Ugo Nanni é um jovem estudante de geociências da Universidade de Oslo que persegue o som da mudança do clima. Sua experiência mais recente foi escutar os sussurros do glaciar Kongsvegen, em Svalbard, o arquipélago norueguês no Ártico, e gravar tudo. Os sons da geleira são de um tormento em curso. Tem algo ali rachando, forças que já não resistem.
Para lá do Atlântico, a 6.500 quilômetros do gelo ártico, a emergência climática é um espetáculo visual igualmente assustador. O maior lago de água salgada do Ocidente, o Great Salt Lake, em Utah, está sumindo, assim como outros pelos mundo. Sua superfície tem um terço do que era em 1987, diz a Bloomberg, agência que também trouxe a história do moço que escuta as geleiras.
The Washington Post, por sua vez, entrevistou a química Parisa Ariya, da McGill University, e ela diz que a crise climática está alterando o cheiro da neve, porque solo e ar aquecidos estimulam a circulação de moléculas de odor. A mudança do clima altera tudo, inclusive os sentidos. É a natureza desenhando o drama.
Nas rodadas de negociação internacional climáticas, contudo, o que vem mudando são os humores.
Os efeitos da mudança climática pelo mundo
Já era visível em Glasgow, a supervalorizada COP26 que entregou declarações políticas que não se sabe bem a quantas andam, o artigo 6° do Acordo de Paris com tudo para definir e o limite de aumento de temperatura em 1,5°C por um fio. Na plenária final, a Índia roubou a cena (e a China assentiu), dizendo que não consegue acabar com o uso de carvão até 2030 e só, quem sabe, diminuir. Mas quem prestou atenção no que diziam vários líderes de países africanos sentiu o grau da insatisfação.
Governos do continente mais pobre do mundo e que mais sofre com a crise do clima querem saber quem os ajudará a se adaptar e quando virão os recursos prometidos. O PIB somado dos 54 países africanos dá US$ 2,7 trilhões — o PIB da Califórnia é US$ 3,4 trilhões.
Os US$ 100 bilhões ao ano que os países ricos prometeram enviar aos em desenvolvimento a partir de 2020 nunca chegam. Há ali doações e empréstimos, dinheiro público e privado. O fluxo é pouco transparente e a meta, nunca alcançada. Os anos passam, o mar sobe, as secas se sucedem, a fome fica mais dura. Estas são as cenas da crise climática na África.
A guerra na Ucrânia mudou o foco das preocupações e clima perdeu protagonismo. No comunicado final dos líderes do G7, o grupo dos países mais ricos reunidos na Alemanha em junho, fala-se em deixar de lado os combustíveis fósseis com o fim do apoio público ao setor em 2022, mas com exceções. O texto diz que isso pode ocorrer em “circunstâncias excepcionais” em que o setor de gás pode receber investimento público como “resposta temporária” desde que respeitados os objetivos climáticos e blábláblá.
Desmatamento na Amazônia
A COP27, no Egito, em novembro, é nebulosa e promete conflito.
-O que significa ser uma conferência do clima africana? Eles têm falado em ser uma COP de implementação – diz Cintya Feitosa, assessora de relações internacionais do Instituto Clima e Sociedade.
O nó é que todos têm visão diferente do que seja implementação.
– Há muita coisa por fazer depois de Glasgow e o trabalho ocorre em um contexto geopolítico que não favorece – diz Cintya, que esteve no recente evento preparatório em Bonn. -Os países em desenvolvimento estão muito frustrados com os meios de implementação, o que significa dinheiro.
Há um mal-estar concreto entre os países em desenvolvimento e os ricos. O tema “Perdas e Danos”, que envolve os mais afetados no espectro dos impactados pelo clima — ilhas pequenas que estão perdendo o próprio território para o mar e não têm como se adaptar— será quente em Sharm El-Sheikh.
Os industrializados não dão um tostão para o tópico, temendo a vinculação direta entre quem causou o problema e quem vive o ônus. Preferem escantear a conta para linhas de seguro privadas mais baratas.
Fonte: O Globo