Estudar as onças-pintadas que habitam o território brasileiro é uma tarefa difícil para os pesquisadores que se dedicam a conhecer mais de perto esses animais e garantir um habitat saudável para a sua reprodução. Além de pesarem de 80 a 130 kg, elas vivem em locais inóspitos e dedifícil acesso. Para realizar uma expedição de 30 dias na mata, por exemplo,são necessários cinco dias para transportar equipamentos e água.
O desenvolvimento urbano e rural de regiões que cercam os biomas brasileiros levou pesquisadores à constatação de que a espécie está ”criticamente ameaçada de extinção”.
A exploração dos biomas brasileiros, especialmente da Caatinga, acontece desordenadamente porque as pessoas pensam que a região é inabitável. “Há uma imensa diversidade de espécies animais e vegetais, muitas das quais ocorrem apenas lá. Não conhecer o que aí existe leva a uma exploração desordenada, principalmente desmatamento para produção de lenha e carvão”, reitera.
Pesquisadores como Morato estão empenhados na criação de um projeto que construirá corredores para proteger as onças-pintadas e a fauna do semiárido. “Como as onças precisam de grandes áreas para sobreviver, acreditamos que, ao criarmos condições para a manutenção de uma populaçãoviável, estaremos dando suporte a todas as outras espécies que utilizam o mesmo ambiente”, enfatiza.
Ronaldo Gonçalves Morato é graduado em Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa e cursou mestrado e doutorado na mesma área pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é analista ambiental e chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor trabalha com onças há 20 anos. Como percebe a proliferação desses animais pelo Brasil? Que biomas brasileiros elas habitam?
Ronaldo Morato – A onça-pintada ocorre na Amazônia,Pantanal, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica. Há especulações de que a população de onças tem aumentado. No entanto, não há estudos que indiquem isso. Recentemente, pesquisadores brasileiros classificaram a onça-pintada como criticamente ameaçada de extinção na Caatinga e Mata Atlântica, vulnerável no Cerrado e ameaçada na Amazônia e Pantanal. As onças do Pantanal têm portemaior, podem atingir até 130 kg. As da Caatinga são menores. Estimamos que elasnão ultrapassem 80 kg.
IHU On-Line – Quais são as razões da possível extinção e ameaça das onças-pintadas?
Ronaldo Morato – De forma geral, as principais ameaças para a onça-pintada são a perda e fragmentação de habitat e a caça. Perda e fragmentação estão muito relacionadas à expansão das atividades econômicas e de implantação de infraestrutura, enquanto a caça se dá por retaliação aos animais que predam rebanhos domésticos.
IHU On-Line – O que dificulta o estudo das onças-pintadas no Brasil?
Ronaldo Morato – São animais com baixa densidade e que habitam locais inóspitos. Isso aumenta muito o custo de estudar esses animais ecausa muita dificuldade nas condições de trabalho.
IHU On-Line – O senhor participou da expedição com outros pesquisadores que ficaram 30 dias naCaatinga, monitorando as onças-pintadas?
Ronaldo Morato – Infelizmente não pude participar dessa expedição, mas nossa equipe acampou na região por 30 dias para tentar capturare equipar com rádio colar (sistema GPS-Satélite) pelo menos duasonças-pintadas. No entanto, não obtivemos sucesso de captura. Trabalhar nesseambiente é extremamente difícil. Temos que levar galões de água para oacampamento, além de todo o equipamento que utilizamos como armadilhas,espingarda, colares e etc. São necessários cinco dias só para levar equipamentose água. Não há luz elétrica, telefone, chuveiro. Enfim, não há conforto algum.
IHU On-Line – Como a transposição do rio São Francisco pode afetar o habitat natural desses animais?
Ronaldo Morato – Não sabemos ainda, o Programa deRevitalização do Rio São Francisco do Ministério do Meio Ambiente estáinvestindo nisso justamente para saber quais seriam os possíveis impactos ecomo mitigá-los, se eles existirem.
IHU On-Line – Em que consiste o projeto de criar um corredor para proteger as onças-pintadas e a fauna do Semiárido? Qual é a necessidade desse corredor e como ele ajudará aproteger os animais?
Ronaldo Morato – Como as onças precisam de grandes áreaspara sobreviver, acreditamos que, ao criarmos condições para a manutenção deuma população viável, estaremos dando suporte a todas as outras espécies queutilizam o mesmo ambiente. O corredor seria um instrumento que permitiria ofluxo de informações genéticas das espécies ao longo do semiárido sem deixar delevar em consideração as características socioeconômicas da região, ajudandotambém a preservar valores sociais e culturais do sertão nordestino.
IHU On-Line – Quais são, hoje, os principais problemas ambientais da Caatinga?
Ronaldo Morato – Em meu entender, o principal problema épensar que a Caatinga não tem nada. Há uma imensa diversidade de espécies animais e vegetais, muitas das quais ocorrem apenas lá. Não conhecer o que aí existe leva a uma exploração desordenada, principalmente desmatamento para produção de lenha e carvão.
IHU On-Line – Comorecebeu a notícia de que os deputados aprovaram a lei sobre a proteção da vegetação nativa (PCL-30)? A redução de áreas de preservação poderá afetar o habitat de animais como a onça-pintada?
Ronaldo Morato – Todos os pesquisadores ambientais estão bastante apreensivos. Certamente essa decisão afetará um número incalculável deespécies, não somente a onça-pintada. Por sorte, a matéria ainda deve tramitar no Senado, onde esperamos que seja feita uma revisão minuciosa daquilo que foi aprovado pelos deputados.
Com informações do Correio do Brasil