A água começou a aquecer no Golfo do Alasca no final de 2013. Em poucos meses, as temperaturas da superfície do mar aumentaram em média 1ºC, e em alguns lugares até 2°C. Inicialmente, afetou uma área de oceano de aproximadamente 800 quilômetros de diâmetro e 90 metros de profundidade – em meados de 2014, o tamanho havia mais que dobrado até se estender finalmente por 3200 quilômetros do Alasca ao México. Os cientistas a chamaram de bolha, um exemplo do fenômeno conhecido como ondas de calor marinhas, e ao longo de três anos alterou e revirou o ecossistema do Pacífico Norte.
A quantidade de plâncton e crustáceos caiu. A população de bacalhau do Pacífico ao largo do Alasca diminuiu, até que finalmente entrou em colapso. Milhares de leões marinhos famintos chegaram à praia, e um grande número de aves marinhas morreu. Sem crustáceos como alimento, as baleias-jubarte recorreram à anchova, e na sua procura nadaram mais perto da costa e ficaram emaranhadas nos equipamentos de pesca.
Os nascimentos de baleias-jubarte também caíram 75% nos seis anos subsequentes. A pesca de caranguejo desapareceu pela proliferação de algas tóxicas. A teia alimentar passou de ser sustentada por minúsculos crustáceos para ser dominada por organismos gelatinosos nutricionalmente pobres chamados pirossomas, que nunca haviam sido registrados tão ao norte.
As ondas de calor marinhas são definidas como picos acentuados de temperatura anormalmente quente, que duram pelo menos cinco dias, embora muitas persistam por semanas ou meses. Alimentadas pelo aquecimento dos oceanos – causado pelas mudanças climáticas – este fenômeno pode impactar os ecossistemas marinhos por anos depois que a água esfriar novamente.
À medida que os efeitos das mudanças climáticas se incorporam cada vez mais em todo o mundo, as ondas de calor marinhas aumentam em frequência e intensidade – representando, diz a oceanógrafa Hillary Scannell, “uma grande preocupação” para os ambientes oceânicos.
MAIS ONDAS DE CALOR MARINHAS
Assim como os cientistas estavam começando a lidar com os eventos que se desenrolavam no nordeste do Pacífico, um grupo de 15 especialistas em oceanos se reuniu em Perth, Austrália Ocidental, para agrupar a ciência emergente sobre as ondas de calor marinhas. O encontro deles foi motivado não pela bolha, mas por um evento de aquecimento durante o verão de 2010-11, no qual as águas do oeste da Austrália aqueceram surpreendentemente 6°C, matando enormes faixas de algas florestais e um grande número de animais, de abalones e vieiras a pinguins.
Naquela época, a ciência estava em sua relativa infância; desde então, no entanto, o interesse pelo assunto explodiu, segundo diz Eric Oliver, agora da Universidade Dalhousie em Nova Escócia, Canadá, que estava na reunião acima mencionada.
“Acho que o primeiro uso do termo onda de calor marinha foi em 2010, 2011, algo assim”, lembra. “Eu conhecia todos os ensaios que saíam. Agora, não consigo acompanhá-los.”
Esse aumento no estudo científico revela um crescimento nos relatórios de eventos de ondas de calor marinhas. Em 2016, uma onda de calor marinha no Chile desencadeou a proliferação de algas que devastaram a piscicultura.
De 2015 a 2019, uma série de ondas de calor no Mar Mediterrâneo levou a múltiplas mortalidades em massa de ervas marinhas e corais, anunciando o que foi chamado de novo normal na região. Em 2021 e 2022, a Nova Zelândia experimentou suas temperaturas oceânicas mais altas já registradas, o que resultou no branqueamento de “milhões” de esponjas, segundo relatos.
As causas precisas dessas ondas de calor variam, embora o aquecimento do clima esteja tornando este fenômeno mais frequente. O evento da Austrália Ocidental foi motivado por um fortalecimento da Corrente Leeuwen, que flui para o sul, e trouxe maiores quantidades de água quente do Oceano Índico. Da mesma forma, uma onda de calor de 2015-16 no Mar da Tasmânia, entre a Austrália e a Nova Zelândia, foi desencadeada por um fortalecimento da Corrente da Austrália Oriental, que varre o sul do Mar de Coral.
Por outro lado, um estudo de 2019 descobriu que 60% das ondas de calor marinhas no Atlântico sudoeste, incluindo uma no Brasil em 2013-14, se originaram em sistemas de alta pressão sobre o Oceano Índico. A bolha foi precipitada pelo que foi chamado de “cume ridiculamente persistente” de alta pressão estacionada sobre o Pacífico Norte, impedindo que o ar mais frio gerasse tempestades que poderiam agitar a água. Consequentemente, a água se estratificou e uma camada anormalmente quente se estabeleceu na superfície.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS ESTÃO CAUSANDO ONDAS DE CALOR MARINHAS
Mas há um elemento subjacente que torna essas ondas de calor mais frequentes e intensas: a mudança climática. O oceano absorveu 90% do calor extra adicionado à atmosfera pela queima de combustíveis fósseis e, como resultado, os 700 metros superiores dos oceanos do mundo – onde a maior parte desse calor absorvido está concentrada – aqueceu cerca de 0,5°C em média desde 1901. Um oceano que já se encontra aquecido razoavelmente poderia ser mais suscetível às ondas de calor marinhas, e esse parece ser o caso, realmente.
Um estudo de 2020 na revista Science concluiu que as ondas de calor marinhas aumentaram mais de 20 vezes como resultado do aquecimento climático. Os autores descobriram que na primeira década após os satélites começarem a registrar as temperaturas dos oceanos (ou seja, após 1981), havia 27 ondas de calor marinhas grandes, com duração média de 32 dias e anomalia média de pico de temperatura de 3°C; na década de 2010, foram 172, que duraram 48 dias em média, com um pico médio de temperatura quase 5°C acima do normal.
Ainda há muito por esclarecer sobre as ondas de calor marinhas. Por exemplo, explica Nicholas Bond, cientista pesquisador da Universidade de Washington e climatologista estadual de Washington, existe a interrogação de por que tantas persistem por semanas ou meses.
“Deve haver algo mais acontecendo que ajude a mantê-las”, acredita. Ele observa que uma explicação é que, à medida que a superfície do oceano aquece, ela irradia calor para a atmosfera, que impede a formação de nuvens, expondo a água do mar ao aumento da luz solar e ao aquecimento adicional.
No entanto, o que já se conhece sobre as ondas de calor marinhas é suficiente para que os cientistas estejam seriamente preocupados com seus possíveis impactos. Um fato a destacar é que esses impactos podem durar muito tempo após o desaparecimento das ondas de calor.
Após três anos da bolha, as águas do nordeste do Pacífico começaram a esfriar em 2016; mas anos depois, os cientistas ainda estão determinando até que ponto o ecossistema da região provavelmente retornará totalmente ao seu status pré-bolha. Da mesma forma, observa Scannell, que é cientista de dados da Jupiter Intelligence, Inc., após o evento de 2010-11 na Austrália Ocidental, “muitas florestas de algas morreram, e levará literalmente décadas para que esses ecossistemas se recuperem”.
Oliver está particularmente preocupado com o impacto potencial em águas tropicais. “Acho que é isso o que realmente preocupa”, alerta. Ele observa que a vida nos trópicos é adaptada a “uma faixa bastante estreita de temperaturas. Então, é aí que as coisas podem ficar realmente complicadas. Podemos ter mudanças completas em sistemas tropicais. É por isso que as pessoas estão tão preocupadas com os recifes de coral.”
As ondas marinhas podem ser perturbadoras para o ecossistema marinho, assim como também isoladas. Bond observa que elas estão se multiplicando e se intensificando ao mesmo tempo em que o oceano enfrenta uma série de outras pressões, e isto torna os impactos potenciais das ondas de calor ainda mais severos.
“Em muitas partes do oceano global, a pesca provavelmente está em níveis insustentáveis”, observa. “Há uma pressão incrível nesses ecossistemas. E se você adiciona a isso as mudanças que estão ocorrendo devido a eventos como ondas de calor marinhas, mudanças que reduzirão a produtividade desses sistemas, é muito angustiante. É algo que devemos reconhecer antes de vermos colapsos que teriam impactos tremendos.”
Fonte: National Geographic