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DESRESPEITO

Observadores e fotógrafos ameaçam reprodução de aves raras e colocam espécies em risco de extinção

Postagem sobre avistamentos nas redes sociais fazem com que entusiastas se dirijam ao mesmo local e perturbem os pássaros para vê-los

26 de setembro de 2024
Júlia Zanluchi
5 min. de leitura
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Foto: Nature Picture Library/Alamy

Espécies de aves ameaçadas podem correr um risco cada vez maior a medida que observadores e fotógrafos de vida selvagem perturbam esses pássaros, o que pode atrapalhar a reprodução.

Nos últimos anos, aqueles encarregados de salvar espécies da extinção têm enfrentado o desafio de equilibrar a necessidade de chamar a atenção para a situação das aves com a necessidade de desencorajar as pessoas de procurá-las.

O tetraz-grande é uma espécie rara de aves, com apenas cerca de 530 indivíduos vivendo na natureza, a maioria no parque nacional Cairngorms, na Escócia. Embora seja ilegal perturbar os tetrazes-grandes durante a temporada de reprodução, de março a agosto, isso não tem impedido observadores de aves e fotógrafos da natureza, motivados pela possibilidade de uma imagem ou avistamento prestigiado.

Durante a temporada de 2022, 17 pessoas foram encontradas na “lek”, área onde os machos se reúnem para competir pela atenção das fêmeas na primavera, segundo Carolyn Robertson, gerente do projeto Cairngorms Capercaillie.

Nesse mesmo ano, um observador de aves foi flagrado em vídeo espantando seis tetrazes-grandes do local de reprodução. O homem foi preso, mas liberado com um aviso verbal. Naquele momento, o dano já poderia ter sido causado.

Mesmo uma breve interrupção pode “fazer a diferença entre as aves se reproduzirem ou não”, disse Robertson ao The Guardian. “Sabemos que isso aumenta os níveis de estresse delas, então é altamente provável que não tenham retornado à área para acasalar naquela manhã; podem não ter voltado por dias”, acrescentou ela.

Com tão poucas aves restantes na natureza, a perturbação humana pode ser “catastrófica” para a espécie, afirma Robertson, mas desencorajar os entusiastas da natureza de procurá-las tem se mostrado um desafio. “Quando as pessoas tiram fotos de tetrazes-grandes e as postam online, elas recebem milhares de curtidas. Quando pedimos para que as retirem, isso já lhes deu tanto prestígio que não querem fazer isso”, explicou.

Isso reflete uma nova e crescente ameaça para espécies e habitats vulneráveis ao redor do mundo: as redes sociais. Um novo artigo na revista Science of The Total Environment destacou os impactos negativos das postagens online e da fotografia na biodiversidade.

Ao chamar a atenção para a flora e fauna raras – e em alguns casos, para suas localizações exatas – os entusiastas da natureza, ao compartilhar suas descobertas, podem fazer com que outros se dirijam ao mesmo local, e até adotem táticas antiéticas, como reproduzir chamadas de aves ou usar iscas, para garantir um avistamento.

Robert Davis, professor de ecologia da vida selvagem na Edith Cowan University, na Austrália Ocidental, e autor principal do artigo, diz que a pesquisa foi “motivada por uma raiva coletiva” após ver locais naturais intocados e espécies vulneráveis sendo negativamente impactados por visitantes.

“Provavelmente nunca houve um momento na história humana em que se pudesse compartilhar informações tão rapidamente com tantas pessoas, e isso trouxe uma pressão imensa sobre os ecossistemas”, afirmou Davis.

Acredita-se que populações do zaragateiro-de-coroa-azul, espécie criticamente ameaçada, restritas a uma pequena área da província de Jiangxi, na China, tenham mudado seus hábitos de nidificação em resposta à intensa perturbação de fotógrafos da vida selvagem.

Em 2022, grupos de fotógrafos apareceram em Shetland, na Escócia, em busca da cigarrinha-lanceolada, potencialmente fazendo com que a ave abandonasse a área. Em agosto, um fotógrafo foi multado em mais de 1.600 libras por perturbar um ninho de falcão-abelheiro no País de Gales.

“É um equilíbrio muito delicado: as redes sociais são ótimas para chamar a atenção, mas é necessário haver discrição”, diz James Lowen.

Mas pedir às pessoas para não buscarem ou postarem sobre espécies vulneráveis muitas vezes é recebido com resistência, afirma Davis. “Você recebe muitas críticas de pessoas dizendo: ‘Por que você é o guardião? Todos têm o direito de ver isso – qual é o problema de apenas uma pessoa?'”, pontuou. “Quando algo é tão raro, uma única pessoa pode levá-lo à extinção.”

Ele reconhece que o impacto nas espécies vulneráveis é menor em relação às ameaças mais amplas, como perda de habitat e espécies invasoras. Mas as redes sociais perpetuam o problema, afirma Davis. “No fim das contas, elas alimentam a demanda: quanto mais raro algo é, mais as pessoas querem ver.”

Isso destaca um crescente conflito entre os objetivos de proteção e aqueles que querem ver uma espécie antes que seja tarde demais.

James Lowen, escritor de história natural baseado em Norfolk, diz que os padrões entre os entusiastas da natureza têm caído, talvez refletindo a facilidade de tirar e compartilhar fotos online. “Agora há mais pessoas cujo hobby é a fotografia da vida selvagem, em vez de simplesmente observar a vida selvagem, e suspeito que elas não foram criadas com a mesma atenção à ética e ao comportamento no campo”, explicou.

Essa ameaça agora precisa ser gerenciada ativamente, entre tantas outras. “É um equilíbrio muito delicado: as redes sociais são ótimas para chamar a atenção, mas é necessário haver um nível de discrição”, refletiu Lowen.

O projeto Cairngorms Capercaillie, por sua vez, buscou aproveitar o poder das redes sociais para salvar a espécie. No ano passado, lançou a campanha “Lek It Be”, pedindo às pessoas que não procurassem a ave ou postassem fotos online.

Robertson afirma que já teve um efeito positivo, com 55% menos observadores de aves, fotógrafos e grupos guiados observados nas áreas de lek nesta temporada. Enquanto a comunidade de observadores de aves apoiou a campanha, os fotógrafos têm sido menos receptivos, diz Robertson – talvez refletindo suas motivações diferentes.

“É sobre desenvolver uma norma social. Simplesmente não procuramos mais o tetraz-grande – deixamos eles em paz”, finalizou Robertson.

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