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Obras portuárias ameaçam vida marinha

22 de maio de 2009
8 min. de leitura
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Está nas mãos da Justiça a continuidade das consultas públicas para a criação da reserva de fauna da Babitonga, no litoral norte de Santa Catarina. As pedras no caminho da proteção daquela área, vital para a sobrevivência de espécies ameaçadas de animais marinhos, do turismo e da pesca artesanal, também são a total contrariedade do governo estadual e de empresários, interessados na ampliação ou construção de portos, e também de associações de pescadores, temendo erroneamente que suas atividades sejam interrompidas.

A proposta para se definir algum tipo de proteção à principal área de manguezais do Sul do país tomou forma há pouco mais de três anos, quando uma série de pesquisas apontou que populações de duas espécies de golfinhos dependem daquele estuário para sobreviver. O pouco conhecido boto-cinza (Sotalia guianensis) e atoninha (Pontoporia blainvillei) usam aquelas águas para se alimentar e reproduzir. Meros, robalos, caranguejos-uçá e várias outras espécies também vivem ali.

Com tanta riqueza em vida marinha, aproveitada pelo turismo e pescadores artesanais, veio o projeto para criação de uma reserva com pouco mais de 70 mil hectares e abraçando pequenas parcelas de seis municípios, como São Francisco do Sul, Joinville, Araquari e Barra do Sul, e grande parte do estuário do Rio Palmital, formado por mais de duas dezenas de ilhas e ilhotas. Confira mapa abaixo. Se for mesmo confirmada uma reserva federal de fauna, será a segunda do país. Em 2006, foi criada no Rio Grande do Norte a Reserva de Fauna Costeira de Tibau do Sul.

Os planos conservacionistas chegaram primeiro aos escaninhos do Ibama, mas, com a divisão do órgão, o processo tramita agora no Instituto Chico Mendes. A falta de um levantamento socioeconômico quanto aos efeitos da área protegida na região deixou uma brecha para ações judiciais. E elas vieram, encaminhadas por associações de pescadores. Assim, a criação da reserva aguarda um parecer do Tribunal Regional Federal em Porto Alegre (RS). Logo após uma decisão, os trâmites serão retomados, com mais uma audiência pública, ao menos. Esse, todavia, não é o maior problema para a conservação da Baía de Babitonga.

Quem é contra a reserva?

O estuário já sofre com a poluição por esgotos e outros resíduos lançados pelos municípios que o circundam, especialmente por Joinville, cidade mais industrializada de Santa Catarina.

Graças ao federal PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), outras seis obras portuárias são projetadas para a Baía da Babitonga. Veja quadro abaixo. Elas incluem a ampliação do Porto de São Francisco do Sul, no município de mesmo nome e operando desde os anos 1950, além da construção de outros terminais. Os empreendimentos dependem de dragagem de canais, da remoção de rochas e de outras intervenções diretas no estuário para permitir a aproximação de navios de grande porte.

As obras são defendidas com unhas e dentes pelos governos federal e catarinense, por empresários do ramo portuário, exportadoras, sindicatos de estivadores, clubes de iatismo e outras entidades. Mas além dos benefícios para esses, não podem ser desprezados os impactos para outros setores e para a vida marinha. Ainda mais por um país que pretende ter acesso a mercados internacionais cada vez mais exigentes sobre questões ambientais.

“Não sou contrário à expansão do Porto de São Francisco do Sul, pois ali há menor concentração de golfinhos e de outras espécies e haveria prejuízos menores. Mas as outras obras estão projetadas exatamente sobre locais onde os botos se concentram para se alimentar”, explicou o professor Paulo Simões Lopes, do Laboratório de Mamíferos Aquáticos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O pesquisador também ressalta que a preservação da Baía da Babitonga é fundamental para várias espécies cujos locais de sobrevivência se tornam mais raros a cada dia. “Babitonga é o único local do mundo onde toninhas podem ser encontradas em águas rasas. No restante de seu território brasileiro, do Espírito Santo ao extremo Sul, habita águas com profundidades de aproximadamente 20 metros”, contou.

Conforme o biólogo Eduardo Godoy Aires de Souza, da Diretoria de Unidades de Conservação de Proteção Integral do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o traçado da área protegida foi elaborado para evitar sobreposição com quatro terras indígenas, que devem ser demarcadas ainda este semestre pela Fundação Nacional do Índio, e para garantir a continuidade do turismo e da pesca artesanal.

“A proposta para a unidade de conservação traz um maior controle sobre as atividades impactantes, ordenamento da pesca e maior poder de decisão às comunidades que dependem da qualidade ambiental da Baía da Babitonga para sobreviver. Nem pesca, nem turismo, nem comunidades locais serão proibidos de qualquer atividade, pois a reserva é de uso sustentável. Os argumentos contrários são meramente econômicos”, ressaltou.

Souza aponta que, se as obras portuárias realmente forem aprovadas, o cultivo de mexilhões e de ostras, as pescarias e os passeios pelo estuário ficarão comprometidos, principalmente pela poluição dos empreendimentos e embarcações e ainda pela dragagem dos canais, mudando a circulação das águas e expulsando espécies.

“As pessoas que desenvolvem essas atividades serão excluídas com esse modelo de desenvolvimento, que prima pela concentração de renda, exclusão social e degradação do ambiente. Tentamos informar sobre essas implicações nas audiências públicas, mas parte da região está optando pelo mesmo destino de outros estuários, destruídos por empreendimentos desse tipo”, comentou.

De acordo com Lopes, da UFSC, uma decisão pela construção e ampliação dos portos no estuário será “sui generis”, pois Justiça e governos condenarão pelo menos duas espécies à extinção local, enquanto esforços nacionais e internacionais vêem a preservação como uma prioridade extrema. “Se isso acontecesse, o governo brasileiro estaria agindo de maneira antagônica à conservação. Não há possibilidade da expansão portuária e da sobrevivência daquelas espécies”, ressaltou.

A maioria dos manguezais brasileiros, de Norte a Sul do país, pertence à Mata Atlântica e são espaços de transição entre a terra e o litoral com papel imprescindível para reprodução e alimentação de peixes, cetáceos e inúmeras outras espécies. A região da Baía da Babitonga tem prioridade “extremamente alta” para conservação em estudos do governo federal. Além disso, aquele estuário abriga quase oito em cada dez hectares dos manguezais catarinenses.

O episódio da Babitonga também mostra que, com a divisão do Ibama, criou-se uma curiosa situação no licenciamento federal, onde um órgão ambiental está encarregado de avaliar empreendimentos com alto impacto apoiados pelo governo e vistos como lesivos ao meio ambiente pelo ICMBio.

Portos em licenciamento na Baía da Babitonga

Obra

Órgão licenciador

Licença emitida

Ampliação do Porto de São Francisco do Sul, dragagem para aprofundamento de canal e derrocamento de lages

Ibama

Prévia

Ampliação do Porto de São Francisco do Sul

Ibama

em análise

Terminal de Granéis de Santa Catarina e Fertimport

Ibama

em análise

Porto de Itapoá

Ibama

Instalação

Porto da Norsul

Ibama

em análise

Porto de Laranjeiras

Fatma

em análise


Fonte: ICMBio


Baixe aqui um mapa (PDF/500 Kb) com os limites propostos para reserva da Baía da Babitonga

Fonte: O Eco

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