Quando o ecologista Brian Evans, especializado em aves migratórias e membro da equipe do Centro de Aves Migratórias do Instituto Smithsoniano de Biologia da Conservação, ouviu falar sobre a morte de pássaros na cidade de Washington D.C em meados de maio, ele não achou que fosse algo extraordinário já que é comum aves morrerem durante a primavera do Hemisfério Norte, entre março e junho, sendo que 70% dos pássaros canoras jovens morrem na estação.
Devido a pandemia e a condição de confinamento que muitos se encontram, as pessoas passaram a prestar mais atenção nos pássaros, e segundo o ecologista Evans, “No ano passado (2020), todo mundo começou a gostar de pássaros, e durante este ano perceberam que pássaros têm a vida bem complicada!”.
No dia 28 de maio, Evans estava em casa quando uma vizinha o relatou sobre um pássaro jovem que parecia doente, ele tremia e estava cego, além de não se mexer quando ela se aproximou dele. Evans lembra que no momento pensou ser incomum a situação do passarinho, “Não é um comportamento típico de filhotes que estão prestes a morrer.”
Além da vizinha, outro vizinho o chamou para ver um pássaro com secreção nos olhos e que caia de um lado para o outro. Um colega também o mandou foto de aves mortas. Frente ao contexto misterioso, ele levou o pássaro doente ao centro de reabilitação e liberação de animais silvestres no Distrito de Colúmbia, City Wildlife. “Eu fui até lá e eles disseram: ‘isso é muito grave’”.
Mas afinal, o que está acontecendo?
Uma epidemia que atinge pássaros canoros está assolando o Distrito de Colúmbia e pelo menos 12 estados na costa leste, de Connecticut até a Flórida, incluindo o Tennessee. Milhares de pássaros jovens, incluindo gaios-azuis, quíscalos comuns, tordos-americanos e estorninhos-comuns, estão ficando cegos, com secreção nos olhos, com tremores e por fim, morrem. E o mais difícil é que está demorado de encontrar uma causa, testes de laboratório descartaram causas como a gripe aviária e os vírus do Nilo Ocidental.
Distrito de Colúmbia e os estados de Maryland e Virgínia estão com casos diminutos desde final de junho, mas muitos estados ainda estão apresentando número de registros consideráveis. Como não se sabe a causa, os bichos estão sofrendo e precisam ser sacrificados, e apesar das equipes de centros de reabilitação estarem desestabilizadas devido a necessidade da eutanásia aplicada em massa, eles estão buscando desenfreadamente as causas desta onda de adoecimento e morte aviário.
Contágio de elevado alcance
Para o ornitólogo Evans, a situação é fácil de ser percebida, já que um número muito grande de pássaros ficou doente ou morreu, e muitas espécies foram afetadas. Cambaxirras, aves da espécie Dumetella carolinensis, cardeais, aves da espécie Haemorhous mexicanus, pardais e outros pássaros também foram atingidos. Em maio, Evans viu “um corvo-americano parado na rua”, perto de sua casa, e para ele foi estranho porque o animal morreu muito rápido – durante o caminho do centro de reabilitação.
Apesar de Evans ter ciência da gravidade da situação, graças a sua notabilidade, ele está frustrado de não saber o número total de casos. “Ainda estou tentando desesperadamente entender a distribuição da epidemia”, ele complementa. Cada estado tem sua forma de coletar dados, alguns melhores que outros. Na Virgínia, há um registro público eficiente que detecta pássaros doentes, ou não, e no caso da morte misteriosa de aves já foram 1,4 mil casos de registros no sistema.
Possíveis causas
Ainda não foi determinada uma causa para a onda de mortes de pássaros nos EUA. No dia 2 de julho, o Serviço Geológico dos Estados Unidos, junto de órgãos estaduais responsáveis pela vida selvagem , anunciaram que “até o momento, não foi determinada nenhuma causa, ou causas, definitiva de doença ou morte.” Em vários estados, testes em pássaros mortos descartaram bactérias comuns como Salmonella e Chlamydia, e vírus como os da gripe aviária, do Nilo Ocidental, diversos vírus que causam herpes e muitos outros. Não houve relatos de transmissão para humanos, aves de criação ou outros animais.
Evans relata a presença da bactéria micoplasma nas amostras, “mas que ela não é incomum em aves e não está tipicamente associada aos sintomas neurológicos observados”.
Achar a causa de doenças é geralmente difícil e lento por demandar o descarte de todas as possibilidades, mas o atual caso dos pássaros está mais desafiador que o normal porque “sintomas neurológicos e oculares são uma combinação atípica”. Tanto pode ser um patógeno totalmente novo, ou podem ser variados fatores. “Nossa primeira estratégia em casos como esse é sempre investigar o que pode ter mudado no ambiente. O que está diferente em comparação ao ano anterior?”, ele fala.
Bilhões de cigarras na Costa Leste Americana
Em maio deste ano, quando os pássaros começaram a morrer, Evans e seus colegas relacionaram o fenômeno da morte massiva de pássaros em vários estados americanos às bilhões de cigarras da periódica ninhada 10 que cobriram a Costa Leste, e que serviram de alimento para as aves canoras da região.
Evans e seus colegas estavam estudando a influência do canto das cigarras no comportamento das aves. “Enquanto eu pensava e conversava com meus colegas, estávamos cercados pelo barulho de cigarras. ‘É claro que são as cigarras’, nós pensamos, ‘elas estão por toda parte!’”
O que levou Evans a pensar que as cigarras podiam estar relacionadas a morte dos pássaros está no fato de que estes insetos aparecem a cada 17 anos além de terem servido de alimento aos pássaros, que misteriosamente adoeceram depois. “Há cerca de cinco hipóteses diferentes em relação às cigarras”, ele fala. Uma das possibilidades é um fungo, que afeta cerca de 5% das cigarras e produz uma toxina psicodélica chamada catinona.
Porém, a hipótese das cigarras ligadas a morte dos pássaros não é muito provável, já que ao longo das últimas semanas foi percebido que o alcance geográfico da epidemia que afeta os pássaros é muito maior do que o alcance do aparecimento da ninhada 10, então é difícil considerar que as aves que viviam nas mesmas áreas das cigarras tenham voado para outros lugares. “As aves já haviam estabelecido seus locais de reprodução para o verão. Nesse ponto, não é normal se movimentarem para grandes distâncias”, explica Evans.
O descarte definitivo da ligação de cigarras e aves está sendo trabalhado em laboratórios, como o de genética do Instituto Smithsoniano, porém, há uma dissincronia de tempo entre a morte das aves e a morte das cigarras, indicando a improbabilidade da ligação entre os dois eventos. As cigarras da ninhada 10 morreram nos últimos 15 dias do mês de junho, mas o adoecimento de pássaros ainda está ocorrendo.
Um exemplo desta dissincronia é o do dia 8 de julho, quando um tordo-americano macho foi levado ao Centro para Animais Silvestres Tamarack em Saegertown, na Pensilvânia, com contrações musculares na cabeça e secreções nos olhos. O pássaro conseguiu se levantar por um breve momento antes de morrer.
O cuidado dos pássaros adoentados
No City Wildlife, único centro de reabilitação de animais silvestres do Distrito de Colúmbia, o número excessivo de pássaros doentes que chegou na instituição em meados de maio foi “de partir o coração”, de acordo com o diretor executivo, Jim Monsma.
“Quíscalos, estorninhos-comuns, gaios-azuis. Todos os jovens — filhotes, prestes a começar a voar. Eles começaram a chegar, um após o outro, e então mais casos surgiram e havia milhares desses pássaros”, ele relata. “Soubemos que havia muito mais, porque eles morriam antes de chegar aqui.” Ele explica que os olhos são os primeiros a serem mostrarem afetados, inchados e vermelhos, e depois aparecem problemas neurológicos, como a impossibilidade de as aves ficarem paradas.
O City Wildlife tratou os primeiros pássaros com antibióticos e analgésicos, procedimento padrão para aves com sintomas neurológicos, mas, desta vez, segundo Monsma, os resultados foram infortúnios já que as aves morriam de qualquer forma, então não havia o que fazer. “Foi horrível. Difícil de ver. Não há nada mais triste do que um pássaro cego. As aves sabem que estão com problemas e não entendem que estamos cuidando delas”. A ajuda humana apenas os assustou mais, e por falta de possibilidades infelizmente tiveram de ser sacrificados.
O City Wildlife recebeu 202 pássaros com sintomas da misteriosa doença entre meados de maio e 23 de junho; um gaio-azul foi recebido nesse dia e, depois disso, nenhum outro pássaro canoro doente foi levado lá. Porém, recentemente, seis falcões com sintomas semelhantes apareceram no centro, sendo que cinco morreram; e um deles parece estar se recuperando. Monsma explica que a causa para o adoecimento dos falcões foi de terem comido pássaros infectados, mas “isso é só uma suposição”. A equipe de reabilitação do centro está aguardando os resultados dos testes.
Próximos passos
Apesar da diminuição de casos em algumas regiões, ainda é preciso descobrir a causa. Caso o patógeno seja uma toxina ligada a humanos, “precisamos tomar providências”, diz Evans. Se for uma doença infecciosa, a população em geral precisa saber porque comedouros de pássaros podem ser pontos de disseminação da doença.
“Não queremos pedir às pessoas que não os alimentem”, ele diz — mas os comedouros são potencialmente perigosos porque há a aglomeração de pássaros, compartilhando as mesmas superfícies. Em épocas normais, a recomendação da equipe de Evans é de as pessoas limparem os comedouros de forma regular e com atenção, “mas, em meio a um surto, isso não é suficiente”.
Nesse meio tempo, Monsma diz que passou a avistar novamente gaios-azuis e estorninhos — as espécies mais afetadas pela doença — jovens e saudáveis nos arredores do Distrito de Colúmbia. Pássaros são resilientes: “eles podem perder a família inteira devido a doenças ou predação por gatos, e recomeçar. Eles simplesmente continuam a botar ovos”, ele fala. Apesar da resiliência de pássaros, “eles ainda sofrem. É para isso que estamos aqui”, se referindo ao City Wildlife e outros centros de reabilitação. “Para aliviar o sofrimento deles. É muito difícil não poder fazer nada.”