O enfrentamento da crise climática passa pela garantia de regeneração e conservação da biodiversidade. Ambientes mais biodiversos são aqueles que nos trarão mais resiliência para superar esse grande desafio da emergência climática global. Iniciativas de conservação de espécies têm papel fundamental nisso, porque, ao colaborar para a sobrevivência da fauna, também colaboram com a proteção de habitats florestais responsáveis pelo equilíbrio climático, diversidade biológica, produção de água e alimentos. Um ambiente também amigável à sobrevivência da espécie humana.
As ações para a conservação do mico-leão-preto, espécie com a qual trabalho há quase 15 anos, por exemplo, não olham apenas para a espécie em si. Mas foi por causa delas que grandes mudanças socioambientais foram promovidas. Foram as estratégias baseadas em ciência e envolvimento comunitário que levaram o mico-leão-preto a se tornar a única espécie de primata do mundo a melhorar seu status de conservação nas últimas décadas e que ajudaram no desenvolvimento socioambiental e econômico de uma comunidade que hoje tem parte de sua renda baseada em restauração florestal. São mais de 450 pessoas beneficiadas, sendo 66 com renda exclusiva proveniente de produção ou plantio de mudas na região do Pontal do Paranamanema, estado de São Paulo.
O Programa de Conservação do Mico-leão-preto do IPÊ (PCMLP/IPÊ) foi um dos debatidos no 30º Congresso da Sociedade Internacional de Primatologia (IPS), que aconteceu em julho de 2025, em Madagascar. É um dos mais longevos projetos de conservação no Brasil e oferece lições para a resiliência climática e a proteção da biodiversidade, altamente relevantes nas discussões globais. Aqui, algumas das razões:
- Biodiversidade como alicerce para enfrentamento da questão climática
O mico-leão-preto, junto às demais espécies de micos-leões, é uma bandeira (espécie carismática que chama a atenção da população para a situação de risco de todo o ecossistema em que ela está inserida) para a proteção e restauração de seu habitat, a Mata Atlântica. Com isso, os micos-leões salvaguardam a biodiversidade e as florestas que, por sua vez, contribuem para o armazenamento de carbono, estabilizam os padrões locais de chuva e protegem as comunidades de extremos climáticos.
- Tecnologia para monitoramento de adaptação climática
A tecnologia hoje é uma grande aliada do monitoramento de primatas na natureza. Ferramentas como gravadores acústicos autônomos, armadilhas fotográficas, GPS acoplados aos animais, drones e monitoramento de DNA ambiental (eDNA) já integram as estratégias do nosso programa e diversos outros projetos de conservação pelo mundo. Através delas somos capazes de detectar precocemente mudanças ecossistêmicas causadas pelo clima, como a extinção local de determinadas espécies-chave para o funcionamento desse ambiente; e orientar o manejo adaptativo dessas espécies, ao exemplo de processos de reintrodução dessas espécies extintas. O monitoramento com o uso de tecnologia deve ganhar cada vez mais espaço nas práticas dos projetos.
- Educação para resiliência a longo prazo
A crise climática deve ser pauta cada vez mais frequente nos ambientes de educação formal, de modo a contribuir para formação de lideranças e coletivos preparados para enfrentá-la. Nosso Programa de Educação Ambiental atua junto à próxima geração, promovendo educação climática e formações para as comunidades como forma de orientá-las quanto às escolhas sustentáveis de uso e manejo de recursos naturais.
- Planejamento baseado em Ciência considerando cenários climáticos
Desde a sua concepção, o PCMLP/IPÊ se pauta em processos participativos de planejamento com foco no manejo de populações e do habitat. Nesses planejamentos, Análises de Viabilidade Populacional (AVP) ajudam na construção e compreensão de cenários, antecipando ameaças às populações de micos-leões, e na elaboração de estratégias que previnam processos de extinção local em condições de mudança. Essas análises alinham, por meio de um software, variáveis como o tamanho das populações, informações sobre a qualidade do habitat onde elas vivem e as ameaças ali presentes, para entender se as populações conhecidas continuarão resistindo no longo prazo. As últimas AVP têm integrado projeções climáticas aos modelos, para que possamos ter um melhor entendimento do impacto das mudanças climáticas nessas populações e prepararmos para tomar ações.
- Lideranças locais impulsionando Impacto Global
Talvez um dos eventos de maior impacto promovido no congresso tenha sido o Workshop “Primatologia do Sul Global: Promovendo Práticas e Colaboração para Fortalecer a Disciplina em Países Habitat”. Conseguimos gerar um diálogo significativo para promoção da primatologia nos países do Sul Global, países esses que abrigam quase que 100% da diversidade de primatas do mundo. O estabelecimento de uma rede “Sul-Sul”, formada por líderes de conservação da África, Ásia e América Latina, é crucial para o desenvolvimento de soluções baseadas nas realidades desses países, que além de abrigarem as maiores riquezas em biodiversidade, são os mais vulneráveis às mudanças do clima. Não se trata apenas de incluir essas lideranças, mas de reconhecer que a inovação em conservação e clima já nasce nesses países, pois ninguém entende melhor do contexto local do que essas pessoas, e isso precisa de escala para que vejamos resultados globais.
A integração da conservação da biodiversidade e da ação climática acontece mesmo em projetos como o nosso, em que o foco é uma espécie. Sobretudo porque é através dela que conseguimos olhar para todo um ecossistema.
Modelos de adaptação e resiliência climática podem e devem ser liderados por aqueles que estão na linha de frente de ambas as crises – da biodiversidade e climática.
Portanto, experiências e aprendizados como esses discutidos no Congresso da IPS em Madagascar precisam estar no centro das discussões promovidas na COP30. Em um momento em que também se discute financiamento para a conservação da biodiversidade, mitigação e adaptação climática, é importante que se desenvolva o empoderamento de cientistas da comunidade do Sul Global, detentor da maior biodiversidade do planeta. Isso pode gerar resultados mensuráveis. Melhorando o estado de conservação das espécies e, ao mesmo tempo, fortalecendo os serviços ecossistêmicos, como regulação do clima, água em quantidade e qualidade, todos essenciais para a estabilidade climática e a sobrevivência das populações – não só humanas.
Este é um modelo replicável para o desenvolvimento de resiliência climática nos trópicos, onde a biodiversidade ainda pulsa e precisa seguir pulsando, para que o planeta (no caso, a humanidade) sobreviva a essa crise. Afinal, garantir o futuro do mico-leão-preto é, em última instância, garantir o futuro de todos nós em um planeta habitável.
Fonte: O Eco