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EDITORIAL

O que o seu prato tem a ver com as tragédias climáticas?

6 de maio de 2024
Silvana Andrade
4 min. de leitura
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Foto: Divulgação | Corpo de Bombeiros

Primeiramente, gostaria de expressar o meu profundo pesar por todas as vidas perdidas e afetadas pela catástrofe que tem devastado o Rio Grande do Sul nos últimos dias. É verdadeiramente uma tragédia anunciada em tempos de alteração climática.

Infelizmente, essa histórica enchente no estado mais ao Sul do Brasil, é um prenúncio sombrio de outros eventos similares ou mais graves que devem ocorrer com maior frequência em todo o país e no mundo.

Uma parte expressiva das pessoas, das instituições governamentais e não governamentais, dos políticos, dos governos e da imprensa tradicional frequentemente atribuem a responsabilidade pelas variações climáticas aos outros, enquanto se desvinculam de qualquer contribuição própria para o alarmante fenômeno.

Precisamos encarar este momento com consciência e coragem para quem sabe minimizar o sofrimento iminente que se apresenta diante de nossas vidas.

A perversa indústria pecuária é uma das principais causadoras das mudanças climáticas, exercendo um impacto devastador no meio ambiente e causando um holocausto sem fim.

Por décadas e décadas, o desmatamento para a criação de pastagens e cultivo de alimentos para os, desprezadamente, chamados animais de produção, tem destruído ecossistemas preciosos, liberando enormes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera. Além das emissões de metano resultantes da digestão dos animais e da decomposição de seus cadáveres que representam uma fonte significativa de gases de efeito estufa.

Atentando também para a desertificação dos solos provocada pelo pisoteamento dos animais e a contaminação dos lençóis freáticos e aquíferos subterrâneos resultada dos excrementos cheios de antibióticos, medicamentos, pesticidas desses pobres animais intoxicados.

A produção de carnes e de outros produtos de origem animal requer extensas áreas e o uso maciço de recursos naturais já bastante escassos.

E para quem não sabe, a criação de animais para consumo ocupa, segundo matéria publicada na revista Época Negócios, 75% das terras aráveis do planeta, apesar de contribuir apenas com 12% das calorias consumidas globalmente.

E este é um dos motivos pelo qual podemos também explicar o drama famélico. Apesar de termos um grande excedente calórico produzido anualmente, milhões de pessoas continuam morrendo, todos os anos, em decorrência da fome, porque grande parte dos grãos produzidos são para alimentar animais.

No Brasil, milhões de hectares de vegetação nativa, incluindo áreas sensíveis como a Amazônia e o Cerrado, foram sacrificados para dar lugar a pastagens e plantações de grãos, como a soja, majoritariamente destinada à alimentação dos animais que serão mortos para consumo humano.

Esta exploração desenfreada dos recursos naturais não apenas ameaça a biodiversidade e os ecossistemas, mas também contribui para a nossa própria destruição.

Além dos danos ambientais, a indústria pecuária é marcada pela exploração e crueldade contra os animais. Milhões deles (confinados ou não) vivem em condições insalubres, sofrendo abusos físicos e psicológicos ao longo de suas vidas curtas e sofridas.

O tratamento desumano e a falta de consideração pelos interesses e necessidades dos animais são uma violação clara dos direitos animais e da ética.

Nove anos atrás, um relatório divulgado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e pela Agência Alemã para a Cooperação Internacional destacou os altos custos associados à pecuária no Brasil.

De acordo com os dados, para cada R$ 1 milhão de receita gerada pelo setor, eram jogados fora impressionantes R$ 22 milhões devido à perda de capital natural e outros danos ambientais. Além disso, as operações de abate (assassinato) e processamento de animais acarretam um impacto ambiental que é 371% maior do que a receita que geram para o país.

Esses números comprovam os impactos negativos da atividade pecuária na preservação do meio ambiente e na própria sustentabilidade econômica do país.

A ciência igualmente respalda a necessidade urgente de mudança nos hábitos alimentares. Estudos mostram consistentemente que a transição para uma alimentação baseada em plantas é uma das formas mais eficazes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, preservar recursos naturais e combater as mudanças climáticas. O vegetarianismo estrito também contribui para a saúde humana, reduzindo o risco de doenças crônicas.

É preciso reconhecer as terríveis consequências da indústria pecuária e tomarmos medidas concretas para mudar nossos padrões de consumo.

A dissonância cognitiva entre a condenação do desmatamento e o consumo de carne e de produtos associados à degradação ambiental reflete a falta de alinhamento entre valores ambientais declarados e o comportamento prático e consciente.

Promover uma cultura alimentar mais consciente, baseada em alimentos de origem vegetal, além de uma escolha ética, é uma necessidade urgente para garantir um futuro sustentável para todos nós – humanos e não humanos – , para o nosso planeta.

A adoção do veganismo, independentemente de qualquer discordância filosófica ou pessoal, é uma estratégia essencial em meio às circunstâncias prementes que enfrentamos atualmente. É um imperativo prático para abordar os desafios ambientais e de segurança alimentar que permeiam nossa sociedade contemporânea.

Sem o reconhecimento e a implementação efetiva do veganismo, as ações em direção à sustentabilidade e à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas são meras palavras vazias da retórica daqueles, inclusive e principalmente, que atuam em defesa do clima.

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