Além do problema da rejeição, a população canina
nas ruas aumenta também devido aos rojões.
Por Jaime Spitzcovsky (Folha de S. Paulo)
Nuvens escuras se avizinham para quem cultiva o bem-estar animal. Férias e festas de fim de ano conspiram para uma alta significativa no número de animais abandonados e daqueles que, sem aguentar o barulho ensurdecedor de rojões, fogem de seus lares na esperança de chegar a um porto silencioso.
O aumento de abandonos ocorre por motivos dantescos. O tutor, sem local para deixar o animal durante a viagem de férias ou sem disposição para resolver o problema, descarta o suposto companheiro. Deixa-o no meio do caminho, na estrada, próximo ao terminal rodoviário, ou mesmo nos arredores do destino turístico.
A condenação à pena do abandono se infiltra em países dos mais diversos perfis socioeconômicos. Na Holanda, uma associação de proteção animal recorreu a um vídeo polêmico. A primeira cena mostra um carro se dirigindo a um bosque. Uma criança no banco traseiro segura uma bola. A sonoplastia sugere um clima de descontração e relaxamento típico das épocas de veraneio.
O veículo escapa da estrada principal e estaciona num local ermo. O motorista desembarca, abre a porta para a criança e os dois caminham alguns passos. O adulto pega a bola, dá um chute de longa distância e o petiz dispara exultante, em busca do brinquedo. É quando o motorista dá meia-volta, entra no carro e sai em alta velocidade. Desolado e inerte, o menino observa, bola na mão, a fuga de quem o levava.
A imagem congelada, impactante, serve de pano de fundo para uma frase com a triste constatação da realidade holandesa: “Todos os anos 150 mil animais são abandonados”. E o vídeo termina exortando que se pense duas vezes antes de assumir a responsabilidade de cuidar de um animal.
Além da crueldade do abandono, outros aspectos colaterais surgem. Segundo levantamento feito na Itália, 85% dos cães descartados por seus tutores morrem em até vinte dias, sobretudo em atropelamentos. As cifras seguem para apontar que, em 2004, houve 754 acidentes provocados por cães ou gatos na pista. Número de humanos mortos: 380.
A população canina nas ruas aumenta também devido ao uso de rojões, hábito tão enraizado em festas de fim de ano. A explosão de alegria humana corresponde a uma tortura para ouvidos famosos pela exacerbada sensibilidade, especialmente quando comparada aos de seus tutores. Nessa comparação, vale registrar que o cão consegue captar barulhos quatro vezes mais distantes.
Fim de ano também corresponde ao término do Campeonato Brasileiro. Mais rojões espocam e como que lancetam tímpanos caninos. Sei que esta coluna não corresponde ao espaço para tal discussão, mas pergunto se não é hora de adotar no Brasil o calendário futebolístico europeu. A argumentação aqui se reveste de interesse canino. Pelo menos as finais aconteceriam em outra época do ano, e os castigos em decibéis impostos aos amigos de quatro patas deixariam de se concentrar tanto em dezembro.
Fonte: Folha