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EXPLORAÇÃO

O uso de macacos que sofrem risco de extinção em pesquisas laboratoriais preocupa ativistas

Mais de 30 mil animais chegam aos Estados Unidos todo ano para serem usados em testes

31 de janeiro de 2024
Júlia Zanluchi
4 min. de leitura
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Foto: Jakub Hałun | Wikimedia Commons

Brincalhões e amantes de frutas, o macaco-cinomolgo infelizmente são um modelo padrão de pesquisa usado em testes na indústria biomédica dos Estados Unidos. Tanya Sanerib, diretora jurídica internacional do Centro para a Diversidade Biológica, chegou a essa conclusão ao analisar dados sobre os vastos números de macacos da espécie importados para o país.

Nos últimos anos, exportadores com sede no sudeste da Ásia, região de onde a espécie é nativa, venderam mais de 30 mil macacos-cinomolgos anualmente para os Estados Unidos, principalmente para uso em laboratórios. A demanda é tão alta que, segundo relatórios do ano passado, um único animal poderia ser vendido por até 60 mil dólares (cerca de 297 mil reais na cotação atual).

Ao chegarem às empresas farmacêuticas e instituições de pesquisa, eles estão destinados a viver em gaiolas e enfrentar experimentos para testar desde o medicamento para perda de peso, Ozempic, até vacinas contra a Covid-19. A indústria explora essa espécie desde a década de 1970, quando a Índia interrompeu as exportações de macacos rhesus, e os pesquisadores tiveram que encontrar uma nova espécie para testes farmacêuticos letais.

Na época esses macacos eram abundantes na natureza, hoje já não são tão mais fáceis de encontrar. Enquanto os animais se multiplicam nos laboratórios dos EUA, eles estão lutando para viver em seu habitat nativo, e a indústria de testes em animais é em parte culpada. As populações da espécie diminuíram 40% de meados da década de 1980 a 2006, e em 2022, foram listadas como ameaçadas de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

A legislação e suas brechas

No papel, a maioria dos macacos-cinomolgos importados pelos EUA é rotulada como criada em cativeiro, significando que vieram de instalações que os reproduzem para pesquisa, em vez de serem capturados na natureza. No entanto, alguns especialistas acreditam que o comércio ilegal de macacos capturados na natureza é generalizado e que muitos dos que acabam nos laboratórios foram traficados.

Em abril de 2023, em meio a crescentes preocupações com a espécie, uma união de ativistas pelos direitos animais, grupos de conservação e cientistas liderados pela People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) solicitou ao governo federal que incluísse os macacos-cinomolgos na Lei de Espécies Ameaçadas. A lei não se destina apenas a proteger animais em habitats selvagens da invasão humana, ela também exige um tratamento melhor para animais ameaçados em cativeiro.

Embora a Lei de Espécies Ameaçadas não proíba explicitamente a manutenção de animais ameaçados em cativeiro, suas proibições sobre o que se pode fazer a um animal em cativeiro são muito mais rigorosas.

Segundo a IUCN, o atual nível de exportação de macacos de cauda longa é “considerado por observadores do comércio como ‘extremamente insustentável’”, exercendo “uma pressão significativa” sobre as populações selvagens da espécie.

Instalações de reprodução no Sudeste Asiático, motivadas pela grande quantidade de dinheiro que pode ser feita no comércio, podem rotular ilicitamente macacos capturados na natureza como nascidos em cativeiro e exportá-los para países com grandes indústrias de pesquisa biomédica, como os EUA e o Japão. Isso permite que os exportadores vendam mais macacos sem o tempo, dificuldade e despesa envolvidos em sua reprodução.

Opinião dos cientistas

A Sociedade Internacional de Primatologia pediu recentemente o fim da experimentação em primatas capturados na natureza e instou revistas científicas a se recusarem a publicar pesquisas conduzidas com eles. “É essencial que, na nossa busca por proteger e melhorar a saúde humana, não percamos de vista a importância e o valor inerentes às populações de primatas selvagens”, escreveu o grupo de trabalho que elaborou a declaração.

Apesar da indústria farmacêutica insistir que os animais são necessários para os testes, tanto a necessidade quanto a ética do uso de primatas em pesquisas médicas são altamente contestadas, inclusive por alguns cientistas. O ex-pesquisador em animais Garet Lahvis argumentou que os macacos de laboratório são tão gravemente danificados psicologicamente por serem mantidos em gaiolas pequenas a ponto de torná-los virtualmente inúteis como objetos de teste.

A neurologista Aysha Akhtar, ex-oficial médica da Food and Drug Administration e agora pesquisadora no Oxford Centre for Animal Ethics, argumenta que a dependência de testes em animais acaba prejudicando os humanos, produzindo “estudos de segurança enganosos e direcionamento de recursos para longe de métodos de teste mais eficazes”.

Futuro desses animais

É um consenso entre os pesquisadores biomédicos e os defensores dos animais que inserir esses animais na Lei de Espécie Ameaçadas, impactaria no uso desses macacos em testes. No entanto, sem pressão externa é improvável que o Fish and Wildlife Service (FWS) anuncie proteções para os macacos de cauda longa em breve. Um estudo de 2011 que examinou 130 espécies listadas como ameaçadas pela IUCN descobriu que mais da metade não era reconhecida na legislação.

A razão para essa lacuna é que a legislação está travada pela política. O número de listagens feitas a cada ano muda drasticamente quando novas administrações presidenciais assumem o controle.

Um caminho mais confiável, embora ainda não garantido, para obter a proteção da lei para uma espécie é fazer uma petição diretamente ao FWS, como a reclamação liderada pela PETA em abril passado, mas até hoje a organização espera por uma resposta.

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