O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) investiga a morte de 222 cavalos após consumo de ração produzida pela Nutratta Nutrição Animal. O Mapa suspendeu a fabricação e a venda do produto —a empresa diz colaborar com as investigações.
O que aconteceu
Os cavalos morreram em poucos dias por falência hepática. Os animais apresentaram intoxicação agressiva que levou à morte rápida, segundo veterinários. De acordo com o Mapa, “os casos apresentaram associação com o consumo de rações da empresa citada [Nutratta]”.
São Paulo concentra o maior número de mortes. Entre as 222 mortes confirmadas pelo Mapa, 83 ocorreram em São Paulo, 69 no Rio de Janeiro, 65 em Alagoas, 4 em Goiás e 1 em Minas Gerais; outros casos seguem em investigação na Bahia, em Goiás e em Minas Gerais.
A fabricação de todas as rações da empresa foi suspensa de forma cautelar. A empresa também foi impedida de comercializar todos os seus produtos. Segundo o Mapa, “durante as inspeções foram constatadas irregularidades”.
A substância que teria provocado as mortes ainda não foi identificada. Amostras foram coletadas para análise de monensina, clostridium e micotoxinas, mas os laudos ainda não foram concluídos.
A fabricante entrou na Justiça para reverter a interdição. A Nutratta impetrou mandado de segurança; o processo aguarda decisão. As informações constam em nota oficial publicada pelo Mapa no dia 3. A pasta orienta criadores a comunicarem suspeitas por meio da Ouvidoria para rastreio dos lotes e investigação oficial.
Criadores narram desespero
Um tutor relata desespero ao ver seu cavalo desenganado pelos veterinários. Fábio de Sá Duarte, morador de Itu (SP), contou que Diamante, seu cavalo, não responde mais aos tratamentos. Os exames feitos periodicamente mostram piora contínua no fígado, sem reversão do quadro.
A família vive dias de angústia. Segundo Fábio, Diamante está cada vez mais apático e a decisão pelo sacrifício pode ocorrer a qualquer momento. “É muito triste ter de fazer isso com um membro da família. Choramos aqui, há duas semanas estamos só chorando, esperando o dia de ter de sacrificá-lo. Só um milagre salva nosso cavalo agora.”
Uma associação de criadores fala em perdas incalculáveis. A ABCCMM (Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador) informou que tem recebido relatos de criadores associados com perdas em seus plantéis. Em nota, afirmou que “as perdas são incalculáveis não apenas do ponto de vista econômico, mas também genético e emocional para criadores, funcionários e familiares”.
A entidade pede rigor na investigação e responsabilização dos envolvidos. A ABCCMM orientou criadores a suspenderem imediatamente o uso da ração suspeita e notificarem órgãos como o Mapa, conselhos regionais de veterinária e serviços estaduais de defesa sanitária. Também oficiou o Ministério Público para que apure as causas e possíveis responsabilidades pela tragédia.
A associação recomenda monitoramento constante. A orientação é para que criadores mantenham acompanhamento permanente com médicos veterinários para qualquer sinal clínico nos animais. A entidade também colocou sua equipe técnica à disposição para prestar suporte aos associados durante o enfrentamento da crise.
O que diz a empresa
A Nutratta lamenta as mortes e diz colaborar com investigações. Em nota publicada em seu site oficial, a Nutratta Nutrição Animal Ltda. afirmou que recebeu os relatos de perdas com profunda tristeza, destacando que os animais têm valor não apenas econômico, mas também afetivo para criadores e famílias.
A empresa afirma que atua com responsabilidade e cautela. Declarou ter optado por não emitir alertas ou orientações precipitadas diante de um “cenário desconhecido, sensível e sem precedentes”, concentrando esforços em apuração técnica rigorosa, reforço de protocolos internos e colaboração com as autoridades.
A Nutratta confirmou que sua unidade fabril foi interditada preventivamente pelo Mapa. E informou que houve a coleta de amostras para análises completas. Segundo a Nutratta, todas as exigências foram atendidas até o momento.
A fabricante diz que a ração bovina não foi afetada. A Nutratta destacou que as linhas de nutrição equina e bovina têm formulações distintas e que não há qualquer evidência de contaminação ou falha nos produtos destinados à bovinocultura.
“Sabemos que nenhum laudo técnico trará de volta os animais perdidos, mas seguimos comprometidos em buscar, com total transparência, respostas que possam oferecer ao menos alguma forma de justiça e aprendizado diante de tamanha tragédia.” – Nutratta, em nota
Riscos graves
Conselho de veterinária alerta para riscos graves aos animais. O CRMV-SP (Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo) explicou que intoxicações como a que está sendo investigada podem causar desde degeneração hepática reversível até necrose irreversível das células do fígado, levando à insuficiência hepática aguda ou crônica.
Os sintomas aparecem rapidamente e incluem sinais neurológicos. Os principais sintomas relatados são icterícia, cólica, falta de coordenação motora, espasmos musculares, arritmias cardíacas, insuficiência renal, diarreia, perda de apetite e de peso. Em muitos casos, a evolução é rápida e fatal.
O tratamento emergencial nem sempre é suficiente. Mesmo com atendimento imediato, incluindo fluidoterapia intravenosa, protetores hepáticos, vitaminas e suporte sintomático, o prognóstico varia conforme a substância ingerida, a quantidade e a sensibilidade de cada cavalo.
O conselho orienta profissionais a fazerem a notificação e guardarem amostras. O CRMV-SP recomenda que veterinários registrem os atendimentos no prontuário, emitam atestado de óbito detalhado, lacrem amostras da ração suspeita para análise e descartem os cadáveres adequadamente, em aterro sanitário ou incineração, conforme legislação estadual e municipal.
Fonte: UOL