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Objeções frequentes: “Mas e as plantas?”

6 de novembro de 2010
8 min. de leitura
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A partir da coluna de hoje, passaremos a abordar algumas objeções frequentes à extensão do princípio da igualdade aos animais não humanos. Nós já abordamos quatro delas na coluna anterior (a saber, o argumento da espécie biológica, o argumento da posse da razão plena, o argumento da potencialidade e o argumento do grupo), quando discutimos o erro em assassinar. A partir da nossa análise, concluímos que todos esses argumentos se amparam em características que são moralmente irrelevantes para explicar o tratamento diferente em casos similares. Portanto, nenhum deles se sustenta.

Outra conclusão importante, na nossa última coluna, foi sobre os motivos pelos quais assassinar é errado. Vimos que é possível existirem várias razões que compõem o erro em matar (sendo que a presença de uma delas já é suficiente para a constituição do erro): fazer planos para o futuro, perda de alguém capaz de colocar a moralidade em prática no mundo real, perda de desfrute no futuro e contrariedade de uma preferência por continuar a viver. Dentre essas várias razões, as duas últimas (desfrute e preferência) se destacaram por serem aplicáveis (ou uma ou outra) a seres sencientes em geral, tanto humanos quanto não humanos, independentemente de nível intelectual. Lembrando que a categoria preferência foi adicionada pela possibilidade da existência de indivíduos cuja vida futura contém quase nada de desfrute, e ele ainda assim prefere continuar a viver. Contudo, é importante lembrar que a preferência não é uma condição necessária quando há possibilidade de uma quantidade mínima razoável de desfrute no futuro. Assim, o bebê porco pode não entender o que é estar vivo no futuro, e, portanto, não ter uma preferência consciente quanto a isso; contudo, se há possibilidade de desfrute minimamente razoável para ele no futuro, impedir isso constitui-se um erro, mesmo não havendo preferência consciente.

Tendo relembrado essas importantes conclusões, podemos adentrar agora numa objeção muito comum à ideia da extensão da igualdade aos animais não humanos: “mas, e as plantas?”. Quando é colocado esse argumento, geralmente pretende-se com isso negar a ideia de igualdade aos animais. Algo como “se é errado matar animais, então é errado matar plantas – o que é absurdo -, então é correto matar ambos”. Gostaria de analisar esse argumento mais de perto. Esse argumento geralmente toma duas formas. Uma delas é a seguinte:

Argumento A:

(1)     O erro em matar se dá por impedir desfrute num ser senciente

(2)     Animais não humanos e plantas são sencientes;

(3)     Logo, é correto matar animais não humanos e plantas.

Geralmente, o argumento colocado assim não causa muita inquietação em quem está sugerindo-o. Mas vejamos uma implicação que não é muito enfatizada, do mesmo argumento:

Argumento A’:

(1)     O erro em matar se dá por impedir desfrute num ser senciente;

(2)     Animais humanos, animais não humanos e plantas são sencientes;

(3)     Logo, é correto matar animais humanos, animais não humanos e plantas.

Quem coloca esse argumento geralmente se esquece de que, caso ele esteja correto, implica também que sua própria vida não tem valor. A boa notícia é que ele não está correto. Aliás, de todos os argumentos analisados até agora, ele é o mais fraco; é o que apresenta mais problemas, seja na presente forma, seja na forma que veremos a seguir. Mas, se ele não é correto no caso de matar humanos, não é também nos outros casos. É o que pretendo apontar.

Um problema óbvio com esse argumento é com a premissa número 2. Não existem evidências sérias de que plantas sejam sencientes. Contudo, não precisamos entrar nesse debate agora. Pretendo mostrar que, mesmo que fosse verdade que todas as plantas fossem sencientes, ainda assim o argumento está errado.

Antes, quero apontar para a outra forma desse argumento. Diferentemente do argumento anterior, que se baseia no critério da senciência (e apenas aponta que talvez a classe de seres sencientes seja maior do que imaginamos hoje), o novo argumento se baseia no critério da vida. O novo argumento diz que, mesmo que fique provado que nenhuma planta é senciente, ainda assim é um erro matá-la apenas por estar viva. Esse argumento pode ser reconstituído assim:

Argumento B:

(1)     O erro em matar se dá por tirar a vida de alguém;

(2)     Animais não humanos e plantas estão todos vivos;

(3)     Logo, é correto matar animais nãohumanos e plantas.

Apenas relembrando, se queremos fazer um raciocínio ético honesto, não podemos esconder certas implicações do argumento:

Argumento B’:

(1)     O erro em matar se dá por tirar a vida de alguém;

(2)     Animais humanos, animais não humanos e plantas estão todos vivos;

(3)     Logo, é correto matar animais humanos, animais não humanos e plantas.

A única premissa que não apresenta problemas, nesse argumento, é a segunda. Todos concordam que todos os seres listados ali são seres vivos. Contudo, temos problemas aparentes na premissa número 1 e a conclusão, assim como no primeiro argumento, não segue das premissas. Vejamos um problema de cada vez:

Um problema com a premissa número 1 é que não é assim óbvio que o erro em matar se dá por tirar a vida de alguém. Estar vivo e desfrutar da vida são duas coisas bem distintas. Simplesmente por um organismo estar vivo não significa que ele desfrute de alguma coisa (que sente alguma coisa, que tem prazer, dor, etc.). A pergunta “se um organismo está vivo, mas não possui nem nunca possuirá experiência ou sensação alguma (não há “alguém” lá dentro), é realmente um erro matá-lo?” é uma pergunta inteligível, e não deveria ser desconsiderada. Algumas pessoas responderiam “sim”, afirmando que há erro em matar qualquer coisa viva, mesmo que não desfrute de nada. Não pretendo entrar nesse debate agora, mas já de cara podemos perceber que, quando avaliamos o erro em matar[1], estar vivo (sem desfrute de nada), por si só, não é geralmente uma razão alegada contra o assassinato. Contudo, não entraremos nesse debate agora porque ele não é importante para a análise do argumento em questão, como veremos a seguir. Ou seja, mesmo que o erro em matar fosse devido a tirar a vida (mesmo que uma vida não senciente), ainda assim a conclusão do argumento estaria errada.

Vamos supor por um momento que as premissas número 1, tanto do argumento A quanto do argumento B estejam corretas. Vamos supor, para efeito de argumentação, também, que as premissas números 2, tanto do argumento A quanto do argumento B também sejam verdadeiras. Ainda assim, ambos os argumentos estariam errados. E estão errados porque as conclusões não procedem das premissas. Pior ainda, as conclusões são contrárias às premissas. A premissa maior diz respeito ao erro em matar e dá um critério que funda esse erro (a senciência no argumento A e a vida no argumento B), e as conclusões falam sobre ser correto matar. As conclusões, para não caírem em contradição com o resto do argumento, deveriam ser “logo é errado matar animais humanos, animais não humanos e plantas”. E isso porque o argumento visa oferecer uma razão para o erro em matar, e não para o acerto em matar.

Para ilustrar o absurdo das conclusões dos argumentos A e B vejamos um exemplo envolvendo humanos. Estamos tão mergulhados em especismo que, para nós, é difícil raciocinar com a imparcialidade necessária. Portanto, um exemplo envolvendo apenas humanos sempre ajuda muito. Supondo que estivéssemos no século XIX, lutando para abolir a escravidão dos afrodescendentes. Supondo que, ao mesmo tempo, devido ao machismo não questionado em nossa sociedade, não estivéssemos dando atenção alguma à opressão sobre as mulheres. Alguém, adversário da abolição da escravatura, aponta então nossa incoerência: “se negros querem ser livres, mulheres também querem”. Supondo que esse alguém logo em seguida conclua: “logo, não vamos libertar nem os negros nem as mulheres”. Ora, todos perceberiam o absurdo dessa conclusão, principalmente porque ela é contrária às premissas. Primeiramente, aponta-se que a classe de seres com um interesse a ser considerado é maior do que imaginamos, para logo em seguida afirmar que, então, não devemos considerar nenhum desses interesses. Primeiro, aponta-se que o erro em escravizar está que viola a liberdade; em seguida, é lembrado que muito mais indivíduos têm interesse em serem livres, para depois concluir que, então, não devemos libertá-los. Essa contradição é extrema.

Da mesma maneira, os dois argumentos analisados acima não colocam ameaça alguma à extensão da igualdade para os animais não humanos. Se for provado num futuro que plantas também são sencientes, isso não invalida a consideração moral pelos animais sencientes. Se ficar provado que o critério da senciência está errado e deveria ser adotado o critério da vida, também isso nada invalida a consideração pelos animais sencientes. Continuaria sendo verdadeiro que o princípio da igualdade exige a extensão aos animais não humanos.

Isso sem contar que, geralmente, pessoas que usam argumentos do tipo “e as plantas?” não estão nem um pouco preocupados nem com plantas, nem com animais não humanos, nem com ninguém. Do contrário, não tirariam uma conclusão que é justamente o contrário que as premissas que endereçam propõem.


[1] Vide coluna intitulada “Especismo e a Questão do Valor da Vida”.

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