Mittens, o gato do nosso vizinho, era um aventureiro que gostava de entrar sorrateiramente na nossa casa sempre que surgia uma oportunidade. Entre seus passatempos, pega-pegas diários com os outros gatos do quarteirão e brigas com guaxinins no quintal. Quando ele desapareceu, algumas semanas atrás, nossa gata começou a se comportar de um jeito diferente. Quase sempre quieta e majestosa, ela ficou mais dengosa, resmungando enquanto olhava pela janela. “Ela está de luto”, disse meu marido. Nós presumimos que Mittens estava morto. Será que nossa gata “presumiu” a mesma coisa?
Falar sobre animais e luto convida a inevitáveis acusações de antropomorfismo, aquele hábito tentador de projetar características humanas em animais não humanos. Mas, como explica Susana Monsó em Playing Possum: How Animals Understand Death [algo como “Brincando de ser gambá: Como os animais entendem a morte”, em tradução direta], nosso medo do antropomorfismo pode levar ao pecado oposto da “antropectomia” – a negação de que os animais apresentam características humanas. “Ambos os erros são igualmente graves”, escreve Monsó. “Ambos são descrições falsas da realidade.”
Monsó é uma filósofa espanhola (ela mesma traduziu seu livro para o inglês), e Playing Possum fica girando em torno das questões de conhecimento: o que os humanos sabem, o que os animais sabem e o que os humanos sabem (ou não sabem) sobre o que os animais sabem (ou não sabem). Monsó impede que esses enigmas grandiosos flutuem para a estratosfera, amarrando-os a histórias intrigantes do mundo natural: um chimpanzé que carrega o cadáver de um galagonídeo; camundongos grávidas que reabsorvem seus fetos em seus corpos para evitar a predação de machos infanticidas; formigas que podem ser enganadas com marcadores químicos para que tratem formigas vivas como mortas.
Com o livro, também aprendi que o “brincar de gambá” o título envolve mais do que simplesmente ficar imóvel: quando um gambá se sente ameaçado, “ele para de responder ao mundo e começa a salivar, urinar, defecar e expelir uma gosma verde de cheiro repugnante de suas glândulas anais”, escreve Monsó. Parece muito mais esforço do que apenas “brincar”: expelir uma gosma fedorenta é, sem dúvida, se comprometer com a brincadeira. Monsó compara o gambá em perigo ao gato de Schrödinger, “morto e vivo ao mesmo tempo”.
Playing Possum é uma mistura inesperada de espirituoso e sinistro, cerebral e mundano. Monsó não responde a perguntas sobre a morte, mas levanta novas perguntas, incentivando-nos a abandonar nosso antropocentrismo reflexivo, prestando muita atenção ao que os animais fazem, mesmo quando isso não está de acordo com os modos de comportamento humano.
Alguns animais parecem de fato passar pelo luto, diz Monsó, referindo-se a girafas fêmeas que perambulam pela área onde um filhote morreu e a queixadas que limpam repetidas vezes o cadáver de uma companheira morta. Ela abre o livro com uma fotografia impressionante de um centro de resgate de chimpanzés que viralizou em 2009: uma chimpanzé morta chamada Dorothy está sendo empurrada em um carrinho de mão por um grupo de seus companheiros chimpanzés, que estão estranhamente silenciosos enquanto olham para ela, aparentemente solenes e transfixados.
Os chimpanzés estavam sofrendo? Será que eles sabiam que o que tinha acontecido com Dorothy um dia aconteceria com eles? Monsó apresenta seu livro em termos da “filosofia das mentes animais”. Ela sabe que, para leitores céticos “que duvidam que os animais tenham mentes”, essa abordagem pode parecer difícil de engolir. Mas seu entusiasmo pelo assunto (reconhecidamente mórbido) é tão convincente que, ao final do livro, eu estava convencida de que muitos animais não humanos têm, de fato, um “conceito de morte”, mesmo que não seja necessariamente o mesmo que o nosso.
O luto indica um vínculo afetivo com o falecido. Mas Monsó adverte que a consciência da morte em si não precisa ser uma causa próxima. O luto pode ser causado pela “mera ausência de um ente querido”. Temos a tendência de confundir o luto com a compreensão da morte devido ao nosso “antropocentrismo emocional”, argumenta Monsó. “Como o luto é a resposta humana prototípica à morte, esperamos que os animais que entendem a morte apresentem luto, mas não precisa ser necessariamente assim. Da mesma forma que pode haver tristeza sem conceito de morte, pode haver conceito de morte sem tristeza.”
Monsó aponta para outras respostas à morte que são mais prevalentes entre os animais não humanos na natureza, como o canibalismo e a necrofilia. Ela diz que devemos considerar o papel que a violência desempenha na vida dos animais. Para os predadores, a morte de suas presas “é um motivo de alegria”.
Mas quando nos perguntamos sobre a compreensão que um animal tem da morte, geralmente estamos falando sobre a morte de “coespecíficos” – membros da espécie do animal, não membros de espécies que o animal evoluiu para matar. Não preciso de filosofia para entender que meu gato se alegra quando mata um rato.
A morte é extremamente comum no mundo não humano. O que eu não havia considerado era sua conexão com a brincadeira. Monsó traz uma descrição gráfica dos métodos que os golfinhos-nariz-de-garrafa usam para atormentar e matar botos. Não é que esse comportamento seja uma forma de predação; os golfinhos não se alimentam dessas vítimas. Os pesquisadores especulam que esse “ataque” aparentemente gratuito dá aos golfinhos a chance de aprimorar suas técnicas de luta e criar laços uns com os outros.
Monsó termina o livro destacando um paradoxo: os seres humanos têm uma compreensão sofisticada da morte, que abarca sua “inevitabilidade e imprevisibilidade”, mas estamos sempre tentando nos distrair desse conhecimento aterrorizante. Os animais selvagens não conseguem escapar dessa realidade, e Monsó sugere que podemos aprender algo com eles. “Não somos uma espécie especial”, ela nos lembra. “Somos apenas mais um animal.”
Talvez negar nossa mortalidade seja nossa versão distorcida de brincar de gambá: ficamos tão paralisados pela ideia de escapar da morte que não vivemos de verdade.
Fonte: Estadão