato para remediar essa situação.
O caso recaiu para o III Tribunal de Garantias de Mendoza, a cargo da Dra. María Alejandra Mauricio, que terá o difícil desafio de decidir entre a liberdade ou o cativeiro de quem o Supremo Tribunal Federal Penal da Argentina já considerou uma pessoa não-humana, e será observada pelos olhos do mundo que vêm seguindo esses casos com grande atenção.
A justiça de Mendoza decidirá se a chimpanzé Cecília deve seguir presa em uma jaula, ou viver seus últimos anos em liberdade , junto a outros da mesma espécie que ela, como vêm reconhecendo alguns tribunais argentinos que têm demonstrado uma ¨interpretação dinâmica¨ das normas que regulamentam a convivência social, ampliando o círculo de consideração moral do homem às demais espécies do planeta com as quais convive.

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