Com uma extensão de 1,6 mil quilômetros (km), o Deserto do Atacama, no Chile, é o lugar mais seco do mundo. Contudo, apesar da pouca chuva, o local está longe de ser estéril. A região briga uma flora única que, de tempos em tempos, se desenvolve mediante a condições extremas, um fenômeno conhecido como deserto florido.
A cada cinco ou 10 anos, entre os meses de setembro e novembro, um acúmulo incomum de chuvas prepara o terreno para essa explosão colorida que chama a atenção do mundo. Jaime Martínez-Harms, pesquisador do Instituto de Pesquisa Agropecuária em La Cruz, no Chile, e sua equipe decidiram investigar os mecanismos que possibilitam essa grande diversidade de cores, formas e padrões visuais das flores.
Suas descobertas foram publicadas na revista Frontiers in Ecology and Evolution na última sexta-feira (21). A análise investigou a variação de cores florais a partir da Cistanthe longiscapa (Montiaceae), uma espécie dominante na paisagem de floração efêmera do Atacama.
As análises revelaram que a essa diversidade resulta de pétalas contendo pigmentos de betalaína — pigmentos naturais biossintetizados a partir do ácido betalâmico — com diferentes níveis de absorção. “Nosso objetivo era esclarecer os mecanismos ecológicos e evolutivos que causam a diversidade biológica em ambientes extremos como o deserto de Atacama”, relata Martínez-Harms, em nota.
Muitas cores
A equipe analisou o deserto florido no final de 2021, perto da cidade de Caldera. No local, as flores de até 20 centímetros de altura, haviam florescido em duas manchas distintas com dezenas de km de diâmetro. Segundo o estudo, aos olhos humanos, essas manchas pareciam apenas flores roxas, amarelas e algumas variantes avermelhadas, rosadas e brancas da mesma espécie.
Porém, os pesquisadores decidiram ampliar o campo de observação de forma mais detalhada, buscando “enxergar como os insetos”. Com seus olhos compostos e sensibilidades diferentes, a maioria dos polinizadores (vespas e abelhas) tem três tipos de fotorreceptores, que são extremamente sensíveis às luzes UV, azul e verde.
Partindo desse princípio, Martínez-Harms e seus colegas utilizaram câmeras sensíveis à luz visível e UV e espectrômetros para medir a reflexão, absorção e transmissão de diferentes comprimentos de onda pelas pétalas de um total de 110 flores de C. longiscapa. Isso permitiu que eles produzissem imagens compostas dessas variantes vistas por suas muitas espécies de polinizadores.
Escondido dos olhos humanos
Os resultados mostram que apenas dentro dessa única espécie de planta, a diversidade perceptível aos polinizadores foi maior que a dos humanos. Os insetos podem distinguir tanto as variantes vermelha, roxa, branca e amarela, como também podem diferenciar entre flores com uma reflexão UV alta e baixa entre flores amarelas e roxas.
Esse mecanismo permite que eles vejam, por exemplo, o pólen e o néctar, que é invisível aos olhos humanos. Uma exceção são as C. longiscapa rosa e vermelha, que são bastante distintas aos olhos humanos, mas se parecem para os insetos himenópteros (abelhas, vespas e marimbondos, por exemplo).
“Nossas análises mostram que a variação de cores de C. longiscapa resultam de pétalas contendo pigmentos de betalaína com diferentes espectros de absorção. A diferente composição de pigmentos das pétalas causa diferenças na cor das flores na faixa visível e ultravioleta (UV) do espectro”, afirmam os pesquisadores.
As betalaínas não dão apenas cor às flores: elas também protegem da seca, do estresse salino e dos danos causados pelos radicais reativos do oxigênio sob estresse ambiental, características altamente benéficas nos desertos.
Polinizadores
Os autores levantaram a hipótese de que a diversidade observada dentro das flores é impulsionada também pelos insetos. Dada a importância da cor na atração de visitantes, a variabilidade observada pode contribuir para o aumento da polinização cruzada em condições extremas de deserto.
“Por meio de sua preferência por cores e padrões de flores particulares, os insetos podem fazer com que essas variantes se tornem reprodutivamente isoladas de outros indivíduos da mesma espécie. Esse processo contínuo pode levar à origem de novos espécimes”, conclui o pesquisador.
Fonte: Galileu