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CRIME AMBIENTAL

ONG aponta desmatamento em 68 fazendas com indícios de ligação com a JBS

OUTRO LADO: Empresa diz que bloqueou 69% de fornecedores apontados em relatório e rejeita método de detecção de desmate pelo sistema Deter, do Inpe

24 de abril de 2023
Por Ana Carolina Amaral
6 min. de leitura
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Maior empresa de alimentos do mundo, a JBS manteve relação com o desmatamento ilegal por meio de parte de seus fornecedores de gado de 2019 a 2022. A Folha teve acesso a uma compilação com 68 casos de desmate em fazendas com indícios de ligações direta, indireta ou potencial com a JBS, na Amazônia e no cerrado, durante o período.

A companhia afirma que 69% desses episódios foram identificados por suas políticas de monitoramento, e os fornecedores, bloqueados. A JBS nega que os demais 31% sejam fornecedores.

Reunidos pelas ONGs Mighty Earth e AidEnvironment, os casos somam 125,4 mil hectares de áreas desmatadas —dos quais 73,7 mil hectares são de áreas protegidas, como reservas legais e APPs (áreas de preservação permanente).

Gado em área queimada na Amazônia, perto de Novo Progresso (PA), em foto de agosto de 2019 – João Laet – 25.ago.2019/AFP

Como ponto de partida para identificar os casos de desmatamento, o estudo usa o sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que fornece alertas diários de desmatamento.

“Os alertas são confirmados por imagens de satélite de alta resolução do [sistema] Planet”, diz Joana Faggin, pesquisadora sênior da AidEnvironment, ONG focada em pesquisas sobre agricultura, com escritórios na Holanda, Indonésia e Uganda.

A confirmação de que os desmates aconteceram em áreas protegidas é feita então pelo cruzamento dos dados com os CARs (cadastros ambientais rurais) das propriedades, que informam qual área do imóvel é destinada à proteção.

Já a conexão da propriedade com a compra de gado pela JBS é feita pelos pesquisadores através das GTAs, as guias de trânsito animal, que informam as fazendas de origem e de destino do gado.

Das 68 fazendas com desmatamento verificado pela ONG, 21 são fornecedoras diretas de gado para a JBS. Essa conclusão é possível porque os GTAs mostram uma relação direta: o gado sai da fazenda onde houve desmatamento e vai diretamente para um frigorífico da JBS.

Outros 43 casos de desmatamento aconteceram em fazendas de fornecedores indiretos, ou seja, em propriedades que forneceram o gado para uma segunda fazenda, que, por sua vez, vendeu para a JBS.

“Nesses casos, há uma GTA ligando essa propriedade a uma outra fazenda, ligada por outra GTA à JBS. Aqui verificamos a data, por exemplo: no mês de maio, o gado passou da primeira para a segunda fazenda, que depois de maio vendeu para o frigorífico”, explica Faggin.

“No entanto, não calculamos a idade do gado, ou quanto tempo ficou na segunda fazenda, o que permitiria estabelecer uma ligação mais alta, equivalente à de fornecedor direto”, ressalva.

Há ainda um terceiro nível de conexão, o potencial, que corresponde a 4 dos 68 casos. Para eles, não há dados suficientes para atestar o fornecimento, mas indícios, como no caso de o frigorífico ser o principal exportador de carne de um município com desmatamento.

“O frigorífico deveria estar atento a esse desmatamento. É um alerta. Já nas ligações média e alta [que comprovam fornecimento direto ou indireto], o frigorífico precisa verificar aquele fornecedor”, distingue Faggin.

Gado pasta com uma cortina de fumaça densa em seu entorno.
Gado em meio à fumaça de queimada na floresta amazônica, no município de Rio Pardo (RO), em foto de setembro de 2019 – Ricardo Moraes – 16.set.2019/Reuters

A Mighty Earth, ONG com sede nos EUA dedicada a campanhas sobre desmatamento ligado à indústria, solicitou à JBS que verificasse cada um dos 68 casos, enviados à diretoria de sustentabilidade da empresa em 5 de dezembro. A reportagem teve acesso à troca de emails.

Em 7 de janeiro, a diretoria de sustentabilidade da JBS respondeu que os casos não poderiam ser verificados por serem baseados em alertas do sistema Deter, não do Prodes —ambos pertencentes ao Inpe.

“O Inpe desaconselha seu uso porque é um sistema de alerta precoce, sem a necessária granularidade e precisão”, diz o email.

À Folha, o Inpe afirma que o Deter “sempre se mostrou confiável e preciso, alcançando mais de 90% no índice de acertos das suas detecções”.

Em nota assinada pelos técnicos Cláudio Almeida e Luis Maurano, responsáveis pelo Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas, o órgão esclarece que o Prodes foi escolhido como base para a certificação das cadeias produtivas em políticas de compliance ambiental, como nos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) da Carne, “por este ser o dado oficial do Estado e ter uma atualização anual”.

“A não utilização dos dados do Deter se baseia nestas características, e não no fato do Deter ser menos preciso”, completa o Inpe. “A ocorrência de um polígono Deter em uma propriedade, ainda que não gere bloqueio imediato de um favorecedor, deve ao menos servir como um alerta para o comprador de produtos oriundos dessa propriedade.”

O último resultado da auditoria do TAC assinado pela JBS junto ao Ministério Público Federal (MPF) no Pará mostra, com base no monitoramento do sistema Prodes, evidências de irregularidades em 44% do gado adquirido pela empresa naquele estado entre julho de 2019 e junho de 2020.

À Folha, a JBS voltou a defender o uso do sistema Prodes para verificação de desmatamento e afirmou que o levantamento da ONG “requenta informações antigas” a partir de “metodologia falha” que “desrespeita o protocolo do Ministério Público Federal”.

“Em 69% deles [os casos apontados no levantamento], o monitoramento da empresa já havia identificado que algum de seus critérios socioambientais não havia sido respeitado e, seguindo o Protocolo de Monitoramento do Ministério Público Federal e a Política de Compra Responsável da Companhia, a JBS havia bloqueado o fornecedor”, afirma. “Os outros 31% não estão na base de fornecedores da empresa.”

A assessoria de imprensa da companhia se negou a identificar os casos e não explicou se fornecedores indiretos ou ex-fornecedores poderiam estar inclusos nos 31% que não constam na base.

“A JBS mantém há mais de dez anos um sistema geoespacial que monitora diariamente seus fornecedores diretos e que já bloqueou 15 mil deles por desrespeitarem os critérios socioambientais da empresa e do setor”, diz também a empresa.

Na quinta-feira (20), a ONG Mighty Earth enviou a acionistas e executivos da JBS a denúncia dos 68 casos. A entidade pede que os acionistas levem o tema ao Conselho da Administração da JBS, que se reúne em assembleia-geral nesta segunda (24).

Para João Gonçalves, diretor da Mighty Earth no Brasil, “em termos de transparência, a JBS deixa muito a desejar, escolhendo cuidadosamente o que vai divulgar”.

O desafio de monitorar os fornecedores indiretos da carne é comum a todo o setor da pecuária, já que o gado pode ser transportado para diferentes fazendas até o abate. A JBS tem uma meta voluntária de rastrear os fornecedores indiretos até 2025, eliminando os elos com fazendas que tenham desmatamento ilegal. No entanto, o controle do fornecimento direto ainda sofre com falhas.

Em novembro, a empresa admitiu ter comprado 8.785 bois ilegais fornecidos diretamente ao frigorífico pelo maior desmatador do país, segundo reportagem da Repórter Brasil.

“A JBS não comprova que controla os fornecedores”, afirma o coordenador do Radar Verde, Alexandre Mansur. A iniciativa avaliou, no último ano, o controle e a transparência sobre a cadeia da carne a partir de dados fornecidos pelas empresas sobre suas políticas de combate ao desmatamento.

Fonte: Folha de São Paulo

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