Por Leandro Ditzel
Após uma interminável noite de lembranças e reflexões, infelizmente para mim, o dia amanheceu. Hoje é o último dia de minha vida.
Sei que, quando esse mesmo sol que acabara de nascer se puser ao fim do dia, não estarei mais aqui para contemplá-lo e amanhã bem cedo, quando ele voltar a nascer, serei apenas uma lembrança. Não sei como ainda consigo ter forças para fazer esse triste relato.
Há meses estou aqui, condenado à morte por algo que juro que não cometi, mas aqui estou na certeza do cumprimento da sentença que me deram sem que nada eu devesse ou tivesse cometido algum mal para alguém. Tenho a minha consciência tranquila, pois nada de errado eu fiz, mas aqui estou no aguardo dos instantes finais.
Sei que é injusto o que em alguns minutos irá acontecer comigo, mas não me deram direito à defesa. Não me deram direito ao que de mais importante e precioso eu tenho, que é a minha tão por mim amada vida.
Dizem que nos tratam bem enquanto estamos aqui e, aparentemente sim, nos tratam bem, a comida é boa, mas é um tratamento extremamente frio. Nem parece que eles têm sentimentos, pois para eles que nos deixam presos aqui, somos apenas números esperando a hora da morte. Não vejo brilho em seus olhares. Não vejo amor em seus corações. Só vejo pedras no lugar onde deveriam existir sentimentos.
Aqui fiz muitos amigos que, como eu, esperam pelo seu momento. E para mim é difícil descrever o que sinto, pois, nos apegamos uns aos outros e estamos aqui por um mesmo motivo. Estamos aqui condenados a deixarmos essa vida por uma decisão que não nos pertenceu.
Todos os dias eu vejo veículos que trazem novos condenados. Vejo também veículos grandes e fechados que levam daqui aqueles que já se foram.
Ontem foi um dia muito triste para mim. Vi o meu amigo se despedir de mim e da vida. Quando chegou a sua hora foi muito doloroso para nós dois que por meses convivemos juntos.
Chegado o momento de partir daqui, de onde nesses meses todos compartilhamos uma bela amizade, senti a dor da despedida e, um profundo frio de tristeza penetrou em meu ser. Meu amigo olhou profundamente em meus olhos e seguiu o seu destino final.
Não consigo deixar de lembrar os seus olhos esbugalhados e a respiração ofegante por um forte e indescritível medo. O olhar de pavor que presenciei quando ele dobrou aquele corredor me deixa agora mais apavorado do que já estou, pois sei que hoje chegara a minha vez e não faço ideia na verdade de como será passar pelo fim. Não sei se sentirei dores, se perceberei que estarei morrendo lenta ou repentinamente.
Estou com medo e não tenho a quem me consolar. Ouço gemidos de dor e pavor. Também estou apavorado. Tem mais alguém sendo morto. Estou com medo!
Agora tenho que me despedir. Espero que alguém leia esse meu último relato e possa repensar nos erros e injustiças que continuam sendo feitos pelo mundo.
Sei que a maioria dos seres humanos almeja se alimentar com a nossa carne e com o nosso sofrimento, mas tem tantas formas de se alimentar sem causar dor e medo, sem que ocorra essa tristeza toda nesses frigoríficos frios e desumanos.
Muitos comem nosso corpo por diversão em dias de festas sem que estejam realmente com fome e, por isso, perdemos a nossa tão preciosa vida.
Dói em nossos corpos e, muito mais, em nos nossos sentimentos o que fazem conosco.
Se um dia resolveres repensar em suas atitudes, comece por se lembrar dos nossos olhares de dor nos instantes finais.