Por Juliana Bussab e Susan Yamamoto
(fundadoras da ONG Adote um Gatinho)
O dia em que conhecemos o diabo
Na madrugada desta sexta-feira, fomos avisadas de que um dos nossos maiores medos era realidade: uma senhora que se dizia protetora e que há anos recebia animais de rua dizendo para as pessoas que poderia cuidar deles era o que sempre desconfiamos ser, uma assassina.
Quando chegamos ao local encontramos viaturas da Polícia e vizinhos indignados na porta da casa dela. Ao lado, os corpos enfileirados dos animais que foram encontrados nos sacos de lixo descobertos pelo investigador contratado por um grupo de protetores que, como nós, desconfiava da facilidade que ela tinha para resgatar todo animal que aparecesse.
Na nossa luta diária para proteger e resgatar animais de rua, só uma coisa é certa: não existe dinheiro e nem espaço suficientes para tantos animais e tantos pedidos de ajuda. Se a nossa ONG, que é estruturada, não consegue aceitar todos os pedidos de ajuda que chegam, como uma senhora sozinha, que dizia viver da aposentadoria do marido já falecido e da venda de sabonetes artesanais, conseguia cuidar de tantos animais?
Quando perguntamos isso para ela, em 2009, em uma conversa telefônica, desconfiamos da capacidade de abrigar tantos animais sem doá-los, já que ela nos disse que não doava os animais porque “ninguém cuidaria tão bem quanto ela”. Tentamos argumentar e dissemos que avisaríamos as pessoas das nossas desconfianças. Um email circulou pela internet e todos os envolvidos na proteção animal da cidade de São Paulo souberam desse caso. Infelizmente, soubemos que algumas pessoas, mesmo depois de avisadas, continuavam levando os animais, se recusando a acreditar. Também nessa época fomos ameaçadas por ela, que disse ter amigos influentes que prejudicariam a nossa ONG.
Às três e meia da manhã de sexta-feira (13), ela saiu da casa sob escolta da Polícia e com o rosto coberto, como fazem os bandidos. Nós voltamos para nossas casas e, sem dormir, acompanhamos tudo que acontecia na delegacia pelas informações enviadas pelo advogado da ONG e pelos protetores que organizaram a investigação particular.
Ela prestou depoimento na delegacia e foi liberada. Às 7h fomos chamadas novamente para retirar 13 animais vivos encontrados na casa, que só foram liberados às 14h. São na verdade 8 gatos e uma cadelinha minúscula que estão sob nossos cuidados e que talvez seriam os próximos na fila do abatedouro que a Dona Dalva mantinha na casa dela.
Os sacos de lixo que foram abertos ontem tinham quase 40 gatos e 6 cachorrinhos. O detetive particular, que ficou não mais que 20 dias de plantão na frente da casa dela, afirmou ter visto cerca de 300 animais entrando na casa nesse período. Nenhum deles saiu. Para onde foram?
Sexta-feira foi um dia de muita tristeza. Tristeza porque durante dois anos ela conseguiu se esconder e fugir de todas as acusações. Nem um pingo de alegria podemos sentir por ver ela desmascarada, não depois das cenas de horror que vimos hoje.
Uma assassina foi desmascarada, mas sabemos que esse não é o fim. Centenas de Dalvas continuam na ativa, pessoas que se dizem “protetores” de animais e são verdadeiros carrascos para os animais que recolhem.
A única boa coisa nessa madrugada de terror, foi constatar que no nosso país, tão descrente do trabalho da polícia, vimos uma equipe dedicada, solidária, digna, que não mediu esforços para executar a difícil tarefa de ontem. O nosso muito obrigada ao Tenente Marcos e sua equipe, e ao soldado Ramirez e soldado Danilo, do 11 batalhão.
Na madrugada de sexta, quando a Dona Dalva saiu na sacada da casa dizendo que a Polícia não poderia entrar sem um mandado, nós conhecemos o rosto do diabo. E ele tem nome, sobrenome e mora na Vila Mariana.