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EM SEGURANÇA

Onças da Amazônia vivem nas copas das árvores durante período de cheia

27 de fevereiro de 2025
5 min. de leitura
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Foto: Emiliano Ramalho/Instituto Mamirauá

Sua trajetória mudou em 2017, quando se mudou para Manaus com uma amiga bióloga. “A Amazônia é um ímã”, conta. Apaixonado pela floresta, buscou por quaisquer oportunidades na região, até conseguir trabalhar com onças.

Inicialmente, Marcos seria responsável apenas por tratar e analisar os dados coletados, sob supervisão de Guilherme. No entanto, logo surgiu a necessidade de envolvê-lo também nas expedições de campo para capturar e equipar os maiores felinos das Américas.

“Tudo na Amazônia é difícil, caro, distante e sem comunicação. Vamos a campo, usamos uma base flutuante e ficamos lá por 30 dias”, detalha Marcos. “Espalhamos armadilhas pela floresta, colocando um transmissor de rádio em cada uma, mas é preciso checar constantemente para evitar que o animal fique preso por muito tempo.”

Quando uma armadilha prende a pata do animal, é preciso avançar com cuidado, geralmente tarde da noite. Um dardo tranquilizante é disparado à distância. Na primeira experiência com uma onça, Marcos e dois colegas novatos observaram de longe enquanto Guilherme, mais experiente, e a veterinária Louise Maranhão mediam e pesavam o animal. No escuro, ouvia-se apenas os urros da fera. A tensão era palpável, até que os veteranos retornaram, convidando os recém-contratados para vê-la.

“Ele estava lá, minha primeira onça, o Xangô”, relembra Marcos.

“Pesava cerca de 60 quilos. As onças de Mamirauá são menores que as de outras regiões, o que facilita subir nas árvores. Mas, ainda assim, são animais muito musculosos e fortes. E lá estava ele, dormindo. Sensacional!”

Cada campanha envolve cerca de cinco profissionais, incluindo pesquisadores, uma veterinária e assistentes. Um cozinheiro também é contratado, permanecendo no flutuante. Um colar com GPS custa aproximadamente 2.500 dólares. Além disso, cada expedição consome cerca de 50 mil reais, considerando equipe, suprimentos e materiais.

De mãos dadas com o conhecimento tradicional

Lázaro Pinto dos Santos e Railgler Gomes dos Santos foram dois dos assistentes de campo que mais participaram da busca por onças. Moradores da reserva, os dois eram “fenomenais”, segundo Marcos. “O Lazinho me dizia: ‘Marcão, vamos colocar a armadilha aqui’, após dias de busca, e acertava. Ele sabia onde o bicho andava, como gostava de pisar”, relembra.

Infelizmente, ambos faleceram: Lazinho, por problemas cardíacos em 2023, e Raí em um afogamento em 2020. Como homenagem póstuma, os dois foram creditados como coautores do artigo científico, fruto de anos de dedicação.

Criada em 1990, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no coração da Amazônia, abriga 6.642 pessoas, incluindo 4.831 no entorno e 1.811 no interior, entre ribeirinhos, agricultores e extrativistas.

Paulo Cavalcante Martins, liderança local, trabalhou diretamente no projeto das onças e destaca a participação ativa de outros comunitários nas capturas e atividades de pesquisa. “Lázaro e Railgler foram os que mais trabalharam nesse projeto. Não mediam esforços, fosse noite ou dia”, recorda.

A pesquisa com onças em Mamirauá teve início nos anos 2000 com Emiliano Ramalho, hoje coordenador do grupo de pesquisas sobre felinos do Instituto Mamirauá. Nos primeiros anos, conversas com ribeirinhos foram essenciais para entender o comportamento das onças durante as cheias. Foram os comunitários que alertaram os pesquisadores, pela primeira vez, de que os felinos permaneciam no topo das árvores durante a cheia.

Para confirmar o que o conhecimento tradicional já apontava, foi necessário instalar colares e usar uma sofisticada modelagem de monitoramento. Os colares registram pontos de localização das onças em intervalos programados de uma a seis horas. No total, cerca de 13 mil localizações foram coletadas.

Mudanças nos pulsos de inundação da Amazônia

As onças vivem desde o México até a Argentina, apresentando adaptações impressionantes em cada região. No Pantanal, por exemplo, são pescadoras. Estudos em andamento sugerem que Mamirauá abriga a segunda maior população já registrada no continente. E apenas lá há onças que vivem no topo das árvores, evidenciando como a biodiversidade é moldada pelo entorno.

No entanto, os ciclos de seca e cheia na Amazônia estão mudando, uma tendência monitorada há mais de uma década. Entre 2023 e 2024, secas recordes atingiram Mamirauá, enquanto o rio Negro registrou seu menor nível em 122 anos, com apenas 12 metros. Já em 2021 houve uma cheia histórica, quando o rio alcançou 30 metros.

O hidrólogo especialista em Amazônia, Jhan-Carlo Espinoza, explica que secas e cheias extremas na região são influenciadas pelos fenômenos El Niño e La Niña, que aquecem e resfriam o oceano Pacífico, respectivamente. No entanto, esses eventos têm ocorrido com mais frequência e se sobrepõem, impedindo a normalização do pulso dos rios.

“O mais provável é que o aquecimento global esteja intensificando essas condições”, afirma Jhan-Carlo. “A transição entre La Niña e El Niño faz parte da variabilidade natural do clima, mas está acelerada pelo aumento da temperatura média do planeta e fatores como o aquecimento do Atlântico.”

Uma transformação tão acelerada no sobe-e-desce dos rios impacta toda a fauna, inclusive a onça. “Isso altera a dinâmica do ecossistema”, explica Guilherme. “A floresta amazônica é sensível a mudanças. Secas prolongadas reduzem a umidade e aumentam a mortalidade de árvores, o que desequilibra todo o mais. Já cheias longas expõem animais como a onça a períodos mais severos de escassez.”

A onça é considerada “vulnerável” pela Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, o que indica risco de extinção próximo. No Brasil, a principal ameaça é a perda de hábitat pelo desmatamento, agravada por conflitos com humanos que criam animais como gado. Na Amazônia em transformação, as mudanças climáticas surgem como outro risco iminente.

Fonte: Fauna News

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